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Tuesday, June 21, 2005

A febre e o termômetro no setor público

A febre e o termômetro no setor público

Antônio Márcio Buainain* - Artigo
O Estado de S. Paulo
21/6/2005

Mais de uma vez comentamos, neste espaço, a necessidade de submeter as ações do setor público a rigorosa avaliação técnica. Avaliações de desempenho e de impactos são (no Brasil deveriam ser) instrumentos básicos do planejamento, e o planejamento - convém insistir apesar da obviedade - é (deveria ser) ferramenta básica para a atuação do setor público. Avaliações geram informações úteis para identificar os pontos fracos na execução dos programas, seus efeitos e efetividade em relação às metas, também realimentam (deveriam realimentar) o sistema de planejamento, servem (deveriam servir) como balizadoras para premiar ou punir os responsáveis pelos sucessos e fracassos e podem ser usadas para nortear a carreira do funcionalismo público. No Brasil, ainda estamos longe do mínimo necessário e, não raramente, as avaliações e os seus resultados acabam sendo meros exercícios intelectuais, sem conseqüências práticas.
As avaliações devem ser instrumentos técnicos, objetivos e transparentes. O fato de terem uma incontornável dimensão política produz resistência e temor entre muitos órgãos públicos (e para que sejam eficazes deveriam mesmo temê-las no sentido de levá-las a sério). O temor leva a reações que vão da simples desclassificação do instrumento de avaliação à moldagem do processo em função dos cenários previamente desejados. Não faz muito, questionávamos os indicadores de inflação para justificar o fracasso da política antiinflacionária. A impressão é que ainda hoje poucas instituições levam, de fato, a sério o processo de avaliação.

Mas o que se pode esperar se o Orçamento da União - primeira peça do planejamento e do processo avaliativo -, que nas democracias maduras define os setores da sociedade que pagarão a conta e os que se beneficiarão das ações públicas, não é levado tão a sério? De fato, em que pese os progressos desde a Constituição de 1998, aqueles que o elaboram definem metas e valores irrealistas, que serão posteriormente contingenciados, contribuindo para justificar o descumprimento de metas. Os que o aprovam em nome do povo brasileiro podem retificar ou ratificar as prioridades, mas muitas vezes propõem emendas de varejo que desfiguram o orçamento. Finalmente, os responsáveis pela sua execução contingenciam os recursos aprovados e os liberam seguindo, muitas vezes, uma lógica que não reflete sequer as prioridades do próprio Executivo. Valem muito o peso e a pressão política, a pauta da Câmara de Deputados e do Senado e as situações de emergência.

O Relatório Sobre as Contas do Governo da República, exercício 2004, do Tribunal de Contas da União, ilustra a situação. A imprensa já divulgou os resultados: dos 118 programas federais analisados, 63 apresentaram resultados insatisfatórios, seja por não terem executado mais que 75% dos recursos previstos no orçamento - confirmando que ou o orçamento é uma ficção, ou a máquina pública sequer consegue gastar o disponível, ou ambos -, seja por não terem alcançado 60% das metas físicas estipuladas. A dificuldade de operação da máquina é confirmada pela comparação da execução orçamentária e física: na maioria dos programas, o desempenho físico é bem inferior aos gastos. No Proágua Infra-estrutura, gastou-se 71% do previsto para 6% das metas físicas alcançadas; na prevenção e controle das doenças imunopreveníveis, gastou-se todo o recurso e as metas ficaram em 43%.

A fragilidade do planejamento e avaliação se evidencia em todo o relatório. Segundo o Tribunal, as metas e prioridades para 2004 só foram conhecidas em outubro, o que equivale a pilotar sem um rumo preciso. Pior ainda: dos 379 programas, 261 não foram sequer avaliados por ausência de informações confiáveis. Faltaram atributos básicos para avaliar, tais como indicador, produto, meta física e unidade de medida.

Mas não precisamos nos preocupar! O problema foi resolvido de forma sumária: no lugar de aprimorar o processo, a Lei Orçamentária de 2005 foi pragmática e eliminou a exigência legal que determinava ao Tribunal classificar a execução dos programas em satisfatória e insatisfatória. Para que indicadores de resultados ou acompanhamentos de políticas que só complicam a vida da administração pública federal? Melhor quebrar o termômetro que tratar a febre.

*Antônio Márcio Buainain

é professor-doutor do

Instituto de Economia

da Unicamp. E-mail:

buainain@eco.unicamp.br

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