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Sunday, May 08, 2005

EM CÍRCULOS

Juros exorbitantes e cotação do dólar em baixa. Esta combinação, já verificada em outras oportunidades, volta a conturbar a economia brasileira. O combate à inflação é o motivo invocado pelas autoridades econômicas para sancionar o desequilíbrio, que vem realimentando, de modo recorrente e progressivo, o endividamento público.
Na época do lançamento do Plano Real, em 1994, a dosagem do "remédio" foi bem mais forte do que a atual, o que se explicava pela necessidade de reduzir drasticamente uma inflação alta e descontrolada. Apostou-se na âncora cambial associada a uma política de juros extraordinariamente agressiva: as taxas básicas foram mantidas por um período prolongado no patamar de 20 pontos percentuais acima da inflação, contribuindo para manter a apreciação da nova moeda nacional.
A eficácia antiinflacionária dessa política não pode ser contestada, tampouco seu drástico impacto adverso sobre as contas externas. A partir do segundo semestre de 1997, com a inflação controlada, rápidos cortes de juros seriam factíveis. Àquela altura, no entanto, a deterioração da balança de pagamentos já chegara a um ponto tal que, diante do aumento da aversão global ao risco suscitado pela crise da Ásia, manter juros altíssimos se tornara indispensável para tentar defender o real de ataques especulativos.
O ponto a destacar é o quanto a dívida pública foi pressionada para sustentar essa política. Além de pagar juros altíssimos, o setor público foi chamado a reduzir a carga fiscal sobre o segmento exportador (concedendo-lhe isenções de ICMS) para compensar o efeito adverso do câmbio valorizado. E, apesar da maciça privatização, a dívida pública aumentou significativamente.
Salto ainda mais expressivo do endividamento veio a ocorrer no início de 1999, quando, afinal, a pressão especulativa contra o real se tornou irresistível, levando a expressiva desvalorização e à adoção do câmbio flutuante. O efeito financeiro da mudança cambial foi em grande medida concentrado no setor público, que vinha aumentando seu endividamento denominado em dólar na tentativa de dar sobrevida ao real "forte".
Após a adoção do câmbio flutuante, os juros reais (taxa Selic menos a inflação) puderam diminuir, mas eles foram mantidos nas vizinhanças de 10% ao ano, nível ainda alto para os padrões internacionais. Além do ônus dos juros, mais uma vez a dívida pública foi pressionada com acentuada desvalorização cambial do segundo semestre de 2002 -pois, por meio da venda de títulos com indexação pela cotação do dólar, o setor público continuava a oferecer um "seguro" cambial ao setor privado.
Essa segunda rodada de desvalorização suscitou um repique inflacionário para cuja contenção novamente se recorreu ao aumento dos juros, nos meses finais de 2002 e no início de 2003. Uma vez contida a ameaça de descontrole, criou-se a expectativa de que a taxa de juros básica tenderia, em termos reais, a um refluxo progressivo. Não é, infelizmente, o que se tem verificado.
Os juros reais voltaram a subir desde o ano passado, dificultando enormemente o esforço de contenção da dívida pública, ao mesmo tempo em que pressionam para baixo a cotação do dólar. Tem-se, assim, a impressão de que a economia brasileira, em que pese o avanço no ajuste externo, vai evoluindo em círculos, como que ancorada por esse complexo problema que é o estoque da dívida pública.
Por mais que se movam esforços para melhorar o perfil do endividamento e reduzir seu peso em relação ao PIB, a política monetária acaba por recolocar e agravar o problema, produzindo, além disso, os conhecidos efeitos deletérios sobre o ritmo da atividade produtiva.

EDITORIAIS DA FOLHA DE S PAULO

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