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Tuesday, May 20, 2008

O banquete de Paulinho

A PF desmontou o esquema da Força Sindical e do
PDT no BNDES. Falta investigar o que o mesmo
grupo anda fazendo no Ministério do Trabalho


Diego Escosteguy

Roberto Stuckert Ilho/Ag. Globo
O deputado Paulinho e o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que deve sua nomeação ao poder da Força: eles comandam 38 bilhões de reais


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Nesta reportagem
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Quadro: O aparelho do PDT no Ministério do Trabalho

A promiscuidade do sindicalismo com o poder, empresários, dinheiro e mordomias está na gênese da Força Sindical, criada em 1991, quando o ex-presidente Fernando Collor de Mello reuniu um grupo de empresários para financiar o modelo de representação dos trabalhadores que ele considerava ideal. O resultado não poderia ser outro: a central, que hoje agrega quase 1 000 sindicatos, um partido político, o PDT, e controla de cima a baixo um dos ministérios mais importantes do governo, o do Trabalho, está no epicentro de um escândalo que envolve a participação direta de seus líderes em casos de corrupção, desvio de dinheiro público, tráfico de influência e enriquecimento ilícito.

As investigações da Operação Santa Tereza, que desmontou recentemente um esquema de fraudes no Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), conduziram a Polícia Federal às portas do cofre clandestino da Força Sindical e do PDT. Duas das principais lideranças da central, o lobista João Pedro de Moura e o advogado Ricardo Tosto, foram presas pela PF, acusadas de cobrar propina para liberar empréstimos no banco estatal (o segundo foi solto, por força de um habeas corpus). O deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente da Força e filiado ao PDT, pode ter recebido parte do butim,  como mostram grampos telefônicos autorizados pela Justiça (veja a transcrição de um deles abaixo). Suspeitíssimo, ele agora luta para salvar o mandato. Já está claro que, hoje, Força e PDT são duas organizações siamesas também no plano financeiro. O próximo passo é revelar como essa perigosa simbiose tomou conta do Ministério do Trabalho, pasta fatiada entre políticos pedetistas e sindicalistas da Força, sob o controle do mesmo grupo acusado de rapinar uma linha de crédito do BNDES (veja reportagem)

O PDT, a Força Sindical e o Ministério do Trabalho se converteram numa central única de interesses. O partido, comandado pelos sindicalistas, assumiu o controle do ministério há pouco mais de um ano. Pelas mãos de Paulinho, Carlos Lupi, então presidente do PDT e funcionário fantasma da Câmara, foi feito ministro. Durante três meses, ele travou uma guerra com a Comissão de Ética Pública da Presidência, que via conflito de interesses no fato de ele ocupar os dois cargos. O ministro acabou se licenciando do PDT, mas por mera formalidade. Os principais cargos da pasta foram entregues a sindicalistas da Força e a representantes do partido, sempre com o aval de Paulinho. Dono de um orçamento de 38 bilhões de reais, o ministério se transformou num paraíso para quem se habilita a fazer negócios escusos, buscar dinheiro fácil ou se credenciar a algum benefício. É nesse território pantanoso que se movimentam as famosas organizações não-governamentais, políticos, empresários e lobistas – e que Paulinho reina em busca de resultados. Um de seus projetos, além da candidatura a prefeito de São Paulo, é conseguir eleger quinze deputados federais – todos sindicalistas – em 2010. As campanhas seriam financiadas por recursos repassados por meio de convênios para treinamento de trabalhadores, um duto de fraudes que existe desde o governo passado, agora sob controle de Paulinho e uma gangue sindical. Uma pista: o ministério liberou 11,9 milhões de reais para sete entidades ligadas a parlamentares do PDT ou sindicalistas da Força – algumas já investigadas pela polícia e por procuradores por causa de desvios.

