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Monday, May 30, 2005

O próximo ato por Mauro Santayana

Asemana começa com uma constatação: a de que a CPI dos Correios será contida pela prudência, tanto da oposição quanto do governo. Estão certos muitos analistas: a crise política está sob controle. Mas estão errados os mesmos analistas, porque a crise real é outra. Os ânimos se arrefecem em um dos mundos, o mundo reduzido da política formal. Mas, fora dos gabinetes de Brasília, dos restaurantes da moda, dos salões mundanos e distante do deslumbramento dos emergentes, há outro mundo que se move.

Os atores políticos, fora alguns, vivem como viviam os nobres franceses, antes que ecoassem nas ruas os acordes da Carmagnole: em outro mundo. O contato com os eleitores não lhes serve de bússola: há muitos anos que o diálogo entre os políticos e suas bases é falso. Como, de ordinário, os políticos mentem, seus cabos eleitorais fazem o mesmo, mostrando-lhes cenários de papel pintado, como as vilas de papelão com as quais Potemkin enganava Catarina da Rússia. Os votos são comprados, seja em dinheiro, destinado a custear os gastos eleitorais, seja em obras, obtidas mediante as famosas emendas ao Orçamento. Nas grandes cidades, quando não há campanhas, o contato entre políticos e eleitores é muito reduzido. Sendo assim, os políticos, de modo geral, não sentem a realidade. Ao não senti-la, trabalham com a que conhecem, confinada ao círculo, em que convivem correligionários e adversários com costumes, linguagem, alienação comum. Ressalve-se, no entanto, que entre eles há os conscientes da vida real, e que se sentem desesperados com a indiferença circundante.

Admitamos que a CPI dos Correios ofereça à Justiça e à execração pública dois ou três servidores do terceiro escalão do governo. Haverá nova decepção da cidadania, já insultada com tantas investigações truncadas ao longo da última década. Até quando o mundo real tolerará essa cumplicidade? A promiscuidade entre o crime, os negócios e a política é corriqueira nos regimes fechados e em certas situações, como a da Itália, em que a Máfia, movimento de caráter nacionalista na Sicília medieval, perverteu-se em complexa organização criminosa. No Brasil, por mais negociatas houvesse no passado, o fenômeno só se exacerbou nos últimos anos. Se não for coibido já, corremos o sério risco da desobediência civil ou da apatia. Há, porém, outra possibilidade, a de que se amplie esse sentimento de que estamos mesmo em uma selva, em que cada um se faz exímio predador do outro. É de se constatar que toda a educação superior de nossos dias neoliberais se encaminha para a construção de predadores nos negócios. A própria expressão "fera", para designar os mais bemsucedidos, conduz a essa dedução.

Há 27 anos, quando se candidatou ao Senado, Tancredo Neves confidenciou ao colunista que o grave problema brasileiro era o da corrupção, com o rebaixamento do Estado à condição de mero servidor dos interesses empresariais. E dizia que todas as outras questões, como a da crise econômica, da educação, da saúde e do desemprego, seriam resolvidas com um governo democrático, sério e competente. "A crise moral vai exigir o esforço bravo de duas ou três gerações para ser vencida", disse. Naquele tempo, em que emergíamos da censura, mas remanescia a autocensura, tempo de medo e poucas esperanças, a corrupção, explícita ou dissimulada, era do conhecimento de poucos. Hoje ela se escancara, graças à tecnologia. Para alguma coisa positiva serve a perversão da técnica, que nos tira a privacidade. Nesse imenso Big Brother, para usar a distorção atual do termo orwelliano, não são apenas os olhos do poder que nos vigiam e nos aterrorizam com sua vigilância: nós também nos podemos vigiar, o que nos apavora e seduz; mas, da mesma forma, somos capazes de vigiar o poder e os seus agentes.

Muitos dos atores políticos, sob as fortes luzes do palco em que sussurram segredos e recitam em voz alta as deixas da conveniência, não vêem a platéia, mas a platéia os vê e os ouve, talvez se preparando para protagonizar o próximo ato.
JB

FERNANDO RODRIGUES:A gênese da crise




FERNANDO RODRIGUES:A gênese da crise TÓQUIO - Lula teve um almoço com brasileiros no sábado, em Nagóia. Era o último trecho de seu giro pelo Oriente, depois de visitar Seul (Coréia do Sul) e Tóquio (aqui no Japão). O petista estava animado. Saiu da Ásia deixando um saldo de dezenas de acordos e memorandos assinados. Os contratos podem resultar em investimentos de US$ 4 bilhões com os coreanos e US$ 2,1 bilhões com os japoneses. A conferir.
Na frente dos brasileiros locais em Nagóia, Lula fez um auto-elogio. "Enquanto tinha gente que viajava para o exterior para receber título de doutor honoris causa, eu viajo para vender e promover o país."
Mais adiante, o petista atacou Fernando Henrique Cardoso de maneira mais direta. Disse que o tucano "se perdeu" ao ter entrado no projeto da reeleição. Nesse ponto, Lula voltou a repetir seu raciocínio sobre o tema. Acha que só vale a pena se: 1) houver segurança de que um segundo mandato será melhor que o primeiro e 2) se não for necessário fazer o que chama de "alianças espúrias".
Tem chamado a atenção nas observações mais recentes de Lula a freqüência com que ataca FHC. O petista também repete à exaustão sua tese sobre reeleição.
A animosidade contra FHC é natural. O tucano provoca. Já no caso da reeleição, é difícil perscrutar a cabeça do presidente. Quando fala em não fazer "alianças espúrias", fica uma dúvida: será que Lula considera coerentes os acertos que fez com o PP (ex-Arena e partido de Paulo Maluf) e PTB (Roberto Jefferson)?
Essa confusão mental do presidente da República é a gênese de todos os desacertos na área política de seu governo. Assim como não vê nada espúrio em defender o PTB, só enxerga problemas nos outros. Muitas vezes, a crise se instala por causa da análise errada que o governante faz da conjuntura. Além da dificuldade para admitir seus desacertos.
folha de s paulo

