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Monday, May 30, 2005

O próximo ato por Mauro Santayana

Asemana começa com uma constatação: a de que a CPI dos Correios será contida pela prudência, tanto da oposição quanto do governo. Estão certos muitos analistas: a crise política está sob controle. Mas estão errados os mesmos analistas, porque a crise real é outra. Os ânimos se arrefecem em um dos mundos, o mundo reduzido da política formal. Mas, fora dos gabinetes de Brasília, dos restaurantes da moda, dos salões mundanos e distante do deslumbramento dos emergentes, há outro mundo que se move.

Os atores políticos, fora alguns, vivem como viviam os nobres franceses, antes que ecoassem nas ruas os acordes da Carmagnole: em outro mundo. O contato com os eleitores não lhes serve de bússola: há muitos anos que o diálogo entre os políticos e suas bases é falso. Como, de ordinário, os políticos mentem, seus cabos eleitorais fazem o mesmo, mostrando-lhes cenários de papel pintado, como as vilas de papelão com as quais Potemkin enganava Catarina da Rússia. Os votos são comprados, seja em dinheiro, destinado a custear os gastos eleitorais, seja em obras, obtidas mediante as famosas emendas ao Orçamento. Nas grandes cidades, quando não há campanhas, o contato entre políticos e eleitores é muito reduzido. Sendo assim, os políticos, de modo geral, não sentem a realidade. Ao não senti-la, trabalham com a que conhecem, confinada ao círculo, em que convivem correligionários e adversários com costumes, linguagem, alienação comum. Ressalve-se, no entanto, que entre eles há os conscientes da vida real, e que se sentem desesperados com a indiferença circundante.

Admitamos que a CPI dos Correios ofereça à Justiça e à execração pública dois ou três servidores do terceiro escalão do governo. Haverá nova decepção da cidadania, já insultada com tantas investigações truncadas ao longo da última década. Até quando o mundo real tolerará essa cumplicidade? A promiscuidade entre o crime, os negócios e a política é corriqueira nos regimes fechados e em certas situações, como a da Itália, em que a Máfia, movimento de caráter nacionalista na Sicília medieval, perverteu-se em complexa organização criminosa. No Brasil, por mais negociatas houvesse no passado, o fenômeno só se exacerbou nos últimos anos. Se não for coibido já, corremos o sério risco da desobediência civil ou da apatia. Há, porém, outra possibilidade, a de que se amplie esse sentimento de que estamos mesmo em uma selva, em que cada um se faz exímio predador do outro. É de se constatar que toda a educação superior de nossos dias neoliberais se encaminha para a construção de predadores nos negócios. A própria expressão "fera", para designar os mais bemsucedidos, conduz a essa dedução.

Há 27 anos, quando se candidatou ao Senado, Tancredo Neves confidenciou ao colunista que o grave problema brasileiro era o da corrupção, com o rebaixamento do Estado à condição de mero servidor dos interesses empresariais. E dizia que todas as outras questões, como a da crise econômica, da educação, da saúde e do desemprego, seriam resolvidas com um governo democrático, sério e competente. "A crise moral vai exigir o esforço bravo de duas ou três gerações para ser vencida", disse. Naquele tempo, em que emergíamos da censura, mas remanescia a autocensura, tempo de medo e poucas esperanças, a corrupção, explícita ou dissimulada, era do conhecimento de poucos. Hoje ela se escancara, graças à tecnologia. Para alguma coisa positiva serve a perversão da técnica, que nos tira a privacidade. Nesse imenso Big Brother, para usar a distorção atual do termo orwelliano, não são apenas os olhos do poder que nos vigiam e nos aterrorizam com sua vigilância: nós também nos podemos vigiar, o que nos apavora e seduz; mas, da mesma forma, somos capazes de vigiar o poder e os seus agentes.

Muitos dos atores políticos, sob as fortes luzes do palco em que sussurram segredos e recitam em voz alta as deixas da conveniência, não vêem a platéia, mas a platéia os vê e os ouve, talvez se preparando para protagonizar o próximo ato.
JB

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