shared items

Thursday, May 05, 2005

O AI-13 não calou FHC. Ainda bem!


O PT continuará, a despeito dos resultados de sua gestão, a ser uma espécie de monopolista do social e do discurso de esquerda e de centro-esquerda. O que estará querendo a maioria silenciosa?

Por Reinaldo Azevedo

Reprodução
AUTOCRÍTICA, quadro do artista plástico mexicano Fernando Pimentel: depois de tirar a máscara, vocês acham que melhorou? Ou o rosto que se mostra agora também esconde um outro, depois outro e outro...?
A solenidade dos cinco anos de criação da Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe de volta para o centro da cena política o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Está em plena forma e no pleno gozo de seus direitos políticos. É verdade que o PT tentou fazê-lo vítima do AI-13, um sucedâneo do AI-5, segundo o qual ele teria cassados os seus direitos políticos e deveria ser relegado ao silêncio, ouvindo, estoicamente, os petistas a satanizar supostas heranças malditas. FHC assume o espaço que lhe cabe e lança um desafio: qual é o eixo em torno do qual se vão agregar valores para confrontar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva em 2006? A pergunta, bem entendido, foi dirigida a seus próprios pares e não poderia ser mais oportuna.

Noto, antes que continue, que uma fala mais explícita e mais dura do ex-presidente terá também o condão de reunificar as guildas petistas, inclusive os seus mercadores na mídia. Muito bem: cedo ou tarde, é isso mesmo o que vai acontecer. As forças político-ideológicas vão gravitar em torno do PT ou do PSDB (na verdade, creio que será PSDB-PFL). Embora semelhasse improviso, FHC foi de uma precisão cirúrgica nos seus alvos: fez uma crítica da gestão petista, que entende deficiente, e lembrou, numa solenidade em que se saudava a Lei de Responsabilidade Fiscal, que o partido ora no poder a bombardeou quando oposição. O exemplo remete a uma pergunta: qual é mesmo o programa do PT? E não foi um bombardeio qualquer.

Entre os que votaram contra a LRF está o agora mui arrependido Antonio Palocci, figura escolhida no petismo para ser o tributo que a virtude presente presta a todos os vícios passados — sem, é claro, que se deixem de cultivar vícios novos — estes já típicos dos neoconvertidos. Compungido, o ministro faz o seu mea-culpa. Sua opinião, vê-se, sobre a LRF varia de acordo com o lado da cerca. Disciplinado agora, estando no poder, adere ao valor influente. Disciplinado antes, estando na oposição, ele a combateu. Eis, em suma, um homem de convicção: faz o que for útil ao PT. O país é um dado de sua equação e de seu norte ético. É essa moralidade petista que alguns ditos radicais ainda não entenderam.

Quando deputado, o mesmo Palocci se deixou fotografar fazendo o| gesto característico com o indicador e o polegar para indicar a pequenez do aumento do salário mínimo no governo FHC. Também teria de pedir desculpas por isso. Por enquanto, o reajuste médio, sob sua gestão, é inferior ao do governo que ele ridicularizava. O agora ministro também era militante incansável em favor de um reajuste para o funcionalismo que, se aplicado, levaria a Previdência — e o país — à bancarrota. Mais uma vez, louvemos o seu senso de disciplina: como ministro, premiou os servidores com um aumento de 0,1%. Incrível esse Palocci: precisou chegar ao Ministério da Fazenda para aprender a fazer conta.

Assim, FHC deixa claro que a crítica da gestão petista e as muitas contradições do partido devem ser exploradas e ser convertidas, obviamente, em matéria de confronto eleitoral no seu devido tempo. Se era difícil saber quais eram os marcos de economia política do PT nos 23 anos que passou na oposição — no máximo, conhecíamos suas crenças milenaristas —, tanto pior agora, quando é governo. Mas, entendo (e creio que o ex-presidente entende também a se analisar as sublinhas de sua fala), isso ainda é pouco. O centro de sua fala é mesmo aquele desafio: é preciso "oferecer algo de novo". E qual será, então, essa novidade?

