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Wednesday, June 15, 2005

Jefferson poupa Lula e culpa Dirceu

Jefferson detalha "mensalão" e diz que Dirceu ameaça Lula FOLHA DE S PAULO
Lula Marques/Folha Imagem
O presidente do PTB, Roberto Jefferson, que confirmou ontem à tarde no Conselho de Ética da Câmara a existência do "mensalão"


O presidente nacional do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), confirmou ontem em depoimento à Comissão de Ética da Câmara, sob juramento, o que havia dito em duas entrevistas à Folha, a respeito da existência de um "mensalão" de R$ 30 mil patrocinado pela cúpula do PT a parlamentares da base aliada do PL e do PP. Jefferson reafirmou não ter provas materiais do que dizia, mas alegou que caberá à "CPI dos Correios e do Mensalão" investigar suas denúncias. Durante sua fala inicial, que durou aproximadamente uma hora, o deputado ressaltou em várias ocasiões que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tinha conhecimento do esquema de pagamento a deputados organizado pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares. E voltou sua carga verbal com mais veemência contra o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. "[José] Dirceu, se você não sair daí rápido, você vai fazer réu um homem inocente, o presidente Lula", disse, na sua mais enfática referência ao ministro.
Jefferson ainda descreveu em detalhes como o partido do presidente teria doado dinheiro ilegal para a campanha do PTB em 2004 e admitiu ter mentido a respeito do episódio quando escreveu a respeito, ainda durante o processo eleitoral. O deputado acusou ainda o governo de fazer uma campanha contra ele, com a participação de órgãos da mídia, em particular as Organizações Globo e a revista "Veja", que preferiram não se manifestar a respeito.
A sessão da Comissão de Ética não havia sido encerrada até o fechamento desta edição. Parlamentares citados como supostos beneficiários do "mensalão" reagiram de forma dura, acusando Jefferson de estar mentindo. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto (SP), um dos mais atingidos pelo depoimento do petebista, conseguiu obter do líder do PTB José Múcio (PE) uma negativa ao vivo da afirmação de que ele sabia do "mensalão". O líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (PL-GO) protagonizou o momento mais exaltado da tarde, quando apontou o que considerou inconsistências de Jefferson aos gritos.
O Planalto acompanhou a tarde que paralisou o Congresso e Brasília com apreensão e não se manifestou oficialmente a respeito. Diante de boatos dando conta da demissão de Dirceu do governo, o Planalto negou, embora sua saída seja tema de conversas entre assessores de Lula.
O deputado sugeriu uma série de caminhos de apuração para a CPI dos Correios, que deveria começar a funcionar ontem cedo, mas cuja indicação da presidência e da relatoria foi adiada justamente pelo depoimento do petebista.
Leia mais sobre o escândalo do "mensalão"
www.folha.com.br/051572



Acusados e acusadores lavaram-se na sujeira

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

O que começou como uma récita de gala para Roberto Jefferson terminou com cenas de inacreditável imundície. Quem viu aquilo pela TV só pode concluir que uma cassação em massa, por falta de decoro parlamentar, será pouco para preservar as instituições democráticas.
Acusadores e acusados, denunciadores e denunciados, lavaram-se na própria sujeira. Ironicamente, o presidente do PTB saiu da sessão como um reformador dos costumes parlamentares na mesma medida em que escancarava as negociações de que participou. Roberto Jefferson surgiu em cena como se fosse o quarto tenor -uma espécie de Plácido Domingo, capaz de apresentar um recital cheio de notas agudas, gestos calculados, súbitos arroubos; e, como em certos espetáculos de ópera para o público, uma postura corporal solene e controlada não exclui seus laivos de breguice.
A turma do Zé Dirceu "não tem coração", chegou a dizer o presidente do PTB. "Não tenho provas, só tenho provações", disse, com voz moderadamente patética. O recurso de oratória mais freqüente, no discurso inicial, foram as apóstrofes dirigidas a personagens ausentes. "Zé Dirceu", provoca, "sai daí rápido, Zé!"
Os nomes dos envolvidos eram pronunciados como se sua mera menção fosse capaz de explicar tudo: "conversei com o doutor Delúúúbio...". "Deputado Sandro Mabel. Deputado José Janene. Bispo Rodrigues." Membros do PL eram citados com o tom de voz de quem os "conhece muito bem", "sabe muito bem do que são capazes" etc. Contra o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, o olhar fixo de ódio fazia lembrar o Jefferson dos tempos de Collor - "o escorraçado", como disse o petebista, evitando, dessa vez, pronunciar um nome próprio.
Sem provas, o depoimento de Jefferson intensificou, para as câmeras de TV, o tom de ameaças ao mesmo tempo genéricas e específicas que caracterizou suas entrevistas à Folha. Tudo bem: Jefferson diz que o caso das mesadas a parlamentares terminará sendo provado ao longo da CPI. Não duvido dessa possibilidade, e qualquer tentativa de abafar as investigações (e punir Jefferson) seria um escândalo ainda maior que os apontados até o momento.
Mas um escândalo parece engolir o outro, e Roberto Jefferson diz que, em determinada reunião com José Genoino e o "doutor Delúbio", foram disponibilizados milhões de reais para as campanhas municipais do PTB; e que, diante de "duas malas enormes", com notas de R$ 50 e R$ 100, perguntou ao presidente do PT: "Genoino, como é que a gente vai fazer para justificar esse dinheiro?"
É espantoso. Fico também perplexo quando Jefferson lembra casos em que a imprensa -em especial a revista "Veja"- destruiu, a seu ver de modo calunioso, reputações de políticos como Ibsen Pinheiro e Roberto Cardoso Alves. Mas não foi a ponto de dizer o mesmo de Collor, a quem defendeu com tanta ênfase. É como se quisesse mergulhar o passado num dilúvio de lama nova.
Depois de um espetáculo bem ensaiado, tivemos o improviso -e uma amostra do grau de baixaria que virá por aí-, no bate-boca entre Jefferson e o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. Deste, o petebista disse "respeitar os gostos", chamando-o de mulherengo e jogador.
Foi só o primeiro episódio de uma série inacreditável de obscenidades políticas, desmoralizações mútuas, escancaramentos de acordos, gozações em torno de quem levou mais e quem está por receber. Quando o deputado Sandro Mabel, do PL, já avançados os debates, fez o seu discurso inflamado, já estávamos diante de um dos dias mais deprimentes da história política republicana.



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