Para coroar a tomada da Pasta do Trabalho, o jornalista Luiz Fernando Emediato, consultor da Força Sindical, foi eleito presidente do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o Codefat. É ali que se define o destino da dinheirama do FAT. Somente no ano passado, os conselheiros decidiram como investir 9,5 bilhões de reais – em programas de qualificação profissional ou em linhas de crédito, como as oferecidas pelo BNDES e que estão sob investigação da PF. Amigo de Paulinho, Emediato é consultor da Força desde 1991. Em suas palavras, presta "serviços intelectuais". Foi com esse tipo de atividade cerebral que ele conheceu o lobista João Pedro de Moura, no fim dos anos 90. Emediato recrutou-o para os quadros da Força, onde o lobista passou a coordenar os cursos de qualificação profissional da central. Foi imediata a empatia entre ambos. A tal ponto que, tempos depois, Emediato vendeu a Moura sua casa de campo, hoje avaliada em 700 000 reais – mas, num gesto que só uma grande amizade explica, os dois nem chegaram a registrar a transação em cartório. "Ele me deu 40.000 reais de entrada e um apartamento em São Paulo", diz o presidente do Codefat. Amigos, amigos, negócios incluídos: Emediato indicou Moura para integrar um grupo de trabalho que iria reformular as políticas de investimento do FAT.

Pela lei, o presidente do Conselho deve se comportar como guardião do cofre do FAT. Ou seja, sua função é zelar para que o dinheiro dos trabalhadores seja investido corretamente. "Como presidente do Codefat, não posso defender os interesses da Força", admite o consultor. VEJA teve acesso a e-mails trocados por Emediato com funcionários do ministério e assessores da Força que revelam um comportamento exatamente oposto. Essas correspondências mostram que, à frente do Codefat, Emediato se comporta como tarefeiro da Força Sindical, valendo-se da posição para proteger e beneficiar a central. Em fevereiro, a Força foi notificada pelo Tribunal de Contas da União a devolver cerca de 59 milhões de reais, dinheiro do FAT que deveria ter sido investido na qualificação de trabalhadores – mas que sumiu nas contas do IPEC, um instituto ligado à central e comandado pelo lobista João Moura. Ao saber da decisão, Emediato, em vez de se portar como presidente do Codefat, agiu como dirigente da Força: pediu à advogada Sandra Lage, funcionária do ministério, que ajudasse na defesa da central.

Helio Torchi/Ag. Globo
A casa que Paulinho e a mulher, Elza, compraram em Bertioga, no litoral paulista: 40.000 reais em dinheiro vivo

A funcionária ajudou. "A doutora Sandra vai examinar tudo e aí a gente decide se ela faz essa defesa ou entregamos tudo ao Ricardo Tosto", escreveu o consultor em e-mail de 21 de fevereiro, endereçado a uma assessora da Força Sindical. Tosto é aquele que foi preso pela polícia, indicado pela Força como conselheiro do BNDES. Trocando em miúdos:  de dia, Emediato faz as vezes de zelador do dinheiro dos trabalhadores. Na calada da noite, porém, usa seus conhecimentos para defender, como consultor, os responsáveis pelos desvios de dinheiro – sendo que ambas as partes lhe pagam salário. O presidente do Codefat acha normal a dupla militância: "Não há nada de irregular nisso". Emediato também acha normal um e-mail enviado a ele por Gildo Rocha, assessor da Força, em agosto de 2006, no qual o sindicalista remete anexo um "atestado de capacidade técnica" da central – a ser impresso e assinado "em papel timbrado" da pasta. Esse documento seria usado para permitir a assinatura de um convênio entre a Força e a prefeitura de São Paulo. "Mas ele não foi assinado", garante o conselheiro-consultor.

Emediato é uma espécie de faz-tudo dos sindicalistas ligados à Força dentro do ministério – atuando até em áreas aparentemente estranhas, mesmo considerando suas múltiplas funções. Não se sabe por quê, mas ele se mantém informado, inclusive, sobre valores de empréstimos que grandes empresas tomam do BNDES. Em uma correspondência eletrônica datada de 15 de janeiro passado, Emediato recebe informações detalhadas sobre um empréstimo contraído pelo frigorífico Friboi, o maior do país, do BNDES. Curiosidade? "Mandei averiguar, mas não tenho interesse nisso", disse o consultor-conselheiro, justificando que estava apenas atendendo a uma solicitação de um sindicato de trabalhadores de alimentação (ligado à Força, é claro), que negociava um acordo. Não dá para entender a diferença que faz para os sindicalistas em uma negociação trabalhista conhecer valores de empréstimos que uma empresa conseguiu em uma uma instituição pública. Aliás, o funcionário do ministério que repassa a informação ao consultor-conselheiro adverte que os dados são protegidos por sigilo, portanto ele estaria cometendo um crime ao passar as informações à frente.