Economia
Digamos que o cenário internacional continue como está (embora boa parte dos analistas aposte que vai mudar) e que tudo o mais fique constante: o Brasil vai crescer quanto? 3%? 3,5%? Seria muito num período de crise internacional, mas é, obviamente, muito pouco quando todos os emergentes crescem a taxas muito maiores. O desemprego, que permanece alto, e a renda, que ainda está bem abaixo de 2002, último ano da gestão FHC, ficarão com seus índices intocados. Assim, nos aspectos, digamos, econômico-sociais do período Lula, muito há a confrontar entre o que foi prometido — 10 milhões de emprego, por exemplo — e efetivamente realizado. Outra promessa solene, dobrar o valor do salário mínimo, já caiu no ridículo lá se foi pouco mais da metade do mandato. Então, insiste-se: mesmo sem crise, mesmo com tudo a favor de Lula, a massa dos trabalhadores brasileiros não tem lá muito a comemorar.

FHC fala no "novo". Que novo é esse? Na gestão macroeconômica, sabemos todos — e o PT sabe melhor do que ninguém —, não se pode inovar tanto assim sem correr o risco de acenar com instabilidade. Até porque esta, em boa parte, não depende de nós, o que o PT finge só ter descoberto agora. Um governo do PSDB romperia contratos? Baixaria drasticamente os juros? Recorreria a alguma lei antimercado para controlar os preços? Faria aquilo que se temia antes que o PT fizesse caso chegasse ao poder? É claro que não!

Eis a questão: além da gestão incompetente das políticas públicas, é preciso que fique claro que há uma gestão também incompetente — a despeito das aparências — da própria política macroeconômica. Que o Banco Central se encalacrou com a forma como trabalha a sua política de metas de inflação, disso ninguém duvida. Que a política de juros se tornou o único instrumento na mão da equipe econômica para regular as pressões de mercado, isso também é consenso. O que quero dizer é que se pode, de posse dos mesmos postulados que regulam a condução da economia, operar de forma diferente.

O prefeito José Serra lembrou uma questão fundamental na quarta-feira: a Lei de Responsabilidade Fiscal, que é um instrumento da cultura democrática, tornou-se, na mão do PT, apenas um mecanismo para fazer superávit. No que ela tinha de imposição da responsabilidade ao governante, foi desrespeitada pelo PT, como se viu em São Paulo. A Fazenda olha para a LRF como instrumento de ajuste do caixa. Da mudança da fórmula para definir a meta de inflação, passando pelo aprimoramento dos instrumentos de aferição de preços e da definição do período em que essa meta deva ser alcançada, muito há a fazer. Mas é preciso ter autoridade para tanto.

E aí entra, sim, o custo PT. Como bem lembrou o governador Geraldo Alckmin. Dado o passado petista, tudo sai mais caro ao país. Porque faltam habilidade política e espaço de diálogo entre a economia e a política. Há muito economistas das mais diversas correntes vêm apontando para o fato de que os preços administrados têm um peso na inflação que não será corrigido pela política de juros. Se assim é e se contratos impedem que tais preços sejam corrigidos por outros índices, cumpre à autoridade monetária encontrar o caminho que mantenha a vigilância antiinflacionária, sim, mas que não puna o conjunto da produção por conta de alguns setores infensos à lógica da demanda.

Não! Em vez disso, soma-se o ruim ao pior: num extremo, com furor fundamentalista, jura-se fidelidade ao centro da meta; no outro extremo, acena-se, de forma irresponsável, com mudanças de contratos. E aí se consegue um feito extraordinário: a equipe econômica é dura a mais não poder na sua política de juros, mas resta a suspeita de que os contratos podem ser rasgados. O nome disso é incompetência. É perfeitamente possível, é claro, fazer melhor do que isso sem virar os fundamentos da economia de cabeça para baixo, a exemplo do que o PT prometia fazer até ao menos a Carta ao Povo Brasileiro.

