folha de s paulo
Sob a onda de CPI, comissão de sindicância, comissão ética e suspense que movimentam Câmara, Senado, governo e mídia, desenrola-se uma exibição primorosa das habilidades com que a corrupção e a impunidade são, a um só tempo, execradas e preservadas.
Toda a armação já encaminhada, a título de investigações, é muito mais para evitar descobertas e responsabilizações, a menos que ocorram imprevistos incontroláveis. Tal como foi feito e depois aconteceu na CPI de Collor/ PCFarias.
Pode-se dizer que o atual escândalo está na situação irônica em que, para produzir alguma conseqüência legal e moralizante, depende sobretudo de que o principal investigado, Roberto Jefferson, assuma o papel de promotor. E, a partir dos seus depoimentos na terça e na quarta-feira, comece a liberar mais tesouros da realidade encoberta.
Enquanto Lula faz o discurso do "tudo deve ser feito, por todos os poderes da República, para acabar a impunidade no nosso país", a Presidência da República e as lideranças petistas tomam todas as providências para evitar a eficácia da CPI que não puderam impedir. A seleção dos governistas para integrá-la, com folgada maioria, é inteira no estilo pau-para-toda-obra.
Introduzem a pretensa exigência de que a investigação desça a fatos do governo Fernando Henrique Cardoso, o que só não aconteceu neste governo porque o respeitável candidato Luiz Inácio Lula da Silva, tão logo eleito, fez um pacto que incluiu o esquecimento de todas as improbidades que beneficiaram setores da "elite" e do governo anterior.
A exigência governista de ocupar a presidência e a relatoria da CPI tem um componente sádico. O argumento toma como exemplo a CPI de Collor/PC, na qual o PT combateu com ferocidade a entrega dupla. E hoje quem comanda a ação do grupo governista é o senador Aloysio Mercadante, o ex-jovem deputado que formou, com o então senador José Paulo Bisol que tanta falta faz no Congresso, o motor parlamentar que impulsionou aquela CPI.
Para contrabalançar, existe a oposição. Onde? Deputados e senadores do PSDB foram os que mais agitaram pela criação da CPI. Aprovada, sumiram, calados e fugidios. Não contavam com a aprovação. Além da sua velha aversão, testada com êxito por oito anos, a investigações de corrupção, têm agora mais motivos.
Em todo caso, o PFL mantém o discurso da investigação, com muita firmeza. Tanta, que faz questão de ver as investigações da CPI alcançarem os Correios, como previsto na sua origem, o "mensalão" dos subornos denunciado por Roberto Jefferson, a Infraero e ainda o IRB, Instituto de Resseguros do Brasil.
A ampliação dos temas de uma só CPI é um modo eficiente de fazer com que, na confusão inevitável, nenhum deles seja investigado para valer.
A palavra de ordem é contra a investigação. Governo e oposição unem-se no mesmo propósito. O primeiro por ter consciência dos riscos, nem poucos nem pequenos, de ser investigado. O PSDB e o PFL porque são a força política dos setores beneficiados pela política econômica do governo Lula. E nesses setores há o temor de que investigações cheguem à área do seu precioso ministro Antonio Palocci, senão mesmo ao próprio, com suas indicações para o IRB e outros lugares privilegiosos. (O Lula da sentença "nunca demitirei antes de haver condenação" demitiu depressa a direção do IRB, entregou-a a um tecnocrata da confiança de Palocci, e fortaleceu as aparências demitindo também a direção dos Correios).
Roberto Jefferson pode empurrar a CPI constituída e várias outras. É improvável, porém, que faça ao menos uma parte disso, porque não desfez a suspeita de que apenas pretende proteger-se. Logo, sem imprevisto ou pressão forte da sociedade, nada se deve esperar de maior da CPI, contra a corrupção e a impunidade. Como a recém-encerrada do Banestado, pode até ser mais uma CPI da proteção.
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Sunday, June 12, 2005
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