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Friday, June 10, 2005

O culpado é Lula

O culpado é Lula
Antonio Fernandes (09/06/05 08:23)

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Como disse Clovis Rossi, na sua coluna de hoje na Folha de S. Paulo, o culpado é Lula. Mas não apenas pelos motivos que ele apresenta: "a corrupção da palavra, a corrupção das bandeiras". Tem muito mais "corrupção" no sentido de degeneração moral, de perversão política e, inclusive, a conferir com o andamento das investigações, de corrupção mesmo neste governo.

Aécio, um dos acometidos – aliás, paciente crônico – pela síndrome da "oposição responsável", lembra que "o presidente tem uma história que merece o nosso respeito. O presidente Lula não é o presidente Collor". Ora, bolas! Todos nós mereceremos respeito, sobretudo a sociedade brasileira. Lula não é Collor, assim como Aécio não é Itamar e eu não sou Geraldo. E daí?

Quem dirá se Lula tem ou não tem culpa nesse triste episódio de compra de aliados com dinheiro vivo e em muitas outras irregularidades, que campeiam no Brasil dos últimos vinte e oito meses, serão as investigações, os inquéritos parlamentares, as reportagens da imprensa. Mas qualquer pessoa inteligente já sabe que Lula é o grande culpado, senão pelos delitos em si, pela configuração geral que permitiu que eles acontecessem de modo tão generalizado, com características endêmicas.

No entanto, por que será que o PSDB está fazendo tanta questão de dar uma mãozinha a Lula? Por acaso concorda com a sua administração desastrada (e desastrada em todos os sentidos)? Por acaso concorda com a sua política confusa?

Se não é por concordância é para defendê-lo de que? Por acaso existe alguém, alguma força política brasileira ou estrangeira, minimamente expressiva, atacando Lula? Quem está fazendo isso?

Se não é para defendê-lo de eventuais ataques, é por medo? Medo de que? Por acaso existe alguma crise revolucionária "no ar"? Estamos vivendo alguma situação parecida com a da Bolívia? O povo está tomando as ruas e as praças, dinamitando os viadutos, descarrilando os trens e metrôs? Isso tem a mínima chance de acontecer no Brasil de hoje?

Bom, é duro dizer – e pode não ser verdade – mas o que parece é que o PSDB ou alguns dos seus líderes estão fazendo isso por puro interesse eleitoreiro.

Explico. Há pouco tempo o PSDB não acreditava na hipótese de Lula não ser reeleito. Não levava a sério a necessidade de fazer oposição para valer porque não levava a sério a possibilidade de concorrer para valer em 2006. Havia uma espécie de pacto tácito entre o PSDB e o PT prorrogando o embate para 2010 (um pacto, diga-se de passagem, que o PT jamais honraria).

Depois que o governo afundou sozinho (sim, pois a oposição em quase nada contribuiu para tanto, pelo contrário, praticamente sumiu do cenário político durante muitos meses, em exemplo inédito na história recente do país), dizia, depois que o governo afundou sozinho no seu próprio pântano, em virtude da sua inépcia administrativa e de seus desacertos políticos, aí então alguns líderes do PSDB e pré-candidatos de 2010 começaram a cogitar a possibilidade de concorrer em 2006, quando viram que, talvez, Lula não estivesse com essa bola toda.

Bom, mas sem ter toda certeza sobre essa possibilidade, os tais pré-candidatos – temerosos de entrar em uma aventura incerta – acharam que o desgaste do presidente ainda não era suficientemente amplo e profundo (vide as pesquisas de opinião) para garantir a sua vitória, uma vitória antecipada em relação às suas antigas expectativas. Queriam (e querem) ter 100% de certeza. Queriam (e querem) que o poder lhe caia no colo como uma fruta madura. Para tanto, precisam ajudar Lula a ficar lá e se desgastar mais.

Pode não ser isso. Posso estar redondamente enganado. Mas, convenhamos, se eu estiver certo, é vergonhoso. E revoltante.

Tomara que eu não esteja certo. Tomara que o PSDB acorde e veja que não há motivo algum para salvar Lula do incêndio.

Por que não se deve salvar Lula do incêndio (que, como Nero, foi ele mesmo que ateou)? Porque – como dissemos tantas e tantas vezes neste e-Agora – Lula é a crise. Lula é o culpado. Lula é o comandante dessa camarilha. Lula não só participou mas montou esses esquemas heterodoxos que hoje nos espantam. Não estou me referindo às denúncias recentes e sim ao que todo mundo sabe: aos esquemas de aparelhamento do Estado.

Não adianta crucificar Dirceu (como quer o "boa-alma" Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho, em artigo na Folha de hoje). Dirceu só tem poder para dentro do aparelho. Dirceu não é nada sem Lula. Foi trabalhando à sombra de Lula – e muitas vezes contra ele - que Dirceu se cacifou. Mas Lula sempre soube disso. Sempre teve seu próprio esquema, sua própria entourage, seu próprio destacamento de sindicalistas e ex-sindicalistas, hoje estrategicamente colocados em cargos-chave estatais e para-estatais, por acaso nos lugares onde existe grana, nos fundos de pensão, no Sistema 'S', nas estatais e nos conselhos de empresas. Você duvida, caro leitor? Então faça uma pesquisa em busca dos trinta maiores amigos do peito do presidente.

Lula sempre teve seus operadores, gente com pensamento estratégico, gente oriunda da luta armada contra a Ditadura mas deformada o suficiente para aceitar qualquer tipo de missão, gente que atua quase clandestinamente, que monta os organogramas de ocupação do Estado e mapeia tudo cuidadosamente.

