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Sunday, June 05, 2005

A estranha sociedade

A estranha sociedade

O enigmático corretor, que
vive de obter privilégios nas
estatais, é um elo que aproxima perigosamente o PT das
negociatas do PTB


Ronaldo França e Policarpo Junior

 

Roberto Stuckert Filho/Ag. O Globo
OS AMIGOS
O deputado Roberto Jefferson diz que é amigo de Henrique Brandão (à dir.) há uns trinta anos: os laços entre os dois não são apenas de amizade. Brandão é sócio do genro de Jefferson e ainda deu uma gorda contribuição, de 80 000 reais, à campanha da filha do deputado

Os tentáculos subterrâneos do PTB na máquina pública trouxeram à luz uma figura enigmática: o corretor de seguros Henrique Brandão, que há 36 anos trabalha no mercado do Rio de Janeiro. Recentemente, soube-se que Brandão é amigo e sócio de longa data do deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB. Na edição passada, VEJA publicou uma reportagem informando que Brandão, em nome de Jefferson, tentou arrancar uma mesada de 400.000 reais do IRB, a estatal de resseguros do país, em favor dos cofres do PTB. Na última semana, soube-se que Brandão é sócio de Marcus Vinícius Vasconcelos Ferreira, que vem a ser genro de Jefferson. Descobriu-se, ainda, que Brandão ajudou com 80.000 reais a campanha da vereadora Cristiane Brasil, que vem a ser filha de Jefferson. Com tantas conexões comerciais, políticas e familiares com Roberto Jefferson, Henrique Brandão conquistou influência invejável no governo: há estatais fazendo de tudo – até violando normas técnicas – para entregar os seguros nas mãos de Brandão. E essa malandragem conta com a alegre contribuição de diretores indicados pelo PT. Será uma sociedade que funciona na sombra?

 

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Claudio Rossi
SÓ DÁ BRANDÃO
Carta em que a Infraero comunica ter duas "únicas e exclusivas" corretoras de seguro, a novata Assurê e a AON, e um dos 66 aeroportos administrados pela estatal (acima): para os amigos, tudo

O caso exemplar aconteceu em Furnas, a estatal que reúne um complexo de dez usinas hidrelétricas e duas termelétricas. Em setembro de 2003, um diretor de Furnas, o mineiro Rodrigo Botelho Campos, despachou carta ao IRB entregando a operação de resseguros da estatal nas mãos da Assurê, a corretora de Henrique Brandão, que assim ganhava, de mão beijada, um negócio de 2,2 milhões de reais. Um técnico do IRB, Roberto Carvalho, suspeitou de maracutaia (será que o PT ainda se lembra dessa palavra?). Primeiro, Furnas já contava com uma empresa para cuidar do seu resseguro, a PWS, com mais de vinte anos de atuação em resseguros no Brasil. Segundo, a Assurê é uma corretora de seguros, e não uma resseguradora. Terceiro, cabe exclusivamente ao IRB, uma estatal monopolista, indicar as resseguradoras. A direção do IRB, no entanto, resolveu ignorar as três barreiras técnicas e aceitou a indicação do petista de Furnas. Há uma carta, à qual VEJA teve acesso, em que dois diretores do IRB, em texto manuscrito, mandam às favas as ponderações técnicas contrárias à Assurê de Brandão.

 

Claudio Rossi
OS ALIADOS
Hidrelétrica de Furnas, na cidade de Passos, em Minas Gerais: o privilégio dado a um corretor foi resultado de uma aliança selada entre um diretor do PTB e um diretor do PT

Com isso, Brandão, associado à resseguradora americana Acordia, que não tem nenhuma tradição nesse mercado, ganhou a parada. E Roberto Carvalho, o técnico que tentou impedir a folia, amargou seis meses de ostracismo no IRB. Na Infraero, a estatal que cuida dos aeroportos brasileiros, a Assurê de Brandão também virou a rainha do pedaço. No fim do ano passado, a Infraero lançou um edital para contratar uma seguradora e fez questão de informar no documento que, para baratear o custo de suas apólices, estava proibida a contratação de corretoras. A Bradesco Seguros venceu a licitação, mas, surpreendentemente, recebeu uma cartinha da Infraero na qual a estatal informava que tinha duas corretoras de seguros "únicas e exclusivas": a AON, uma empresa tradicional no ramo, e a Assurê de Brandão. Ou seja: a Infraero proíbe a corretagem no seu edital de licitação e, por baixo do pano, manda a vencedora da licitação contratar a corretora de sua preferência. Estima-se que, só com os seguros da Infraero, a Assurê de Brandão esteja embolsando em torno de 1 milhão de reais por ano.

A tramóia parece integrar um esquema organizado. Na quinta-feira passada, uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou um caso idêntico, só que envolvendo a Eletronuclear, outra estatal sob notória influência do PTB. Nesse caso, tal como no caso de Furnas, a trama percorre os apaniguados do PTB e também do PT. O diretor José Marcos Castilho, filiado ao PT, admite que recomendou à seguradora da Eletronuclear que contratasse a Assurê de Brandão. O jornal calcula que, só nesse negócio, que também lhe caiu no colo de mão beijada, a Assurê pode ter embolsado algo em torno de 360.000 dólares. Castilho faz questão de esclarecer que quem pediu para que a Assurê fosse incluída no negócio de 360.000 dólares foi o diretor Luiz Rondon Teixeira de Magalhães Filho, homem do PTB na Eletronuclear. Faz sentido. Agora, a coincidência final: o principal assessor de Magalhães Filho é Marcus Vinícius Vasconcelos Ferreira, o genro de Roberto Jefferson, que já foi empregado e hoje é sócio de Brandão. Fica tudo em família: o patrão do genro pede que se contrate o amigo do sogro.

 

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ATROPELANDO NORMAS TÉCNICAS
Carta de Furnas (acima) informa o privilégio dado à Assurê de Brandão. Técnico contesta a manobra, mas diretores, num manuscrito, mandam as ponderações técnicas às favas

Os privilégios do IRB à corretora de Henrique Brandão agigantaram-se de 2003 para cá. Naquele ano, por exemplo, Brandão habilitou-se junto ao IRB para disputar um contrato que reúne 54% das operações de seguros do país – o maior filé do mercado. Tradicionalmente, por seu volume e sua importância, esse contrato fica a cargo de resseguradoras conceituadas e de certo porte. Naquele ano, porém, o primeiro do governo Lula, nada menos que 12,5% do contrato caiu nas mãos de Brandão, que tentava então fazer sua estréia no mercado de resseguros. Nas práticas do IRB, aliás, muita coisa mudou sob o atual governo. Antes, por exemplo, as seguradoras eram livres para fazer contratos de resseguros junto à sua matriz no exterior. Agora, os diretores do IRB quase sempre exigem que a seguradora contrate um corretor. Com isso, hoje, 80% dos contratos de ressegurados passam por corretores – antes do governo Lula, esse porcentual era de apenas 10%. Com a entrada do corretor no negócio, segurar uma planta industrial, uma usina hidrelétrica ou um aeroporto ficou muito mais caro. E o dinheiro a mais que se passou a gastar, naturalmente, sai dos cofres públicos – e fica nas mãos dos corretores. Uma boa parte tem ido para as mãos de Henrique Brandão, graças às gentilezas trocadas na cúpula das estatais entre os diretores do PTB e do PT. Como será que Brandão retribui tanta generosidade? Está aí uma boa linha de investigação para a CPI.
veja

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