Sunday, May 29, 2005

Estatais se dividem em feudos partidários

Estatais se dividem em feudos partidários

VERA MAGALHÃES
DO PAINEL, EM BRASÍLIA

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Alvos de denúncias que resultaram no principal escândalo do governo Lula até aqui, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) são retratos de um modelo de divisão de cargos que motiva a "canibalização" entre partidos da base aliada.
Nos Correios, PMDB, PTB e PT dividem as principais diretorias. No IRB, o loteamento se dá entre o PTB, o PP, o PT e até mesmo o oposicionista PFL. O resultado, na definição de um auxiliar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é que cada diretoria funciona como uma "fabriquinha" independente, cujo objetivo seria gerar "lucros" para o partido que detém a indicação do cargo.
Nos Correios, interesses comerciais e políticos concorreram para que um funcionário fosse filmado negociando propina na empresa. A investigação poderá determinar o responsável pela gravação, mas hoje já se sabe que diretorias ligadas ao PTB, ao PMDB e ao PT tiveram embates internos por conta de licitações milionárias.
O fatiamento de estatais entre vários partidos não é restrito aos Correios e ao IRB. É um modelo herdado dos governos anteriores que se estende a todas as estatais.
Além disso, não é o único problema do modelo em vigor. Não bastasse fatiar as diretorias entre várias siglas, há casos em que há dificuldade de identificar o "padrinho" do nomeado.
Nos Correios, por exemplo, o diretor de Tecnologia, Eduardo Medeiros, é ligado ao secretário-geral do PT, Silvio Pereira, mas, oficialmente, foi indicado pelo PL. Trata-se do "embarrigamento", em que um partido convence outro a nomear seus aliados.
Um dos ministros mais próximos do núcleo político de Lula vai propor ao presidente que mude esse modelo e adote uma combinação de critérios: privilegiar indicações técnicas, de quadros de carreira das empresas.
No caso das indicações políticas, um só partido teria os cargos de todos os escalões da empresa, mas seria responsável por desempenho e por responder em caso de eventuais denúncias.
O balcão das indicações levou a uma saia-justa que Lula também terá de administrar: o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), insiste em nomear um diretor para a Petrobras.
"No atual quadro de fragilidade política do governo, será desastroso ceder à exigência do Severino, qualquer que seja a pessoa indicada. Temos de montar a ofensiva para retomar a pauta antes", diz um ministro.

Mudanças políticas
Nessa ofensiva, Lula pode ir além das mudanças nas estatais e retomar a reforma ministerial ampla que engavetou em março. Membros da cúpula do governo defendem que os ministros e presidentes de estatais e bancos oficiais, inclusive do Banco Central, entreguem seus cargos para que Lula faça alterações.
Alguns desses membros defendem as saídas de Romero Jucá da Previdência e de Henrique Meirelles do Banco Central. Mas Lula já disse publicamente que não os tiraria mesmo com as investigações autorizadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Mais: Jucá é do PMDB, e o governo dependerá do partido nas próximas batalhas políticas e no projeto de reeleição de Lula, no ano que vem. Meirelles conduz a política monetária, e o governo quer evitar que a crise política contamine a economia.

Medidas administrativas
O pacote de mudanças para tirar o governo da defensiva deve ser completado por medidas de ordem administrativa.
O pregão eletrônico deverá ser adotado como padrão para todas as compras governamentais que possam ser quantificadas (computadores, cadeiras etc). Nessa modalidade, os fornecedores dão lances mínimos até um determinado momento, interrompido aleatoriamente pelo computador que recebe as ofertas.
O governo deverá também endurecer as regras para o pregão eletrônico presencial, no qual há comparecimento dos fornecedores. Vai exigir justificativa para a presença, considerada contraditória com os lances eletrônicos.
Outras compras governamentais, como serviços, continuam nas modalidades tradicionais de licitação. O governo, porém, pretende endurecer também essas regras, que constam da lei 8.666.
Essas medidas já estavam sendo preparadas antes da explosão do caso dos Correios, mas servirão como resposta técnica e política ao escândalo. Na gravação em que o funcionário dos Correios Maurício Marinho falava de um suposto esquema de propina para beneficiar o PTB, ele disse que o pregão eletrônico dificultava manobras para fraudar licitações.

LUÍS NASSIF :O país está vivo

Quando terminou o "Encilhamento", no início do século, e começou a política de estabilização de Joaquim Murtinho, o futuro provisoriamente parou. Indústrias nascentes foram sacrificadas, finanças estaduais destruídas, o futuro desestruturado em cada verba suprimida da educação, da saúde, das estradas, da infra-estrutura, para pagar as contas do movimento especulativo anterior.
Consolidou-se uma elite nefasta, com maneirismo francês, conta na Inglaterra e aquele deslumbramento faustoso dos novos ricos.
Quando a Folha completou 80 anos foi lançado um livro com artigos de intelectuais, publicados em cada ano de sua existência. Sobre esses anos 20 pairava o mesmo desânimo atual da intelectualidade para com o país. Do alto do poder ou das gôndolas do academicismo, pouco conseguiam ver para baixo. Era um país sem povo, sem cultura, sem projeto, diziam eles. Governos se sucediam sem conseguir inovar, sem romper com o círculo de privilégios.
E, no entanto, algo aconteceu com o país, e foi bem antes de 1930, quando a criatividade popular explodiu de uma forma inédita. Nunca tinha entendido direito o que aconteceu com a música brasileira daquele período. Em 1929 era uma; em 1930 era outra completamente diferente, como se um século tivesse sido superado em um ano.
Antes disso, em 1922 os filhos da elite davam seu brado de brasilidade, misturavam o moderno com o Brasil, fermentavam novas idéias e os sons gigantescos de Villa-Lobos e o pensamento luminoso de Mário de Andrade clareariam os passos da cultura brasileira dali para a frente.
Pensadores céticos dos anos 20, como Oliveira Vianna e Alberto Torres, ajudaram a desmascarar o internacionalismo rastaqüera daquele período, abrindo espaço para os grandes intérpretes da nacionalidade, que brotaram nos anos 30, ajudando a entender essa encrenca maravilhosa. E aparecem Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda, Caio Prado Júnior. E, logo após, Celso Furtado, Roberto Campos, Ignácio Rangel, cada qual com sua visão, mas todos mirando o futuro.

Hibernação
É importante entender esses ciclos de maturação, esses processos de hibernação, esse céu negro e ameaçador, que parece paralisar o mundo, mas que precede as grandes tempestades criativas.
1930 não surgiu do nada. Já nos anos 20 o país oficial continuava sem cheiro de povo, sem sensibilidade para as ruas. Mas nos botequins, nas salas de aula, nas academias militares, nas escolas, entre os imigrantes colonos no interior, havia uma discussão profunda, forças novas surgindo, se aglutinando, fermentando, como o Exército de Gondor, de Rohan, os arqueiros elfos, os anões e os hobbits seguindo um Aragorn.
É a situação atual. O que se vê, numa ponta, é um desânimo crepuscular com o país, uma perda de identidade, uma insensibilidade total para com as ruas, um autismo que se iniciou com FHC e que não será rompido por Lula.
Mas o país está vivo. A discussão sobre o futuro começa a dominar ambientes relevantes. Hoje em dia há propostas claras de discutir o novo país, seja pelos olhos da indústria, ou da intelectualidade.
Para quem tem olhos para ver, a cada dia que passa, novos ingredientes vêm se somar a esse processo coletivo de reconstrução nacional. Hoje em dia, já se tem todas as peças que compõem um país moderno, de multinacionais e grandes empresas modernas aos movimentos populares, de excelência de gestão à visão geopolítica e à responsabilidade social. Há governadores de Estado pensando seus próprios projetos de desenvolvimento, e uma nova classe empresarial curtida no sol incandescente da falta de crédito que marcou os últimos anos.
Chegou a hora de o PT e o PSDB interromperem esse jogo inconseqüente de gato-e-rato e começarem a pensar efetivamente em um projeto de partido. Antes que sejam atropelados pelo país.
folha de s paulo

