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Wednesday, May 18, 2005

LUÍS NASSIF:A obviedade maldita

Em sua apresentação no 17º Fórum Nacional, promovido pelo ex-ministro Reis Velloso, na semana passada, o economista Affonso Celso Pastore mostrou um diagrama sobre a crise.
A rigor, ele mostra o seguinte:
1. Há um choque cambial, deflagrado por crises internas ou externas. Os dólares saem do país, provocando uma desvalorização cambial.
2. A desvalorização provoca um aumento da inflação, obrigando a uma elevação das taxas de juros.
3. As taxas de juros provocam um aumento na dívida pública interna.
Qual a saída proposta por Pastore? Aumentar o superávit fiscal para contrabalançar o aumento da dívida. Seu diagrama termina aí.
Se continuasse, poderia demonstrar que os juros elevados atrairiam novamente dólares, levando a uma apreciação do câmbio e plantando as sementes de uma nova crise -devido à apreciação do câmbio e ao aumento da dívida interna. Incluindo esses elementos adicionais, o diagrama retornaria ao ponto de partida inicial.
Repare que, no diagrama de Pastore, o início do processo é o choque cambial. No diagrama completo, ele é o ponto inicial e o final.
A cada crise, os dólares fogem do país. Passada a crise, retornam apreciando o câmbio. Depois fogem na crise seguinte, que pode ser deflagrada ou por uma crise externa ou por motivos internos -um dos quais é o crescimento da dívida pública.
É de uma obviedade cristalina que a variável central, que explica todos os demais pontos do diagrama, é a volatilidade do câmbio. É essa volatilidade que periodicamente traz de volta a inflação, que leva ao aumento dos juros, que impacta a dívida pública, que impede o planejamento de investimentos.
Nesta semana, entrevistado pelo "Financial Times", o "pai" do Consenso de Washington, John Williamson -depois de apontar virtudes de seu receituário-, explicou assim o fracasso da América Latina com a liberalização:
1. Ele defendia taxas de câmbio competitivas, mas os governantes optaram pela apreciação do câmbio.
2, Houve um endividamento muito rápido em razão do fato de "os governantes terem deixado o capital externo entrar livremente".
3. O consenso reduziu-se ao credo de que bastaria liberalizar que todos os problemas se resolveriam por si. Ele diz que não ocorreu a ele que esse simplismo seria adotado pelos governantes.
O nó da estagnação reside em algumas questões cada vez mais óbvias, mas das quais se foge como o diabo da cruz:
1. Acabar com a volatilidade do câmbio. Isso implica ter superávits comerciais cada vez mais robustos e estabelecer distinções claras para o capital de curto prazo. Preservem-se linhas comerciais e outras essenciais para o desenvolvimento, e coloquem-se limitações severas a todo tipo de capital meramente especulativo.
2. Trabalhar decididamente alternativas para a dívida pública. Há estudos consistentes mostrando a possibilidade de constituição de fundos -com ações preferenciais de estatais, fluxos de recebíveis- que permitam gradativamente a troca de títulos da dívida por cotas desse fundo a ser criado.
O resto é masturbação econômica.
folha de s paulo

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