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Thursday, June 16, 2005

LUÍS NASSIF:Uma crise inédita

folha de s paulo

  Uma leitura fria dos últimos acontecimentos políticos não permite uma visão otimista do futuro. Um desses sábios fundamentais do Congresso Nacional, escaldado em muitas crises nas últimas décadas, confessava nunca ter visto uma crise com a atual.
No impeachment de Fernando Collor, o Executivo estava fraco, mas o Legislativo se fortaleceu. Na CPI do Orçamento, o Legislativo estava fraco, mas o Executivo estava fortalecido. Agora, o Executivo está balançando, o Congresso está balançando e há quatro partidos políticos -PT, PTB, PL e PP- com as respectivas cúpulas com a guilhotina no pescoço.
Embora não apresentasse provas, Roberto Jefferson traçou o roteiro completo da CPI. Já se tem nomes para convocar, episódios para se apurar, bancos para se ir atrás. Do lado do Congresso, diz o sábio, haverá trabalho rápido, apuração rigorosa e punição exemplar. Não tem saída fora disso. Do lado do Executivo, o padrão não poderá ser diferente.
Lula terá, então, dois desafios a serem superados. O primeiro: dar satisfação cabal à opinião pública sobre as mazelas encontradas do seu lado. O segundo: poderá ser um trunfo ou um risco, dependendo da maneira como o presidente atuar. O Executivo sai enfraquecido do episódio, mas com sua base aliada mais enfraquecida ainda. Teoricamente, haveria espaço para ampla recomposição política e ampla reforma ministerial. Nenhum partido aliado teria como se opor abertamente.
Por outro lado, em tempos tenebrosos de catarse, qualquer acusação ganha credibilidade, qualquer insinuação ganha verossimilhança. E, pelo aperitivo até agora apresentado, há muitos ossos no armário aguardando publicidade.
O que ocorrerá com a CPI é uma incógnita. Não haverá a menor maneira de controlá-la. Dançará ao sabor dos fatos que forem surgindo, e das secretárias que forem aparecendo. A escolha do senador Delcídio do Amaral para presidi-la, mesmo sendo petista, é garantia de isenção e moderação.
Mas o monstro vai estar à solta, e em circunstâncias muito complicadas para a governabilidade. Quando começou o tiroteio contra Fernando Collor, o governo viu-se em meio a um torvelinho de revelações diárias sobre as quais não tinha o menor controle e conhecimento. Tudo porque não tratou de mapear os cargos distribuídos nem de conter o ímpeto de sua tropa. E a tropa de Collor era faminta, porém pouco numerosa.

Ironia
A ironia nessa história é que a crise explode justo no momento em que o governo Lula começava a funcionar melhor em vários pontos. Repete-se o ocorrido no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Quando começava a ganhar ritmo, foi engolfado pela crise política das fitas do BNDES e pelo desastre do câmbio.
Depois de um início desastroso, conseguiu-se avançar em uma proposta de lei de saneamento bastante razoável, em novas formas de financiamento à educação, em um esboço promissor de planejamento de longo prazo, em uma nova lei sanitária, em um esboço de política industrial -além do bom desempenho dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Agricultura e do Turismo e do Itamaraty.
Mas, aparentemente, o tempo político acabou.

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