Gestão e valores
No caso da gestão dos demais ministérios — o que não é, em suma,  Fazenda —, trata-se mesmo de reconhecer que, de fato, grandes mudanças foram empreendidas pelo PT. E não há uma só pasta, uma miserável que seja, que não tenha piorado enormemente. Numa hora como essa, os leitores petistas ou, vá lá, antitucanos ficam furiosos. Aguardo e, de certa forma, todo o jornalismo aguarda evidências em contrário. Escolha-se uma só área que, precária antes, tenha deixado de sê-lo. Ou que, visivelmente, tenha elevado o padrão dos seus serviços. Não há. O mito mais cuidadosamente alimentado das Relações Exteriores acaba de ser desmoralizado numa seqüência notável de desastres. Na campanha, isso será apontado, evidenciado, esmiuçado.

Mas ainda parece pouco. Entendo que, sem que se deixe de fazer a crítica da política de emprego, sem que se deixe de apontar os desastres de gestão, sem que se deixe de falar da mediocridade aparentemente fundamentalista da política monetária, é preciso que se faça a guerra de valores. Que sociedade querem os brasileiros? Que institucionalidade? Que legalidade?

Será o país do contínuo aparelhamento do Estado por um partido? Será o país de movimentos supostamente sociais que achacam a legalidade usando, para tanto, o dinheiro público? Será o país que transgride a Constituição para impor uma política de pretensa reparação social nas universidades? Será o país que se perde em parnasianismo de baixa sociologia enquanto a violência urbana vai degradando continuamente a vida do cidadão? Será o país em que a maioria silenciosa é encabrestada por uma extrema minoria militante que quer impor os seus valores na base do grito? Será o país em que até uma Comissão Parlamentar de Inquérito é usada como instrumento de chantagem? Será o país em que o empresário e o empreendedor são tratados, em princípio, como criminosos e sonegadores? Será o país em que grupelhos que se autodefinem como representantes da sociedade civil se julgam no direito de impor suas cartilhas? Será o país em que um político pode dizer uma coisa hoje, outra amanhã e uma terceira no dia seguinte, desde — ora, ora — que reconheça seus erros?

Creio, é claro, que há aspectos importantes da política econômica, especialmente na gestão monetária, que podem ser corrigidos. Mas não há nenhuma revolução a ser feita, não. Há, obviamente, dados da gestão absurdamente incompetente do PT que ajudam a turvar o cenário da economia, como a pletora de projetos e propostas que não saem do lugar porque o governo não tem definidas suas prioridades. Lembram-se da PPP? Pois é: na melhor das hipóteses, vai-se conseguir assinar um contrato em 2006! É claro que os investimentos medíocres concorrem para estreitar o mercado de trabalho, com conseqüências sociais óbvias. Há aí farto material de campanha. Mas é preciso ter um eixo.

Trata-se, desta vez, para citar, às avessas, frase atribuída a um assessor do então candidato Clinton (conta Bush pai): "É a política, estúpido!", com uma variante: "É a gestão, estúpido!". Para quem não lembra, Bill Clinton estava na disputa de seu primeiro mandato, e havia muitas prosopopéias sobre por onde se deveria atacar o governo de Bush pai. E ele teria dito, então, na ocasião: "É a economia, estúpido", sugerindo que se deveria disputar, então, o eleitor-consumidor. A fórmula deu certo. O filho daquele presidente derrotado, George W. Bush, ganharia duas eleições que pareciam improváveis falando somente a linguagem política. São lições da história que estão por aí. Parece-me que o protagonismo de FHC nesta quarta vem lembrar a todos: "Façam política! Façam a guerra de valores!".

E de quais valores se vai falar? Lanço aqui uma questão: o PT continuará, a despeito dos resultados de sua gestão, a ser uma espécie de monopolista do social e do discurso de esquerda e de centro-esquerda; continuará a ser o mercador do sociologismo vendido sempre mais barato na feira de esperanças. Esse espaço já está ocupado, congestionado e é patrimônio de minorias organizadas, quase sempre representantes de si mesmas. O que estará querendo, a esta altura, a maioria silenciosa?

No comments:

Blog Archive