Os atores políticos, fora alguns, vivem como viviam os nobres franceses, antes que ecoassem nas ruas os acordes da Carmagnole: em outro mundo. O contato com os eleitores não lhes serve de bússola: há muitos anos que o diálogo entre os políticos e suas bases é falso. Como, de ordinário, os políticos mentem, seus cabos eleitorais fazem o mesmo, mostrando-lhes cenários de papel pintado, como as vilas de papelão com as quais Potemkin enganava Catarina da Rússia. Os votos são comprados, seja em dinheiro, destinado a custear os gastos eleitorais, seja em obras, obtidas mediante as famosas emendas ao Orçamento. Nas grandes cidades, quando não há campanhas, o contato entre políticos e eleitores é muito reduzido. Sendo assim, os políticos, de modo geral, não sentem a realidade. Ao não senti-la, trabalham com a que conhecem, confinada ao círculo, em que convivem correligionários e adversários com costumes, linguagem, alienação comum. Ressalve-se, no entanto, que entre eles há os conscientes da vida real, e que se sentem desesperados com a indiferença circundante.
Admitamos que a CPI dos Correios ofereça à Justiça e à execração pública dois ou três servidores do terceiro escalão do governo. Haverá nova decepção da cidadania, já insultada com tantas investigações truncadas ao longo da última década. Até quando o mundo real tolerará essa cumplicidade? A promiscuidade entre o crime, os negócios e a política é corriqueira nos regimes fechados e em certas situações, como a da Itália, em que a Máfia, movimento de caráter nacionalista na Sicília medieval, perverteu-se em complexa organização criminosa. No Brasil, por mais negociatas houvesse no passado, o fenômeno só se exacerbou nos últimos anos. Se não for coibido já, corremos o sério risco da desobediência civil ou da apatia. Há, porém, outra possibilidade, a de que se amplie esse sentimento de que estamos mesmo em uma selva, em que cada um se faz exímio predador do outro. É de se constatar que toda a educação superior de nossos dias neoliberais se encaminha para a construção de predadores nos negócios. A própria expressão "fera", para designar os mais bemsucedidos, conduz a essa dedução.
Há 27 anos, quando se candidatou ao Senado, Tancredo Neves confidenciou ao colunista que o grave problema brasileiro era o da corrupção, com o rebaixamento do Estado à condição de mero servidor dos interesses empresariais. E dizia que todas as outras questões, como a da crise econômica, da educação, da saúde e do desemprego, seriam resolvidas com um governo democrático, sério e competente. "A crise moral vai exigir o esforço bravo de duas ou três gerações para ser vencida", disse. Naquele tempo, em que emergíamos da censura, mas remanescia a autocensura, tempo de medo e poucas esperanças, a corrupção, explícita ou dissimulada, era do conhecimento de poucos. Hoje ela se escancara, graças à tecnologia. Para alguma coisa positiva serve a perversão da técnica, que nos tira a privacidade. Nesse imenso Big Brother, para usar a distorção atual do termo orwelliano, não são apenas os olhos do poder que nos vigiam e nos aterrorizam com sua vigilância: nós também nos podemos vigiar, o que nos apavora e seduz; mas, da mesma forma, somos capazes de vigiar o poder e os seus agentes.
Muitos dos atores políticos, sob as fortes luzes do palco em que sussurram segredos e recitam em voz alta as deixas da conveniência, não vêem a platéia, mas a platéia os vê e os ouve, talvez se preparando para protagonizar o próximo ato.
JB
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