Lula é o grande operador. Opera basicamente em duas frentes, trabalhando em coisas que nada têm a ver com a função quotidiana e aborrecida de administrar o país. Opera montando esquemas, usando o que aprendeu nos aparelhos sindicais e partidários. E opera no palanque, onde se especializou em iludir e enganar pelo discurso.

Um dos truques usados por Lula é roubar o discurso dos que a ele se opõem. Se seu governo é acusado de corrupção, ele se antecipa e usa os mesmos argumentos dos acusadores. Se é acusado de falta de democracia, ele pega as razões dos que defendem a democracia e apresenta como suas. Se é acusado de inoperância, ele faz um discurso empregando exatamente os motivos pelos quais é inoperante, mas como se as acusações não tivessem nada a ver com ele. É tão hábil nesse mister, que consegue enganar até a imprensa, que se surpreende com sua firmeza, como aconteceu anteontem no discurso contra a corrupção.

Lula é o maior mistificador de massas que já surgiu na história do Brasil. E só consegue fazer isso porque se deixa possuir pelo mito que ele próprio criou e que foi reforçado por tantos Dirceus da vida que queriam pegar uma carona nesse mito para ascender a posições que jamais poderiam alcançar sozinhos ou por seus próprios méritos. Lula tem um dom especial - e raro - de ultrapassar qualquer freio moral para manipular a sua própria configuração psicológica. É como se não tivesse superego (para usar um conceito freudiano). Ele fala uma coisa que sabe que é mentira, na maior cara de pau, sem corar, porque, no processo de discursar, tomado naquele momento, quase em transe, acredita realmente que tudo é verdade. Só pode fazer isso alguém que é capaz de atuar alguns andares abaixo da consciência (num sentido junguiano do conceito). Daí vem toda a sua força, seu carisma, sua capacidade de enganar, não apenas um rebanho de metalúrgicos, não apenas as massas despossuídas e marginalizadas, mas também intelectuais, jornalistas, políticos e, inclusive, outros chefes de Estado.

Não é difícil perceber o perigo que representa uma personalidade desse tipo na chefia de um Estado. Sobretudo se estiver acompanhado de amigos e inimigos íntimos, como Dirceu (que florescem na sua sombra), irresponsáveis. Sim, apesar de tudo o que está acontecendo, a imprensa, os empresários, boa parte dos políticos, inclusive os analistas políticos, ainda não viram que estamos, literalmente, nas mãos de irresponsáveis. Desde agosto de 2003 – quando quase ninguém via isso – venho dizendo neste e-Agora: estamos nas mãos de irresponsáveis e há uma grande ameaça que paira sobre nós.

Para eles pouco importam as instituições. Eles não acreditam nessas instituições: as instituições republicanas, as únicas que temos. Foi por isso que Lula falou do risco que ameaça as instituições. Entenderam?

Não? Estou pensando em elaborar uma cartilha para decodificar o discurso de Lula. Se Lula falou, em qualquer momento de crise, que alguma coisa é importante, a chave para decifrar o código é simples. Basta inverter o sentido. Se Lula tomou a deliberação de encaminhar a reforma política agora, mesmo não tendo dado um passo sequer para realizá-la nos últimos 28 meses, é porque não a queria. Simplesmente agora se antecipou para ficar com a paternidade da iniciativa, pela falta da qual foi e seria mais cobrado diante dos possíveis desdobramentos da crise atual. Mas ainda não quer a reforma política. Por isso está propondo que ela seja feita. Entenderam agora o que estou querendo dizer?

Repito. O PT e o governo são irresponsáveis. O PT não teme a crise. O PT quer a crise. O que o PT teme é não obter a reeleição. Nada mais importa. Se estiver em jogo a completa degeneração do quadro político institucional e a reeleição, Lula e o PT ficam com a reeleição. Foi por isso que Lula declarou que não venderia a alma pela reeleição. Pergunto novamente: entenderam? Ainda não? Basta inverter. Significa, exatamente, que ele venderia a alma, como, aliás, já vendeu.

Por isso, o único apoio que o governo quer é o apoio para sua reeleição (porque o projeto de poder do PT passa necessariamente pela reeleição e pelas surpresas que estão prometidas – Deus nos livre – em um segundo mandato). Nada do que o PSDB fizer significará apoio para Lula, a não ser lançar um candidato só para constar, quer dizer, para perder em 2006. Alou dirigentes do PSDB: vocês topam isso? Não? Então não adianta ficar enrolando, posando de bons moços para sair bem na foto. Já passamos dessa fase. A situação agora é outra. Só haverá crise de verdade – crise de governo e de regime e não crise do projeto de poder de um governo, como ocorre agora – se houver reeleição.

No entanto, se o PSDB, acometido pela síndrome da "oposição responsável", quiser agora, sinceramente, dar a mão a Lula para evitar qualquer tipo de desestabilização (que não haverá, insisto, como pode concluir qualquer pessoa que tenha dois neurônios funcionando) ou, marotamente, para cozinhá-lo em fogo brando, para que ele se desgaste mais e caia de podre nas vésperas do próximo pleito, estará, com isso, jogando o futuro do país na loteria e arriscando o seu próprio patrimônio de credibilidade.

Cuidado pessoal! Um erro como esse tem o poder de enterrar promissoras carreiras políticas e aniquilar respeitáveis biografias.

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