Friday, May 27, 2005

The Last of the Moderns-Oscar Niemeyer

the Moderns-Oscar Niemeyer

The Last of the Moderns

By MICHAEL KIMMELMAN

On a bright South American summer morning, the first blinding view inside Oscar Niemeyer's sun-bleached penthouse office above Copacabana Beach is of round mountains abutting the Atlantic Ocean and Coppertoned tourists in vanishingly small bathing suits. The room's white walls are covered with Niemeyer's breezy drawings -- his graffiti -- of buildings he designed (the cathedral in Brasília, a museum in Niterói across Guanabara Bay from Rio) and of women. ''Form follows feminine,'' Niemeyer likes to say.

Other sayings by him are scrawled like ribbons around the drawings: ''The most important thing is not architecture, but life, friends and this unjust world that we must change.'' ''The dispossessed never get a turn.'' And ''When misery multiplies and hope escapes from the hearts of men, only revolution.'' That one is next to a drawing of a poor family, the mother carrying a basket of laundry on her head. A sculpture he did based on the drawing towered over the beach across the street until the mayor of Rio ordered it removed a few years ago, which makes Niemeyer fume even today. The style -- of the drawing, the sculpture and for that matter of the sayings, with their whiff of Bolshevik sentiment -- is Picassoid, circa 1955.

In the middle of the studio, three rows of stadium seats are lined up before an easel, with a painting by Niemeyer on it -- of a voluptuous longhaired woman on horseback -- the setup like a miniclassroom. Every Tuesday, following Niemeyer's pronouncement that all architects, to be useful citizens, should read Sartre, there is a philosophy class for anyone who happens to turn up.

Niemeyer's own office is a modest room in the back with a couch and a desk pushed up against a wall beneath heaving bookshelves. Niemeyer, at 97, still arrives at work every morning at 9:30, eats an early lunch in the studio, sometimes with friends, then stays into the evening, even on weekends. A driver shuttles him back and forth to his apartment in Ipanema. His wife, Annita (they were married in 1928), died last year. She was 93.

The studio is roughly where his parents had a summer cottage when he was a boy. That was toward the turn of the last century, when Copacabana was almost countryside. Niemeyer would wake up early to watch the fishermen haul in their catch.

He is a national hero in Brazil, but elsewhere he may be the least celebrated of the major architects of the modern era. A suave pioneer of curvaceous concrete, toying with the limits of engineering while injecting sex and surrealism into Le Corbusier's famous machine for living, he designed some of the most audacious, sublimely poetic and occasionally goofy buildings of the 20th century. Probably more than anyone else, he brought lyricism and a populist sensibility to modern public architecture.

His style hasn't changed much in years, but opinion about him has. He was often disregarded when Corbu, Mies van der Rohe and Walter Gropius upheld the Modernist center; the Museum of Modern Art paid him decreasing notice. But gradually he has become the subject of newfound interest: hipster infatuation with unorthodox Modernism has recuperated Niemeyer's reputation among young design aficionados. When his art museum for Niterói opened in 1996, it was adopted as a backdrop for spreads in fashion magazines. Trendy publications like Wallpaper embraced his formal finesse, with its hint of radical chic. Brand-name architects made pilgrimages to Rio. At nearly a century old, Niemeyer became the darling of the smart set.

None of which seems to matter much to him. He brushes off questions about his shifting status. ''Surprise and enchantment'' are his goals, he says. That enchantment was lost on many peers while high Modern austerity ruled. An unabashed sensualist, he was briefly lumped in the United States with figures like Morris Lapidus as a purveyor of modernist kitsch. The architect for all of the signature buildings in Brasília, Brazil's capital built from scratch 45 years ago out of the arid savanna of the country's vast, formerly underpopulated interior, he then suffered the disdain of people who, often sight unseen, denounced the city and the whole utopian, tabula-rasa approach that it epitomized.

''He was marginal,'' Frank Gehry says about how Niemeyer was perceived some decades ago. ''Oscar never had a publicist. He was far away. We didn't understand his context. We just heard about someplace being hacked out of the middle of some jungle to make a new city. The whole idea seemed so antisocial to liberal architects.''

Zaha Hadid echoes that thought. ''The post-60's generation was against Modern monumentality -- all those wide streets for the army to drive through,'' she explains. ''That's how some people thought about it. They didn't pay enough attention to see that Oscar represented a totally different ideology. By the time I got interested in him during the late 70's, early 80's, you could hardly find any books about his work.''

When the Pritzker jury split its prize in 1988 between Niemeyer and Gordon Bunshaft (itself a signal of halfhearted endorsement), Paul Goldberger, then the architecture critic for The New York Times, mistook Niemeyer for the designer of the master plan for Brasília. He remarked on a career that presented ''some troubling issues.'' Actually, Lucio Costa, not Niemeyer, mapped out the futuristic city, as a kind of anti-Rio. It was Costa who envisioned the huge blocks of government offices, the sectors for banks and housing, everything positioned like chess pieces on a board, crisscrossed by boulevards. Niemeyer, who had been on the jury that picked Costa, was then enlisted to design the major buildings -- fanciful, spectacular structures that breathed life into Costa's scheme.

Goldberger lamented that Niemeyer was out of sync with the times, devising ''abstract sculpture'' rather than projects that had ''something to do with the physical and cultural makeup of the place in which they are built.''

But that was then. Even during the 1960's his ethos crept into civic building programs like Lincoln Center. His legacy always dealt with the physical and cultural makeup of the places where he built. He defined not a corruption of traditional Modernism but a lively parallel strand of it.

Now architects like Rem Koolhaas echo his mix of surrealism and the rational; Hadid devises similarly airborne forms. She recently arranged for him to build a temporary pavilion for the Serpentine Gallery in Hyde Park in London, which became a hit among young British architects who cottoned to his organic and sculptural aplomb. '''A postcard of Brazil in the middle of Hyde Park,'' Hadid called it.

Meanwhile, Niemeyer keeps working away, rising each morning to see what new surprises and enchantments he can cook up.


