Aos poucos , vai se consolidando a compreensão sobre o que foi a década desperdiçada de 90, do rentismo desbragado. E também as notáveis semelhanças entre o modelo econômico que vai da segunda metade do século 19 até a moratória do país, no início dos anos 30.
Como abordei em colunas no ano passado, em ambos os momentos havia uma economia que começava a se integrar ao mundo, grande liquidez internacional, volume expressivo de capitais brasileiros no exterior -uma mistura de subfaturamento das exportações, corrupção política, crime organizado e caixa dois. Havia também grandes inovações tecnológicas globais, novos mecanismos financeiros e uma mudança nos processos regulatórios dos países, facilitando a montagem de novos negócios.
No século 19, havia uma classe agrária anacrônica; no final do século 20, uma classe industrial mal-acostumada. Com esse movimento de abertura, surge uma nova classe, internacionalizada, dominando as últimas ferramentas financeiras -os financistas-, no século 19 representada por Barão de Mauá, Conselheiro Mayrink, Conde de Figueiredo, Conde de Leopoldina; no final do século 20, pelos bancos "pirañas".
Nos dois momentos, houve uma confluência inédita de fatores, abrindo a possibilidade de notável expansão no mercado de consumo. No século passado, com a Abolição e a política de importação de imigrantes; no final do século 20, com os milhões de brasileiros que ingressam no mercado de consumo com o final da inflação.
A chave do problema consistia em criar condições para a reciclagem desse enorme volume de dinheiro brasileiro no exterior, permitindo "libertar forças novas que substituíssem a estrutura agrária e feudal do Império", na interpretação de San Thiago Dantas sobre Rui Barbosa.
O rentista é o beneficiário passivo da história. O político é o agente que permite as facilidades, que aprova leis, concessões, privatizações. O ator principal é o financista, o sujeito dotado de imaginação para negócios, capaz de "libertar as novas forças". O meio-de-campo auxiliar são economistas e/ou técnicos responsáveis pela política econômica. São eles que legitimam os pleitos dos financistas perante os políticos, desenvolvem as teorias que justificam as facilidades, criam as leis e regulações e entram como sócios menores dos ganhos.
Diferentemente do "Encilhamento", no entanto, o modelo rentista da década de 1990 gerou desindustrialização agressiva e concentração de renda.
Os pontos centrais do fracasso são muitos. Primeiro, o deslumbramento com a riqueza fácil, criando uma espécie de lassidão moral nos economistas do Real, que passaram a subordinar todas as decisões de política econômica aos interesses imediatos do capital rentista.
As demonstrações de novo-riquismo no período não ficam atrás do ambiente descrito por Visconde de Taunay em seu romance "O Encilhamento". Todos da classe média, alguns ex-funcionários públicos, um se torna piloto de corrida e criador de cavalos, outro convida para degustação de vinhos em sua casa, por meio de colunas sociais, todos, em algum momento, tornam-se sócios de bancos de investimento.
O segundo ponto, conseqüência do primeiro, foi a escolha dos financistas que comandaram o processo. Com os interesses pessoais se sobrepondo aos nacionais, levou quem se articulou melhor.
O terceiro, a falta de vocação de estadista de FHC. Não há como construir uma nação sem uma profunda profissão de pé nos seus habitantes. Napoleão e Caixas dormiam com seus soldados, Franklin Roosevelt celebrava a força do americano comum. FHC nunca ocultou seu deslumbramento com os salões e seu desprezo com sua missão de "comandar o atraso".
Agora, é aguardar. A armadilha criada paralisou o país por dez anos e provavelmente mais dez. Só será desarmada por um futuro estadista, que não será Lula e nenhum dos presidenciáveis apontados pela mídia. Provavelmente, dentro de alguns anos, será o mesmo estadista que veio acudir Getúlio Vargas em 1933: o sr. Crise.
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Sunday, May 15, 2005
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