Ana Maria Pacheco Lopes de Almeida
Lula é autoritário, intolerante a críticas, irritadiço. E culpa o PT pela crise política. Não, o diagnóstico não é da oposição para desestabilizar o governo. É das principais lideranças e ministros petistas. E vaza há mais de um mês por todo o lado. "O PT tem 25 anos de história. Levamos dez anos construindo a vitória do Lula. Foi uma obra coletiva. Não dá para ele decidir tudo sozinho. Não dá mais", desabafa o ministro José Dirceu. E o desabafo vaza também.
A explicação é singela. Sem meios para dizer a Lula o que pensam, ministros e lideranças petistas tentam, pela imprensa, alertá-lo sobre um cenário que ele se recusa a enxergar. Há uma crise profunda de relacionamento entre Lula e seu partido. Ninguém mais se preocupa em disfarçá-la. Em conversas mais ou menos reservadas, a crueza das avaliações surpreende.
O último lance desse desconforto generalizado foi a sugestão do ministro Gushiken para que o ministério apresentasse renúncia coletiva. Gushiken já havia pedido de público que Aldo Rebelo deixasse a articulação política. As manobras não foram combinadas com Lula. Ao contrário. Foram o atalho encontrado para forçar Lula a agir e reorganizar seu governo fazendo, enfim, uma reforma ministerial. Ainda que com o gesto extremo de pôr-lhe a faca no pescoço. Os ministros não toparam.
A CPI dos Correios piorou o que já estava muito ruim. As idas e vindas de Lula quanto à melhor estratégia para enfrentar a questão estressa as lideranças petistas e deixa a base aliada às tontas. O escândalo dos Correios apenas agravou e fez emergir um desacerto que vem de longe. No dia 28 de maio, por exemplo, Ricardo Noblat informava em seu blog:
A explicação é singela. Sem meios para dizer a Lula o que pensam, ministros e lideranças petistas tentam, pela imprensa, alertá-lo sobre um cenário que ele se recusa a enxergar. Há uma crise profunda de relacionamento entre Lula e seu partido. Ninguém mais se preocupa em disfarçá-la. Em conversas mais ou menos reservadas, a crueza das avaliações surpreende.
O último lance desse desconforto generalizado foi a sugestão do ministro Gushiken para que o ministério apresentasse renúncia coletiva. Gushiken já havia pedido de público que Aldo Rebelo deixasse a articulação política. As manobras não foram combinadas com Lula. Ao contrário. Foram o atalho encontrado para forçar Lula a agir e reorganizar seu governo fazendo, enfim, uma reforma ministerial. Ainda que com o gesto extremo de pôr-lhe a faca no pescoço. Os ministros não toparam.
A CPI dos Correios piorou o que já estava muito ruim. As idas e vindas de Lula quanto à melhor estratégia para enfrentar a questão estressa as lideranças petistas e deixa a base aliada às tontas. O escândalo dos Correios apenas agravou e fez emergir um desacerto que vem de longe. No dia 28 de maio, por exemplo, Ricardo Noblat informava em seu blog:
"28/05/2005 20:24Três dias depois, ao comentar a coluna em que Arnaldo Jabor sugeria a Lula uma virada de mesa em seu governo, Noblat explicava que isso não aconteceria.
Ninguém contraria o presidente
Há mais ou menos um mês conversei com um dos mais influentes ministros do governo. Um dos poucos que têm intimidade suficiente com Lula para lhe falar com franqueza. Um dos poucos que o chamam de Lula em conversas informais.
O ministro me disse que é muito difícil para qualquer um dos seus colegas dizer de fato o que pensa ao presidente. Diz uma vez, leva um esporro, diz outra, leva outro, acaba se recolhendo.
E aí se torna preferível calar ou discordar pontualmente.
De alguma maneira, a maioria dos ministros de governos passados adotou a mesma postura diante dos presidentes.
O cargo de presidente intimida. O poder que o presidente detém intimida. A liturgia do cargo intimida e mantém a distância até os colaboradores mais próximos.
Alguns presidentes, mais sábios, souberam em alguma medida escapar ao isolamento do poder. Lula não sabe. Confia excessivamente em sua intuição. E nos conselhos de dona Marisa, sua mulher."
"31/05/2005 09:04Hoje, na Folha, Kennedy Alencar faz um histórico minucioso dos conflitos e confirma que as relações entre Lula e o PT se esgarçaram.
Por que Lula não fará o que Jabor sugere
Primeiro, porque ele não está ouvindo mais ninguém. Ninguém mesmo.
Quer dizer: ouvir até ouve. Mas só faz o que lhe dá na cabeça. Não foi assim até meados do ano passado. Está sendo assim desde então. Ele perdeu a confiança em alguns dos seus principais conselheiros. Mas não tem coragem de mandá-los embora. Hoje, confiança, confiança mesmo ele só tem em dona Marisa."
"GOVERNO SOB PRESSÃO
Líderes do partido vêem autoritarismo no presidente, que culpa sigla pela crise política e mostra intolerância em relação a críticas
Lula e cúpula do PT vivem seu pior momento
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Nunca estiveram tão ruins e distantes as relações entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a cúpula do PT nos dois anos e cinco meses em que governam o país. Para a direção petista e ministros importantes, Lula assumiu comportamento autoritário. Isolou-se e toma decisões sem levar em conta a opinião do PT.
Já o presidente atribui ao seu partido a responsabilidade maior pela crise política e ouve de verdade o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) e seu chefe-de-gabinete, Gilberto Carvalho. Irritadiço, Lula também demonstra mais intolerância a críticas e aumentou as queixas da imprensa.