A Força Sindical nasceu pelas mãos do sindicalista Luiz Antonio de Medeiros e pelo bolso do grande empresariado brasileiro, no começo dos anos 90. Medeiros era presidente do poderoso Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e amigo do presidente Fernando Collor. Era um período no qual os patrões se exasperavam com o acúmulo das greves organizadas pelo movimento sindical – a maioria delas sob o comando da Central Única dos Trabalhadores, a CUT, ligada ao PT. Medeiros enxergou na insatisfação do PIB uma oportunidade – não para os trabalhadores, mas para ele. Uma oportunidade de montar uma central de cima para baixo, obediente aos patrões, que fizesse um manso contraponto à CUT. Depois de receber a bênção do presidente Collor, que faria qualquer coisa para enfraquecer o PT, Medeiros incumbiu o sindicalista Wagner Cinchetto de passar o chapéu no meio empresarial. Não foi difícil montar a central. O empresário Luiz Estevão, amigo de Collor e hoje senador cassado por Brasília, abriu as portas amigas e endinheiradas para Cinchetto. Diz um sindicalista que participou da criação da Força: "Foi um sucesso. Todo mundo doou. Os empresários adoraram a idéia".

Os métodos pouco ortodoxos de arrecadação que permitiram a criação  da central foram refinados com o passar do tempo. Cinchetto dedicou-se nos anos 90 a encher os cofres da central – e da turma de Medeiros. Ele despachava no escritório de Emediato, em São Paulo. "Se a coisa continuar assim, o Medeiros vai virar presidente, e eu o PC dele", costumava dizer Cinchetto aos assessores da central, numa referência a Paulo César Farias, tesoureiro de Collor. Cinchetto, porém, acabou rompendo com o chefe. Foi quando ele passou a revelar os segredos da central sindical. Acusou Medeiros de manter uma conta secreta nos Estados Unidos, abastecida com dinheiro do patronato que se sentava à mesa de negociação com ele. No Brasil, explicou Cinchetto, os recursos dos empresários amigos eram depositados na conta do Instituto Brasileiro de Estudos Sindicais (Ibes), criada por Medeiros. O tesoureiro também contou que ele e Medeiros fizeram uma bela viagem à Europa no começo dos anos 90, financiada, é lógico, com o dinheiro dos patrões.

Treze anos após as denúncias de Cinchetto, o aparecimento das malfeitorias da turma da Força no BNDES mostra que a tecnologia de arrecadação da central continua a mesma. Só os personagens mudaram. Saiu Medeiros e entrou Paulinho, seu discípulo e fiel assessor nos primórdios da Força. Saiu Cinchetto e entrou João Pedro de Moura, o lobista que adentrou na central graças aos serviços intelectuais de Emediato. A diferença agora é que, embalada pelo ilimitado pragmatismo político do presidente Lula, a Força chegou ao governo. E em grande estilo. O Ministério do Trabalho está todinho sob o comando dela e do PDT. Medeiros, o pai da Força e mentor de Paulinho, virou secretário de Relações do Trabalho. É o responsável por fiscalizar e conceder registros sindicais, uma atividade que já rendeu muitas denúncias em Brasília. Luiz Fernando Emediato, o consultor da Força e ocasional arrecadador de campanhas, tornou-se presidente do Codefat. Ezequiel Nascimento, sindicalista do PDT, foi nomeado secretário de Políticas Públicas de Emprego. Comanda um orçamento de 19 bilhões de reais.