I was warned, before I arrived in Rio, that Niemeyer might be grumpy and wasn't averse to throwing an interviewer out after a few minutes. Having twice been denied a visa to enter the United States because of his Communist sympathies (an unreconstructed Stalinist, he still speaks fondly of Fidel and better days in Moscow), he can be skeptical about anyone from the United States. Colleagues have found him, in his 90's, sometimes reluctant to engage in conversation. Koolhaas was surprised to be seated in one of the stadium chairs, where Niemeyer proceeded to expound on architecture. When Gehry visited, Niemeyer showed him a drawing. ''The picture was on his desk,'' Gehry said. ''It was a row of women lying on the beach, alternately chest up, chest down. He told me that explained everything.''

But Niemeyer was gracious and easygoing. Formidable in photographs, he is a small, soft-spoken, deep-voiced, deeply tanned man with heavy, handsome features. He looked swallowed up in his desk chair, from which he instantly launched into a practiced speech: ''An architect must prepare himself for a world that can be very perverse. We pass through life very quickly, and each one of us writes our little story, which time will erase. Human beings don't have solutions; we have solidarity and friendship.''

I noticed his long, even fingernails when he stopped to draw a Swiss cigarillo from a slender wood box on his desk. His white monogrammed shirt was opened halfway down his chest to reveal a pressed white T-shirt. He is clearly still the man about town he was, even though his vision is now poor and he moves gingerly. Over lunch, an assistant discreetly sliced his chicken for him.

Associates fluttered, ceremoniously unfurling plans for projects he is currently devising: a complex near Paraguay, two churches and a ferry station in Niterói, government and cultural palaces in Brasília -- all audaciously engineered concrete buildings, suspended in midair from gigantic arches, shaped like spheres and rocket ships, rising from the middle of lakes, sprawling across what look like lunar plazas.

The through line is a kind of gravity-defying, exuberant, freewheeling lightness. ''If you think of the Renaissance, you think of buildings heavy on the bottom and light on top,'' Niemeyer said. ''I don't believe in this.''

His engineer, Jose Carlos Sussekind, arrived with a plan for an auditorium in Brasília. Dapper in pink polo shirt, lime green pants and slicked gray hair, he had the casual, energetic charm that I have heard people associate with the younger Niemeyer. He and Niemeyer have been working together for 35 years, and Sussekind acts like a proud son. Spreading the plan across the desk, he explained that an immense window is too wide to support the weight of the concrete span above it and needs to be narrowed. Niemeyer squinted at the plan and grunted softly. ''At the end,'' Sussekind said, ''the question with Oscar is always how far we can go with concrete. It's a constant quest to make larger spans, larger cantilevered spaces.'' Niemeyer nodded: ''It's about technique looking for beauty.''

Some days earlier I had met with Maria Elisa Costa, a Rio architect and the daughter of Lucio Costa, now in her 60's, a dashing woman, who kept talking about how beautiful Niemeyer's buildings are: ''My father used to say that Le Corbusier was strength, Mies van der Rohe was elegance and Niemeyer was grace. Oscar's inclination is to swing. With his buildings, all you have to do is listen to the tune.''

I saw a guitar beside Niemeyer's desk. ''I learned when I was a boy,'' he said. ''We used to play samba.'' His architecture has occasionally been compared to samba and to bossa nova -- cool, playful, sensuous. Bossa nova came out of clubs more or less around the corner from Niemeyer's office. Brazilians were treated to fox trots, boogie-woogies, boleros, mambos, rumbas, tangos, Portuguese fados, flamencos, French chansons and other European imports, all filtered through samba. As the Brazilian writer Ruy Castro put it, ''Because of everything that happened musically in the clubs during the 50's, we can say that when it happened, around 1958, bossa nova was simply inevitable.''

The same might be said of Niemeyer's style, as it emerged decades earlier, during the 1930's: Le Corbusier, coming to Rio, crossed paths with the young Niemeyer and with carioca culture in general, which is to say, with native Rio life and its embrace of pleasure, elegance and sex. The effect for Niemeyer was to warp Corbu's straight lines into curves, like the curves of his own drawings of women or the city's beaches and mountains -- or the music of his late friend, Tom Jobim.

The carioca composer and singer Chico Buarque put it this way: ''In my mind, Tom's music is a house designed by Oscar.''


Niemeyer's house in Rio, where he used to live before it became home to the Niemeyer Foundation, is perched on a steep mountain in a neighborhood called Canoas. Designed in 1951, it is a slice of domestic paradise. The drive to it across town from Copacabana is along the oceanfront, partly on Niemeyer Avenue, which is named for a distant relative who was a developer. A separate road then winds above the favelas into thickening jungle and high-walled affluence to reach a discreet driveway. Out of the car, gazing up through the palms and fruit trees, I saw hang gliders circling the peak on pink, white and yellow wings.

The building is a small glass pavilion, not much more than a pool house, curvy, low and see-through, with an airy, open plan and a flat concrete roof in the shape of a lima bean. It is out of view at first, masked by dense foliage, nestled in a clearing cut into the mountainside. A footpath twists sharply downward, revealing at once -- surprise and enchantment -- the building and the view to the ocean far below it. They are both spectacular.

A burbling swimming pool, roughly mirroring the shape of the roof, adjoins a corner of the facade via a huge boulder. Half the boulder sticks into the house, straight through the wall, melding inside with out. A stream also runs beside the house, which cantilevers over it, a nod to Frank Lloyd Wright's Fallingwater.

There is a basement floor, a rabbit warren of tiny bedrooms with odd little slits for windows. In the tropical heat everything feels damp and cool. Niemeyer's buildings are not slickly finished, but we are accustomed today to standards for luxury architecture that mistake exquisite construction for exquisite thinking. As Hadid put it, ''Buildings are so overdetailed that anything slightly rugged looks poorly detailed.'' Niemeyer's house is elegant without being fussy.

Michael Sorkin, the American architect and critic, who visited the house years ago, compares it with Mies's 1920's steel, stone and glass icon. ''It's like the Barcelona pavilion on acid,'' he says. ''It has the same free-flowing space, but it's a completely different strain of Modernism, equally potent.'' As with much of Niemeyer's work, its forms echo nature but also stand out against it. Landscape is designed to assert itself before the house does, then to appear from inside it and through it -- and also to shift along the footpath, which is like the ramps and tunnels Niemeyer loves to use. Everything conspires to theatricalize movement through space, to contrast dark and light, high and low, inside and out.

''He is connected with Wright,'' Augusto Ivan Pinheiro, an urban-planning official in the Rio municipal government, told me when we met in his office one day, ''in that he is to Brazil what Wright is to America but also in that just as Wright was linked to the earth, Niemeyer is linked to the sky. I think if he had grown up in S-o Paulo, he would never have produced this architecture. It's so carioca, so aware of light and the mountains. And it's always looking out at the sea.''