"O PT tem 25 anos de história. Levamos dez anos construindo a vitória do Lula. Foi uma obra coletiva. Não dá para ele decidir tudo sozinho. Não dá mais", desabafou o ministro José Dirceu (Casa Civil), ainda com a roupa para exercícios que acabara de praticar, ao receber dirigentes do PT para um café da manhã em 6 de maio, uma sexta-feira.
O presidente do PT, José Genoino, não teve nem tempo de relatar a longa conversa que tivera com Lula na noite anterior. Genoino levara o diagnóstico de encontro reservado do início daquela semana no qual ele, Dirceu, Palocci e os ministros Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) e Jaques Wagner (Conselhão) fecharam acordo para pressionar Lula a demitir Aldo Rebelo (Coordenação Política) e a retomar, mesmo parcialmente, a reforma ministerial. Tal movimento fora facilitado pelo próprio Aldo, que havia pedido demissão duas vezes.
No limite
No desabafo, que repetiria em outras reuniões, como na terça-feira 24 de maio, dia em que deu a entender num encontro com moderados do PT que Lula era o principal responsável pela crise política, Dirceu disse que estava "no seu limite". Falou que se cansara de executar tarefas a pedido de Lula e vê-las desconsideradas.
Genoino interveio e disse que Lula já tinha uma solução. Deslocar Aldo para a pasta da Defesa, ocupada pelo vice José Alencar.
Em resposta à pergunta de como os militares reagiriam a um ministro fraco, pois seria demitido da articulação política, Lula disse a auxiliares que já tinha a solução. Para vitaminar Aldo, acertara com Palocci um aumento salarial para os militares.
Dirceu chegou a dizer que a articulação política deveria ser dada ao ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP). Os participantes da reunião -ministros petistas e os líderes do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (SP), e do PT na Casa, Paulo Rocha (PA)- disseram que o articulador deveria ser Dirceu.
No sábado 7 de maio, Genoino viajou para o Japão acreditando que retornaria com o assunto resolvido. Reportagens dando conta de que Aldo pedira demissão e de que a tendência era Dirceu ocupar o seu lugar contrariaram Lula. Uma declaração de Gushiken em 9 de maio, assumindo que o PT queria o lugar de Aldo, levou o presidente a dizer, mais uma vez, que não o demitiria sob pressão do PT, pois pareceria fraco. O presidente, porém, prometeu a auxiliares decidir até viajar para a Ásia em 22 de maio.
Enquanto não "oficializava" a saída de Aldo, Lula teve conversa secreta com Dirceu na Granja do Torto no domingo 15 de maio, um dia depois de a revista "Veja" ter chegado às bancas com a gravação em que um funcionário dos Correios embolsa propina de R$ 3.000 e diz ser agente de um esquema de corrupção em estatais para beneficiar o PTB.
Prevendo novos problemas na articulação política, que vinha de uma série de derrotas seguidas no Congresso, Lula pediu a Dirceu que assumisse na prática o comando da operação política e tivesse "paciência" porque tomaria decisão em breve sobre Aldo.
O ministro da Coordenação Política começou a arrumar as gavetas, e Lula passou a discutir a entrega de parte das atribuições da Casa Civil, especificamente as de gerenciamento de governo, ao Planejamento ou a uma secretária especial. Assim, aliviaria a Casa Civil, deixando-a com as tarefas políticas e jurídicas.
CPI
Durante a viagem de seis dias à Ásia, Lula tratou por telefone principalmente com Dirceu das manobras da fracassada operação para abafar a CPI dos Correios por meio de retirada de assinaturas de deputados do requerimento de criação da comissão.
Novamente, petistas ouviram de Lula que ele tomaria decisões na volta. Do Japão, na sexta-feira passada, pediu que ministros e auxiliares fossem chamados para uma reunião na Granja do Torto no domingo. O vazamento da informação fez com que cancelasse o encontro e a reunião de coordenação de governo na segunda.
Lula, então, convidou Dirceu para uma conversa a sós na Granja do Torto no domingo à noite. O presidente, que em conversas com auxiliares sinalizara que achava inútil e desgastante insistir no sepultamento regimental da CPI dos Correios, não tomou as grandes decisões que os petistas e Dirceu aguardavam.
O ministro da Casa Civil deixou a Granja do Torto contrariado. Julgou a conversa improdutiva.
Quando peemedebistas, petebistas e pepistas souberam que Lula e alguns petistas defendiam a instalação da CPI, procuraram Aldo e disseram que era loucura, que não existia CPI sob controle.
Na segunda, Lula ouviu boa parte da cúpula do PT e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que era a favor de enfrentar logo a CPI. Disse que a PF (Polícia Federal) avançara nas investigações e que esclareceria o caso dos Correios antes da CPI. Mas Lula aceitou a pressão dos aliados para insistir numa operação para matar a CPI na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, considerada de alto risco.
Desânimo
Na segunda, Dirceu retomou o foco nas ações administrativas. A amigos, disse que estava desmotivado e que não adiantava mais falar nada com Lula. Em reunião com ministros petistas à noite, foi enterrada a proposta de pedirem demissão para forçar Lula a mudar o governo.
Ontem e anteontem, um clima de desânimo dominou petistas. A última idéia era apelar ao exemplo do presidente francês, Jacques Chirac, para convencer Lula a agir para dar sinais de que não é refém da crise. Na França, consulta ao eleitorado resultou na rejeição da nova Constituição européia. Em menos de 48 horas, Chirac trocou o primeiro-ministro, numa manobra para tentar deixar para trás uma tremenda derrota política."
e-agora
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