A presença da Força no governo não assegurou somente mais um aliado de peso para o governo Lula: garantiu também uma fonte abundante de escândalos, como demonstra a Operação Santa Tereza. No Ministério do Trabalho, a Força e o PDT produzem o que se espera deles. Até agora, quem mais perdeu no casamento foi o partido político, ao menos no que se refere à imagem. Nos últimos tempos, a agremiação se tornou inexpressiva, mas ao menos mantinha uma imagem sem máculas – passou incólume pelos grandes escândalos do governo Lula. Desde que Paulinho comandou a tomada da sigla pela Força, essa boa imagem se estilhaçou e o PDT começou a freqüentar as páginas policiais. Com Paulinho e a Força no leme, o partido agora se vê diretamente envolvido em uma denúncia de corrupção, a de fraudes de empréstimos do BNDES. Paulinho está sendo investigado pela corregedoria da Câmara pela participação no esquema. O corregedor, deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE), já decidiu enviar o caso ao Conselho de Ética para que seja aberto um processo que pode resultar na cassação de Paulinho. "O caso é grave. Não há um dia em que não apareça uma denúncia nova", afirma Inocêncio. Se for realmente aberto o processo, Paulinho poderá se tornar o primeiro deputado federal na história do PDT a ter o mandato cassado.

Paulinho é citado diversas vezes nas interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal. Um dos grampos mostra que ele foi avisado, na véspera da Operação Santa Tereza, de que na manhã seguinte "alguma coisa grave" poderia acontecer com seus aliados. O aviso foi dado pelo coronel da reserva da PM paulista Wilson Consani Júnior, espécie de araponga da Força Sindical e de Paulinho, a um cunhado do deputado. O cunhado repassou o recado a Paulinho, que ficou "desesperado", segundo a PF. Paulinho se comprometeu a providenciar advogado e até a tirar Consani da prisão. Um relatório da PF, de 35 páginas, descreve  a reação de alvos da operação e familiares que caíram no grampo autorizado judicialmente. Nos telefonemas, também são relatadas preocupações de Paulinho com o envolvimento de ONGs na Operação Santa Tereza. Com razão. Na investigação, a PF já identificou dois depósitos, totalizando 120 000 reais, realizados por integrantes da quadrilha em favor de duas ONGs ligadas à Força Sindical. Uma delas, a Meu Guri, é presidida por Elza Pereira, mulher de Paulinho. Graças a essa informação, a PF convocará a mulher de Paulinho para prestar depoimento. O objetivo é saber se Elza utilizou a ONG para lavar dinheiro da quadrilha investigada. A polícia quer esclarecer também a compra à vista, por Elza, de uma casa por 220.000 reais no litoral de São Paulo, dos quais pelo menos 40.000 foram pagos em dinheiro vivo. Um capítulo da história da luta trabalhista no Brasil, pelo jeito, pode morrer na praia.

 


Com reportagem de Otávio Cabral e Ricardo Brito

 
 
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Foto Douglas Aby Saber/Tribuna de Santos
 

Foto Regis Filho
 

Foto Antonio Milena

Revista VEJA | Edição 2061 | 21 de maio de 2008
 

millor

Pra não dizerem que não 
tenho estudos musicais.
Minha musicalidade começou aos 10 anos, ouvindo magnífico grupo coral que todo anoitecer apresentava seu espetáculo num brejo perto de minha casa, no Meyer. Entre o cair do sol e as 7 da noite centenas de sapos e rãs coaxavam ali, em absoluta afinação. Com a pontuação ocasional de um percussionista regente – o sapo-martelo. Até hoje sei distinguir o coaxo mais grave do sapo do coaxo mais agudo das rãs.

PRA NÃO DIZEREM QUE NÃO FALEI DO BERIMBAU.

Aprendi, professor. O berimbau tem uma corda só. E, além disso, o senhor, Coordenador do Curso de Medicina da UBCUB, Universidade Baiana de Conhecimentos Universais Baianos, diz que os baianos, como o berimbau demonstra, também têm um neurônio só.

Claro, o professor é um reaça. E nunca ouviu falar do baianamente correto. Por isso o mundo, que é como os baianos consideram a Bahia, veio abaixo. Sobretudo, sem trocadilho, a Baixa.

O professor é fascista, racista, vai ver nem é baiano. E muito menos Sotero, esse sumo da bahianidade.

Como sou a favor dos fracos e oprimidos (existe baiano fraco e oprimido? Pelo que mostra a televisão, isso é coisa do passado), fui estudar o berimbau.

