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Thursday, June 09, 2005
LUÍS NASSIF :A estratégia e a planilha
folha de s paulo
Na semana passada o economista David Kupfer escreveu no "Valor" um artigo irretocavelmente simples sobre a política monetária. Mandei-lhe um e-mail parabenizando-o. Ele respondeu dizendo-se surpreso com a repercussão, porque achou que tinha escrito apenas o óbvio.
A discussão econômica brasileira perdeu a referência do óbvio. Hoje em dia, a parte mais consistente do pensamento econômico brasileiro está sendo desenvolvida no Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ao qual pertence David. Não se trata de nenhuma teoria nova, de nenhuma formulação revolucionária. Seus economistas estão simplesmente repondo nos eixos princípios econômicos básicos de economia, o óbvio.
Por mais sofisticadas que sejam as teorias, elas visam, no fundo, descobrir novas maneiras de relacionar variáveis, quase todas tão antigas como o mercado. Esse entendimento das co-relações não é tarefa trivial.
Os grandes analistas trabalham com grandes números, não com o detalhe do detalhe do detalhe. Seu trabalho é criativo. Depende de conhecimento amplo e diversificado sobre teoria econômica, mercado, política, economia real, noção de proporção. Depois que ele enxerga a estratégia ou o diagnóstico correto, é que vem o economista e faz seus cálculos.
O mercado -esperto como ele só- já identificou claramente as diferenças desses dois tipos de profissionais: o estrategista e o economista. Não peça para o estrategista dissecar as partes do Orçamento. Esse trabalho braçal-intelectual é do economista. Seu trabalho é pensar o todo.
Os que dominam esse ferramental analítico pensam claro e escrevem claro. E isso é fatal, nessa terra de bacharéis: se é simples assim, por que só você percebeu? Os interlocutores não sabem que, por trás daquele modelo, das co-relações estabelecidas, há uma variedade enorme de variáveis e uma quantidade infinita de combinações, sobre as quais o estrategista exerceu uma faculdade de difícil domínio: o julgamento, o discernimento. Depois que se definem as variáveis essenciais, e se estabelecem as co-relações certas, está se extraindo o sumo do conhecimento econômico.
O que ocorreu nos últimos anos foi uma epidemia do matematismo, daquilo que o empresário Paulo Cunha chama de "mediocridade detalhista", do sujeito capaz de ir ao centro do detalhe e não dispor de nenhum discernimento para analisar o todo.
A banalização da discussão econômica, dessa chamada visão financista da cobertura, decorre disso, de um simulacro de teoria econômica sem pé nem cabeça, em que se define primeiro a resposta para depois se buscar a explicação.
David Kupfer escreve claro. Delfim Netto escreve claro, assim como Yoshiaki Nakano, João Sayad, a turma da UFRJ, Dionísio Dias Carneiro. Nos seus escritos, as co-relações estão claramente explicitadas. Se você não entender as co-relações levantadas por economistas que escrevem hermeticamente, fique sossegado: possivelmente não existem ou são falsas.
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