Quando terminou o "Encilhamento", no início do século, e começou a política de estabilização de Joaquim Murtinho, o futuro provisoriamente parou. Indústrias nascentes foram sacrificadas, finanças estaduais destruídas, o futuro desestruturado em cada verba suprimida da educação, da saúde, das estradas, da infra-estrutura, para pagar as contas do movimento especulativo anterior.
Consolidou-se uma elite nefasta, com maneirismo francês, conta na Inglaterra e aquele deslumbramento faustoso dos novos ricos.
Quando a Folha completou 80 anos foi lançado um livro com artigos de intelectuais, publicados em cada ano de sua existência. Sobre esses anos 20 pairava o mesmo desânimo atual da intelectualidade para com o país. Do alto do poder ou das gôndolas do academicismo, pouco conseguiam ver para baixo. Era um país sem povo, sem cultura, sem projeto, diziam eles. Governos se sucediam sem conseguir inovar, sem romper com o círculo de privilégios.
E, no entanto, algo aconteceu com o país, e foi bem antes de 1930, quando a criatividade popular explodiu de uma forma inédita. Nunca tinha entendido direito o que aconteceu com a música brasileira daquele período. Em 1929 era uma; em 1930 era outra completamente diferente, como se um século tivesse sido superado em um ano.
Antes disso, em 1922 os filhos da elite davam seu brado de brasilidade, misturavam o moderno com o Brasil, fermentavam novas idéias e os sons gigantescos de Villa-Lobos e o pensamento luminoso de Mário de Andrade clareariam os passos da cultura brasileira dali para a frente.
Pensadores céticos dos anos 20, como Oliveira Vianna e Alberto Torres, ajudaram a desmascarar o internacionalismo rastaqüera daquele período, abrindo espaço para os grandes intérpretes da nacionalidade, que brotaram nos anos 30, ajudando a entender essa encrenca maravilhosa. E aparecem Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda, Caio Prado Júnior. E, logo após, Celso Furtado, Roberto Campos, Ignácio Rangel, cada qual com sua visão, mas todos mirando o futuro.
Hibernação
É importante entender esses ciclos de maturação, esses processos de hibernação, esse céu negro e ameaçador, que parece paralisar o mundo, mas que precede as grandes tempestades criativas.
1930 não surgiu do nada. Já nos anos 20 o país oficial continuava sem cheiro de povo, sem sensibilidade para as ruas. Mas nos botequins, nas salas de aula, nas academias militares, nas escolas, entre os imigrantes colonos no interior, havia uma discussão profunda, forças novas surgindo, se aglutinando, fermentando, como o Exército de Gondor, de Rohan, os arqueiros elfos, os anões e os hobbits seguindo um Aragorn.
É a situação atual. O que se vê, numa ponta, é um desânimo crepuscular com o país, uma perda de identidade, uma insensibilidade total para com as ruas, um autismo que se iniciou com FHC e que não será rompido por Lula.
Mas o país está vivo. A discussão sobre o futuro começa a dominar ambientes relevantes. Hoje em dia há propostas claras de discutir o novo país, seja pelos olhos da indústria, ou da intelectualidade.
Para quem tem olhos para ver, a cada dia que passa, novos ingredientes vêm se somar a esse processo coletivo de reconstrução nacional. Hoje em dia, já se tem todas as peças que compõem um país moderno, de multinacionais e grandes empresas modernas aos movimentos populares, de excelência de gestão à visão geopolítica e à responsabilidade social. Há governadores de Estado pensando seus próprios projetos de desenvolvimento, e uma nova classe empresarial curtida no sol incandescente da falta de crédito que marcou os últimos anos.
Chegou a hora de o PT e o PSDB interromperem esse jogo inconseqüente de gato-e-rato e começarem a pensar efetivamente em um projeto de partido. Antes que sejam atropelados pelo país.
folha de s paulo
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Sunday, May 29, 2005
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