Tem berimbau de peito e de boca, o de boca é chamado jew-harp e já ouvi muito bem tocado. O comum é feito de um arco de madeira que vai de ponta a ponta, e uma cabaça usada para ressonar. Sempre achei que isso, a cabaça, fosse uma moeda, mas deixa pra lá, ignorância é comigo mesmo.

Mas veja uma coisa, Magnífico: pra inventar ou tocar um instrumento desses, ao contrário do que o senhor diz, o baiano tem que ser um gênio, ter pelo menos um neurônio e meio.

E nunca é demais advertir, professor: depois que os anglo-saxões inventaram o politicamente correto, é preciso extremo cuidado com as palavras. Pois, todos sabemos, semanticamente (e juridicamente!) não há mais negro safado, nem judeu ignorante, nem gay promíscuo, nem machão gaúcho dizendo, de costas pro atacante: "Mas pode me chamar de Odete!". Também é proibido vilipendiar a mineirice dos mineiros, que transformaram o "pão-pão-queijo-queijo" em pão-de-queijo, muito menos corrigir a petulância literária dos maranhenses que chamam São Luís de A Atenas brasileira, reduzindo-a a A apenas brasileira. Nem se deve dizer que Pelotas é um paraíso gay, como dizia Lula ao passar por lá quando disputava a Presidência com Fernando Collor (está na internet, em vídeo, Lula rindo, dizendo prum assessor: "Aqui tem muito viado!"). Falar nisso, houve uma época, infame!, em que Pelotas concorria com Campinas no intenso tráfico da Transviadônica. Felizmente esse tempo da indigna liberalidade lingüística está ultrapassado.

Agora, de louro você pode dizer o que quiser. Está aí a gloriosa "Loura Burra" (acho que foi o Fawcett quem inventou), que, todos sabem, tem apenas dois neurônios. Sendo que só usa um. O outro é estepe.

Pois o Magnífico não podia ignorar que o berimbau é um instrumento heróico. Um meio de comunicação escrava pra impedir aos senhores o entendimento de mensagens. Há sempre um lado sagrado em relatos históricos, que, é claro, não acontece com instrumentos burgueses como um Stradivarius, um Steinway, e até mesmo um violão de nove cordas.

Bem, a meus coleguinhas de imprensa sempre aconselho: neste país não se pode ser muito – nem mesmo pouco – sutil. Quando escrevemos qualquer coisa irônica, não podemos deixar de botar ironia! (entre parênteses, claro).

Senão os outros não percebem, professor, e, como agora, lhe jogam na cara a grandeza baiana, de Castro Alves a Jorge Amado, de Caymmi a Caetano, sem falar do Antônio Pitanga, extensão Camila, na verdade mais Pitanga do que baiana.

E também sem esquecer Ruy, o maior coco da Bahia. Mas botar Ruy nessa história é covardia. Pois foi ele que, em Haia, perguntou: "Em que língua querem que eu fale?". É verdade que, lá no fundo, havia um  incorreto safado propondo: "Em baianês, rapaz!".

E, pro leitor não pensar que estou defendendo o famigerado professor, eu, historiador das quantas, fui buscar, no meu próprio campo de interesse, a defesa da corda única do berimbau. Está lá, precisamente  bem ilustrada, no álbum de Edward Gorey, The unstrung harp.

Desenhista e pensador extraordinário – sempre fora dos trilhos, como sói – pouco conhecido mesmo entre profissionais, Gorey tem seu mundo único. Está além de Freud, à margem do onírico, sinistro e delicadamente ameaçador, com criaturas assustadoras num universo hipervitoriano. Você nunca viu nada parecido. E peça a Deus não ver.

Em Unstrung Harp, de 1953, Gorey já se antecipava à defesa do berimbau, apresentando sua maravilhosa harpa... sem nenhuma corda! O principal personagem de Gorey, Mr Earbrass, usa o instrumento para escrever uma novela.

Tenho certeza de que, em 1958, cinco anos depois, Jorge Amado se inspirou em Gorey, e escreveu Gabriela usando um berimbau.

Fundi a cuca de alguém? Tudo bem. Eu só vim ao mundo pra isso.

Revista VEJA | Edição 2061 | 21 de maio de 2008