About that, Niemeyer has recalled: ''Le Corbusier said once that I had Rio's mountains in my eyes. I laughed. I prefer to think like Andre Malraux, who said, 'I keep inside myself, in my private museum, everything I have seen and loved in my life.'''


Niemeyer was one of six children born to a typographer and businessman. ''My parents were such wonderful people,'' he wrote in a memoir, ''The Curves of Time,'' which he published a few years ago. ''Their lives were so pleasant, so uncomplicated and so humdrum that I can think of nothing special to relate.'' His upbringing was middle class, notwithstanding that his grandfather was a head of the supreme court. The house was packed with uncles, aunts and cousins. Rio ''was a more human city,'' Niemeyer told me, ''more tranquil, with less poverty. It was about adventures on the beach. Life was easier.''

He loved to draw and, after studying architecture, showed up in 1935 at the doorstep of Lucio Costa. Trained in Europe and steeped in the Brazilian colonial tradition, Costa taught Niemeyer to appreciate ''beautiful old Portuguese buildings, so sober and rigid, with their thick walls of stone . . . their gently sloping slate tiles contrasting with their whitewashed walls,'' Niemeyer recalled. Costa was ''very correct, very intelligent, calm. He thought architecture was very important, very progressive, that it changed everything.''

This wasn't quite Niemeyer's philosophy. ''Niemeyer has always said that the goal of Modern architecture to solve social problems is demagoguery, a dream, which just boosts architectural careers, but that true social revolution is a political process,'' Lauro Cavalcanti, a Brazilian architectural historian and museum director, said over a lunch in downtown Rio when we met one afternoon. Niemeyer has designed standardized public schools, called Cieps, for poor children in Brazil, built two universities for newly independent Algeria and is proud of his contribution to Niterói, a working-class city, but unlike Costa, he isn't utopian about architecture. ''Working in a capitalist nation,'' Niemeyer says, ''you should explore the progress of technology and form, and then as a citizen fight for social change.''

About Niemeyer's relationship with Costa, Maria Elisa Costa told me: ''Oscar and my father were very different temperaments, but part of the same movement. Oscar loves to be surrounded by people. My father was more reserved. He was the director; Oscar was the actor.''

When Costa was invited by the politician Gustavo Capanema in 1936 to design the Ministry of Education and Health in Rio, he assigned Niemeyer to prepare drawings. Le Corbusier came to town. Costa showed him his design for the ministry. Corbu proposed something different. Costa, in deference, handed over the assignment.

''I decided to make some sketches based on it,'' Niemeyer wrote. ''Corbu had designed glass to the ground and concrete shades. I devised a passageway by raising the building on pillars and made the shades movable and generally streamlined the shapes. Lucio came and asked to see my drawings, and not intending to interfere in the project, I threw them out the window.'' Costa had someone fetch them and liked what Niemeyer had done.

''It is on the inauguration memorial tablet in the building that it's a Le Corbusier design,'' Niemeyer remembered. ''But nowadays I can see that our collaboration was not that small.''

After lunch with Cavalcanti, I wandered over to see the ministry, which in late Brazilian summer was a steamy walk of several blocks from Cavalcanti's office. It consists of intersecting concrete and glass slabs, set off-kilter, jauntily tiled in white and blue, with a pattern of clamshells and starfish, and raised on slender piers above a shady plaza. A winding staircase leads to an airy art gallery and auditorium. The building is a little rundown now, but in a neighborhood of winding streets jammed with cars and sweaty workers jostling in the afternoon heat, the plaza is a cool respite. Rejecting Le Corbusier's plan for glass walls to the ground, replacing them with pillars, Niemeyer grasped that what in Paris would be a chilly wind tunnel becomes an oasis in Rio.

He then teamed with Costa on the design of the Brazilian Pavilion at the 1939 World's Fair in New York, and in 1940 received a call from Juscelino Kubitschek, mayor of Belo Horizonte, the capital of the state of Minas Gerais. Kubitschek, like Capanema, was among the enlightened politicians of the midcentury who embraced Brazilian Modernism. He asked Niemeyer to design a suburb called Pampulha. The complex Niemeyer built included an ovoid casino, a circular restaurant and a yacht club with a double-sloped roof. The centerpiece was a tiled concrete church, with a parabolic silhouette kind of like a roller coaster. Niemeyer had found his voice.


His work in Brasília in the 1950's cemented his reputation abroad, both for better and worse. The city is about 750 miles from Rio, an hour-and-a-half shuttle flight, the planes going in the opposite direction packed on Thursdays and Fridays with diplomats escaping the capital for the weekend, leaving behind a place increasingly peopled by young families and retirees. I arrived one Friday to meet a guide and driver at the airport, who ferried me past rows of Costa's boxy apartment complexes set back in leafy clusters. In Brasília, there is no beckoning skyline, no center of town, exactly. The layout is often compared to an airplane or to a butterfly (Costa hated all comparisons), with the main government buildings at the cockpit or head. Apartment houses occupy the wings. (Costa mandated a maximum of six stories, the height from which he calculated a mother could be heard calling down to her child in the courtyard.)

The central axis is a grassy mall flanked by wide avenues. The best view is at the top of a TV tower Costa built in the middle of the axis, where an illegal flea market, a kind of smugglers' warren, a rare sign of Old World urban hustle, has sprung up beside the parking lot. From above, I could see almost everything laid out: the sectors for banks, embassies and hotels; the sports arenas; the artificial lake that half-encircles the city; the park with the president's house in it; and in the distance, the shantytowns, ''anti-Brasílias,'' they're called, where millions of poor, the descendants of those who came here to build Brasília, swell the receding hills.

Brasília is surprisingly green, almost suburban -- the grass, like the bricks, glass and concrete, having been transplanted at punishing cost to the empty savanna. Automobiles wind, like worker ants, in endless streams along the broad avenues and around the cloverleafs (Costa designed the city without traffic lights, sidewalks or intersections). The cars are practically the only things in sight that move. In a place of nearly 2.5 million residents, I spotted almost no pedestrians from above.

Bright white Buck Rogers concoctions, unmistakable among the nondescript banks and apartments, gleam in the sunlight. These are Niemeyer's buildings, romancing an austere landscape. They are beautiful and bizarre, isolated landmarks, marooned in the antiseptic environment, which they partly humanize by their erotic and symbolic charge. There in the distance is the National Congress, smartly off axis, with its vertical slabs balanced by two domes, half-melons, like Niemeyer's female bathers, one facing up, the other down. And in the opposite direction, the military parade grounds, with a swooping-roofed review stand and obelisk, like a gigantic sword and scabbard.

