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Sunday, June 12, 2005
LUÍS NASSIF:Reforma monetária e o Príncipe
folha de s paulo
Nas últimas colunas, tenho procurado mostrar as semelhanças entre o início da República e o Plano Real.
Vamos ao ponto central de ambos os períodos: a reforma monetária de 1890, de Rui Barbosa, e a de julho de 1994, do Plano Real. A de 1890 matou a chance de o país dar o primeiro salto rumo ao desenvolvimento; a de 1994 abortou o segundo grande salto. Em ambos os momentos, o desastre foi decorrência de erros de implementação, mas, sobretudo, devido a projetos de poder que se sobrepuseram a projetos de país.
Em alguns momentos, na história das nações, há a necessidade de uma monetização da economia -isto é, de inundar a economia de moeda para fazer frente aos novos tempos. No governo Deodoro, pelas mudanças nas relações de trabalho no campo, com os pagamentos aos imigrantes e os libertos. No Plano Real, pelo fim da inflação e pela mudança de moeda.
Esses momentos permitem redesenhar o futuro não só econômico como político dos países. Defina-se por onde circulará o novo dinheiro e se definirá quem serão os novos vitoriosos da economia.
No governo Deodoro, Rui Barbosa viu na reforma a possibilidade de beneficiar grupos específicos -e de ser beneficiado por eles. Sem consultar ninguém, criou três bancos com poder de emissão de moeda e deu a concessão do mais poderoso -o que pegava Rio e São Paulo- ao Conselheiro Mayrink. Foram concessões escandalosas, detalhadamente dissecadas no clássico "Rui: o Homem e o Mito", de Raimundo Magalhães Jr., de 1964.
Com o escândalo, a posição de Rui enfraqueceu e ele foi obrigado a concessões variadas. De escândalo em escândalo, de concessão em concessão, foi colocando lenha na fogueira da especulação. O país levou 30 anos para se livrar da maldição do Encilhamento (a bolha da Bolsa na época).
Assim como Rui, a visão de governabilidade e poder de FHC passava por dois desafios: na frente política, domar os coronéis nordestinos; na frente econômica, submeter os industriais paulistas. Os conflitos entre eles (e seus antecessores, os cafeicultores) e sucessivos governos vinham do século passado.
Na política, FHC foi buscar as lições de Campos Salles e montou um pacto de coronéis com os chefes regionais. No campo econômico, foi buscar a lógica de poder implícita no modelo monetário de Rui, aprimorado pelas análises de Gustavo Franco, autor de uma monografia sobre o tema, de 1983, quando tinha 27 anos.
É um livro curioso, esse do Gustavo, porque de sua leitura fica claro que o grande problema de Rui foram as concessões escandalosas a Mayrink. Mas a preocupação de Gustavo é especular sobre o que faltou para que o modelo fosse bem-sucedido e que o grande banco de Mayrink vingasse. O que o fascinava era o jogo de poder possibilitado pela reforma monetária.
Com o golpe da apreciação, em poucos meses criou-se uma enorme dependência de dólares. Com essa manobra simples, aparentemente asséptica, estava definido o jogo, sem expor o flanco ao inimigo, como com Rui Barbosa. O câmbio apreciado abriu um rombo nas contas correntes (maior do que o previsto, saliente-se, por inexperiência de seus autores) e tornou o dólar ativo essencial. Quem dominava o circuito de captação de dólares passou a deter o poder. Quem não dominava quebrou. Em menos de um ano, a crise de inadimplência quebrou a espinha dorsal da indústria e da agricultura. Nos quatro primeiros anos, FHC reinou absoluto, sem contestação. Depois a realidade econômica foi se impondo, e o governo terminou esvaziado.
O projeto FHC-Franco matou a chance que nossa geração teve para ver o Brasil desabrochar, engoliu seu sucessor. Mas FHC tornou-se o príncipe incontestável da nova elite que surgia. Ganhou lugar nobre nos salões aos quais nunca antes teve acesso -filho que era de militares nacionalistas.
A chave que explica quatro anos para mudar um erro óbvio do câmbio é entender que as ações de FHC não obedeciam à lógica econômica, mas a uma lógica de poder.
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