I set out for what is called the Pantheon, a memorial to Brazilian heroes, shaped like giant spooning birds, which when I walked inside it, off the empty plaza out of the blinding sun, seemed almost pitch black. A staircase, treacherous in the dark, rises dramatically to a vaulted room with an immense, sloped wall of stained glass designed by Marianne Peretti, facing painted scenes from the history of Brazil.

In the 1820's, Jose Bonifacio de Andrada e Silva, Brazil's so-called Patriarch of Independence, proposed the name Brasília for a future capital to be in the interior state of Goias, but moving the government from Rio went nowhere until Kubitschek, the former Belo Horizonte mayor, became president. There is a photograph of him in 1956 in the Kubitschek memorial museum in Brasília, which Niemeyer designed -- a part-sunken building, entered via a descending tunnel, fronted by terraced pools with a pillar, shaped like a sickle, bearing a sculptured portrait of the president. In the photograph, Kubitschek is a speck on a dirt path in the middle of endless scrub. The nearest paved road was then 400 miles away; the nearest railroad, 100 miles. In four years, this would be the city's center, now a shopping mall. ''Fifty years' progress in five,'' was Kubitschek's slogan.

Bruno Zevi, the Italian architectural historian, called Kubitschek's Brasília ''a city of Kafka.'' Simone de Beauvoir complained about its ''air of elegant monotony'' in which ''the street does not exist.'' Dreamers in the 1920's and 30's had imagined automobiles delivering crammed, creaky cities from overcrowding and disease. Brasília was finished in 1960, when that dream had already turned into suburban dystopia. A kind of un-city, a monument to centralized power and pedestrian inconvenience, it remains an urban anomaly. When I asked the driver to stop at the Ministry of Foreign Affairs, a sublime Niemeyer building we were speeding past, he pulled uneasily onto the shoulder of the avenue. The guide was flustered. Did I plan to walk across the street? This turned out to be slightly easier than strolling across an interstate highway. The ministry, magnificent inside, has a facade of gentle arcs and is set back from the street, floating above a goldfish and lily pond. Its central space is a glass-and-stone hall of ethereal calm, a kind of white box enclosing a broad spiral staircase, minus handrails, carpeted blue -- ingenious sculpture as ceremonial architecture -- and to one side of the hall, an Amazonian garden, which like the pond, is designed by Roberto Burle Marx, the great landscapist.

Naturally, no one wanted to move to Brasília at the beginning. From March through September, it can get drier than the Sahara, literally. But it is safer than most Brazilian cities; families say it is a good place to raise children. What had been envisioned by Costa as a city with 500,000 people and 100,000 cars by 2005 is now five times as populous and accommodates nearly a million cars; the vision of a middle-class utopia without poverty has been replaced by millions of poor people pressing in from the outskirts and by condominiums for the well-to-do sprouting up not far from the center of town, thwarting Costa's master plan. Brasília, in several ways, has become increasingly like every other Brazilian city.

''People still believed in the 1950's that, with industrialization, the situation would change,'' Maria Elisa Costa said over iced tea one gusty afternoon on the roof deck of the Caesar Park Hotel above Ipanema. ''People never thought that in 50 years there would be more poor people.''

She fished a photograph from her bag. ''My father suffered when people said Brasília was cold. He rarely went. But in 1984, I took him to a bar there.'' She showed me the picture, of him smiling in a restaurant. ''This could be anywhere,'' she said. ''Brasília was no longer an idea. It was a city, not a tourist city, but a real city. My father was a lucky man. You invent a city, and then you can have a drink in a bar in your city, the most ordinary thing.

''Brasília,'' she added, ''was a dream by young people,''

For his part, Niemeyer now deflects criticism of Brasília by stressing that Costa did the master plan. But he says: ''You may not like Brasília, but you can't say you have seen anything like it -- you maybe saw something better, but not the same. I prefer Rio, even with the robberies. What can you do? It's the capitalist world. But people who live in Brasília, to my surprise, don't want to leave it. Brasília works. There are problems. But it works. And from my perspective, the ultimate task of the architect is to dream. Otherwise nothing happens.''

I stopped into the cathedral, another Niemeyer masterpiece, shaped like a flower or a crown of thorns, dug into the ground. The entrance is a descending ramp that opens onto a towering, circular nave of light. Sixteen huge columns slant toward the center of the room. Stained glass by Peretti spans the columns. Facing the entrance, an oval platform, the altar, sits above a chapel dug a floor below.

The air was tropical and thick when I got inside, and the cathedral was nearly empty. Some of the glass was broken. Birds roosted between the cracked panes and behind the columns. A butterfly bumped against me, and I watched it zigzag toward the ceiling, into the sunlight.

''We absolutely need to look at the sky,'' Niemeyer once said, ''and feel how insignificant we are -- the offspring of nature.''


He was in a hotel room in Lisbon in 1964 when he heard on the radio that the Brazilian military, in a coup backed by the United States, had overthrown the government in Brazil. Niemeyer's studio was ransacked. So was the office of Modulo, the magazine he started. The day he returned, the army interrogated him, but he stayed in the country and continued to work for the next few years. ''Brasília still worried me,'' he recalled, ''but little by little, after the military coup, I felt the political pressure against me was growing.'' A plan he designed for Brasília's airport -- a circular terminal -- was rejected. The Julia Kubitschek School he had built was demolished. Working on the Ministry of the Army in Brasília, ''the officer in charge told me I would be arrested the next day for giving money to people in hiding.'' With help from Malraux, he set up an office in Paris.

He remained in self-imposed exile from 1967 until the 1980's. Some of his best buildings came during this period: in Italy, a headquarters for Mondadori, the publisher, set into a pond, not unlike the Foreign Ministry in Brasília; and in France, a cultural center in Le Havre and the Communist Party headquarters in Paris.

About Niemeyer's Communism, Brazilians shrug. Pressed, Niemeyer will reminisce about his Lenin Prize in 1963, the same year he was made an honorary member of the American Institute of Architects, some years before Pope John Paul II appointed him Knight of the Order of St. Gregory the Great. And he will describe his only trip to Moscow, to see the Bolshoi and to meet Soviet architects: '''On the politics, I'm with you,' I told them. 'But your architecture is awful. Look, I didn't come here to criticize, but you asked. It's terrible.''' After the Soviet Union collapsed, the Brazilian Communist Party changed its name to the Popular Socialist Party, and Niemeyer led a Marxist-Leninist splinter group, telling the newspaper O Globo that ''all this talk that Communism is dead is baloney.'' Today, Prada uses his Paris Communist Party headquarters for parties, and Louis Vuitton and Dior have made it a backdrop in advertising campaigns.

''In the end, Oscar represents modernism as a style without the usual ideology,'' Cavalcanti, the architectural historian, told me. This, Cavalcanti added, is partly what makes him influential with young architects.

He clearly won't be easy to imitate, though. Brazil is full of Niemeyer knockoffs. Before flying to Rio, I saw the Strick house in Los Angeles, the only private building in the United States he was hired to design. Niemeyer drew up plans that resembled the layout at Canoas. But the project was changed, and another architect took over. Niemeyer now waves his hand when I ask about it, saying he had nothing to do with the result. It's a handsome modern building, lovingly restored, but not what it would have been had he had his way.

In downtown Rio, I also stopped into the Cathedral of St. Sebastian, built under the dictators during the 70's -- a gigantic, seeming parody of Niemeyer's cathedral in Brasília. It has the rounded, cone-shaped design, the oval altar, but it is as oppressive and grim as Niemeyer's buildings, even the most monumental ones, are uplifting. Nobody has made drip paintings after Jackson Pollock, but he gave generations of artists the license to dream. Niemeyer may turn out to be the same sort of artist.


Niterói is a breezy drive across an eight-and-a-half-mile-long bridge from Rio. The museum for contemporary art that Niemeyer designed there was conceived to raise the profile of what is sometimes called Rio's Oakland, a working-class city on the other side of the bay. The cathedrals and ferry terminal he is now planning are meant to do more than that: to rejuvenate the city's economy and waterfront.

Niemeyer's museum is easy to spot from a distance. It looks like a flying saucer landed on a spectacular promontory, with a panorama of Sugar Loaf mountain in Rio as backdrop. Opened in 1996, it instantly became Niterói's icon. Slender and white, resting on its stem, it rises out of a reflecting pool that, from the plaza in front, seems to merge with the water in the bay below. Visitors walk up a spiraling ramp to gaze through wraparound windows at the view.

The money must have run out (the construction budget was a measly $5.3 million), to judge from the state of the interior. But the general design, touchingly hokey, is whimsical and grand. Niemeyer was nearly 90 when he finished it. He was still dreaming big.

Through the windows, I absently watched children play in the murky surf while puffs of clouds drifted across the bay. In his memoir, Niemeyer recalled daydreaming during a drive to Brasília. (He hates to fly.) He saw the shape of a voluptuous woman in the clouds. ''And she remained there for a long time, looking at me from a distance, as if inviting me to join her,'' he wrote. ''What I feared happened. Gradually my girlfriend disappeared, her arms expanded in despair.

''And I felt that this perverse metamorphosis was similar to our own destiny. We are obliged to be born, grow, struggle, die and disappear forever.''

Michael Kimmelman is the chief art critic for The New York Times. He last wrote for the magazine about the artist Michael Heizer.
Multimedia 7

Oscar Niemeyer's 'Surprise and Enchantment'


Simon Norfolk/NB Pictures for The New York Times

Oscar Niemeyer in his office overlooking Copacabana Beach.

 
Simon Norfolk/NB Pictures for The New York Times

The presidential office in Brasilia.

The Last of the Moderns
By MICHAEL KIMMELMAN
Texto com Slide Show

Thursday, May 26, 2005

Luiz Garcia:Jogo mal jogado

Pergunta de algibeira: até que ponto vai o índice de corrupção do governo Lula?Alguma corrupção, todo mundo reconhece, sempre existe deste lado do Equador e do outro também. Mas há intensidades e tipos diferentes. Existe a roubalheira comandada do alto, à maneira de um projeto de governo acima de todos os demais. O Brasil teve, como caso isolado — pelo menos, é o que se acredita — o governo Collor.


Há também a ladroagem ocasional e localizada. Teria acontecido, para citar o exemplo mais recente, no governo Fernando Henrique. Sua epígrafe seria a frase notável de Mendonça de Barros (presidente do BNDES e depois ministro das Comunicações), dirigindo-se a companheiros dos altos escalões: "Senhores, estamos atingindo o limite de nossa responsabilidade."

Mesmo atingido, esse limite com toda certeza não foi ultrapassado naquele tempo, que se soubesse. A imagem que ficou dos oito anos de Fernando Henrique não chegou a ser negativa no item da honestidade (certamente não tanto como no capítulo de trapalhadas generalizadas) — e foi positiva em diversos outros.

O governo Lula poderá chegar ao seu último dia, digamos que ao fim de oito anos, com imagem semelhante. Será preciso melhorar bastante, na essência e na forma. Não se impõe apenas ficar aquém do "limite de responsabilidade" mas aumentar consideravelmente a eficiência na gestão das alianças políticas. Sem esquecer de forçar a redução do apetite das bases por cargos públicos.

Do jeito que as coisas foram conduzidas, a poucos deve surpreender a denúncia da existência de um esquema corrupto nos Correios. A se confirmar o conteúdo das fitas gravadas, quantos políticos em Brasília terão o direito de se declararem de queixo caído?

Com certeza não os da oposição. Como já contou um deles — vangloriando-se, naturalmente — no governo anterior praticava-se com os aliados a política da "mentira cívica". Ou seja, aos amigos de ocasião prometia-se tudo e quase nada se entregava.

Neste governo, muito se promete e bastante se entrega, tanto a militantes históricos como a aliados ocasionais. É comportamento que conduz à perda do controle sobre a máquina pública. Não adianta depois alegar que o pedido de CPI é jogada política. Claro: quantas coisas acontecem em Brasília que não são? Mas a CPI será também reação inevitável a uma política mal jogada pelo Palácio do Planalto.
o globo

LUÍS NASSIF :O caso do PC Conectado

 Há certa confusão nas críticas feitas ao programa PC Conectado, pelo fato de exigir apenas softwares livres no computador. Alega-se que, como o Windows é o sistema operacional hegemônico nos computadores pessoais, os "incluídos" do software livre seriam os "excluídos" do sistema predominante.
Não é bem assim. Há dois tipos de público: o profissional e o usuário individual. Qualquer política de desenvolvimento de software no país precisa contemplar não apenas o livre mas os sistemas e programas mais utilizados no mundo, como Windows, Oracle, SAP etc.
Quantos aos usuários individuais -especialmente os que irão adquirir o primeiro computador-, precisarão, no básico, de um editor de texto e de uma planilha, um navegador para a internet e um programa de e-mails. Adicionalmente, programas de apresentação e bancos de dados, softwares que rodem programas de áudio e vídeo.
Só que, no reino do software livre, todas essas ferramentas "office" viraram commodities, com similares à altura dos originais. Existe o OpenOffice, que emula todos os comandos do Microsoft Office. O acesso ao OpenOffice habilita o usuário não apenas a dominar o OpenOffice como os aplicativos do Microsoft Office. E de graça.
Mas é importante que o PC Conectado não se transforme apenas em um distribuidor de aplicativos. Tem que servir de base para uma política de modelagem do negócio de software livre.
Esse pessoal trabalha de duas maneiras: ou sistemas próprios, em cima de plataformas livres e abertas, ou na integração de aplicativos de software livre. Ainda há muita dificuldade em definir o modelo de negócio -que lhes permitirá se profissionalizar, ganhar dinheiro e crescer.
O primeiro passo é definir um padrão de Linux único a ser utilizado. Embora seja um sistema aberto, nos últimos anos surgiu um modelo torto de negócio, de distribuidoras de Linux operando com a cabeça de software proprietário, compilando programas apenas para seu próprio ambiente. Há que colocar ordem nessa zorra.
O segundo ponto consiste em definir o negócio do pequeno desenvolvedor. Um modelo de negócio é o de prover serviços de atualização dos aplicativos e de assistência técnica remota. O sucesso do programa, aliás, dependerá da capacidade permanente de atualização dos sistemas e aplicativos.
Outro ponto relevante é estimular sistemas de rede que permitam economizar hardware e integrar comunidades, especialmente a escola pública. O Ministério da Educação pode ter, aí, a chance de implantar definitivamente as bibliotecas virtuais e outras possibilidades abertas pela inclusão digital.
folha de s paulo

Tuesday, May 24, 2005

Em notas, PT e PSDB sobem o tom de ataques

 DA REPORTAGEM LOCAL

Em notas duras divulgadas ontem, PT e PSDB deram sequência aos ataques mútuos que haviam desferido um contra o outro no final de semana, quando ambas as siglas reuniram suas lideranças.
O PT reagiu às declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que no sábado, havia comparado o governo Lula a um "peru bêbado", durante discurso em São Paulo.
A nota do PT acusa a certa altura o ex-presidente de ter cometido um ato de "elitismo arrogante", baseando-se em uma frase que FHC na verdade não disse e que foi transcrita incorretamente pela Folha (leia a seção Erramos). Segundo a edição de anteontem do jornal, FHC teria dito que "a sertanização" por que passa Brasília "pode atingir a democracia". O PT viu na afirmação um sinal de preconceito contra o "povo humilde". FHC, porém, se referia aos riscos da "centralização" do poder em Brasília.
Momentos antes, defendeu que seu partido deveria se voltar mais à vida política local: "Temos de olhar mais o município, a casa, o vizinho. Porque olhando lá para cima, vendo a centralização, vendo essa Brasília que em algum momento foi chamada de a ilha dos sonhos, dá uma desilusão enorme. Isso é sério. Isso é sério e pode atingir a democracia. E nós somos democratas. Nós não queremos ver a desmoralização da classe política", disse Fernando Henrique.
Na nota que divulgou ontem, em reação ao documento petista, o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), nega que o ex-presidente tenha falado em "sertanização" (leia as íntegras das notas à direita).

Metáfora singela
O texto petista repudia a comparação de FHC entre o governo petista e "um peru bêbado". Para Genoino, "não se trata apenas de uma inadequação na boca de um ex-presidente , nem apenas de arrogância, conduta que o caracteriza desde quando exercia a Presidência". O documento diz que o ex-presidente "exercitou um grosseiro ato de provocação explícita ao atual governo".
Durante encontro no sábado, FHC disse que o país vive um momento "em que todos se olham e se perguntam: qual é o rumo?". O próprio Fernando Henrique completou: "O que vão fazer conosco? Ou vão simplesmente jogar a culpa no passado, derrotados como peru bêbado em dia de Carnaval".
Na nota de reação tucana, Azeredo defende a metáfora usada por FHC: "Por singela que seja a metáfora, ela expressa o que todo mundo percebe: a agenda legislativa está paralisada, o governo não sabe como reatar suas conexões no Congresso e não apresenta ao país um horizonte mais promissor", diz o texto.
"A referência à falta de rumo do governo -constatação óbvia nas últimas semanas- foi feita por uma comparação singela aos perus de Natal, aos quais se embriaga e se os põe em um círculo de giz do qual não saem. A reprodução pela mídia, referindo-se ao Carnaval, é incorreta", continua a nota do PSDB. O ex-presidente usa, porém, a expressão "dia de Carnaval", conforme a gravação.
Genoino disse à Folha que "quem está tonto e perdeu a cabeça" é FHC. "Ele perdeu a noção e o parâmetro da oposição para virar uma vivandeira da crise".
A nota do PSDB questionou a "autoridade" do PT para fazer as críticas: "Que autoridade tem quem, em passado recente, gritou "fora FHC", com o objetivo de desconstituir um Governo democrático, para criticar quem apenas quer evitar a crise?"
Na nota petista, Genoino afirma: "Parece que o seu objetivo [de FHC] consiste em insuflar artificialmente uma suposta crise institucional". De acordo com o petista, "não há crise, há um problema político de agenda, de maioria no Congresso", que, ainda segundo Genoino, "o PT está resolvendo".
"Quanto às menções sobre o ex-presidente estar apostando numa crise institucional, não é certo. Ele não se referiu à conjuntura, mas ao notório desligamento entre o sistema político e os eleitores. O não-cumprimento, pelo governo, das promessas do PT acelera a frustração do eleitorado", diz a nota tucana.

Monday, May 23, 2005

Eric Nepomuceno: A solidão de uma vida inacabada

Eric Nepomuceno: A solidão de uma vida inacabada


Carson McCullers morreu em 1967. Deixou uma autobiografia a meio escrever. Em tudo na sua história densa e agoniada, há uma coerência tremenda: como sua vida, a autobiografia ficou inacabada. As coisas sempre acontecendo fora de hora, muito antes ou muito depois. Do quê? Ela nunca soube. Só soube dos desencontros do tempo.

Foi uma das mais inquietantes escritoras norte-americanas. Sua literatura está coberta de dor, recheada de injustiças, violência e doses maciças de crueldade. Pouca gente tratou, como ela, da solidão e do grotesco da condição humana. Uma prosa voraz, lírica e afiada feito navalha que rasga a madrugada. O grito dos solitários sem saída.

Viveu 50 anos, mais da metade deles abalada por doenças misteriosas e dolorosas, operações delicadas e complexas, períodos negros de convalescença desesperançada. Desde seus 15 anos, escrever e suportar as agruras de um corpo minguado e maltratado andaram lado a lado. Ela ainda se chamava Lula Carson Smith quando ganhou sua primeira máquina de escrever. Uma espécie de consolo para a moça que queria viver de música e teve uma grave pneumonia. No ano seguinte escreveu seu primeiro conto, conheceu o primeiro grande amor e descobriu o prazer fulgurante dos exageros. Era precoce em tudo: aos 19 anos fumava três maços de cigarro por dia, tinha um marido chamado Reeves McCullers que bebia bem parar - ''o único homem que beijei na vida'', dizia ela -, e os médicos diagnosticaram uma tuberculose aguda em seu corpo de palha.

Naquela altura de sua vida breve, a moça frágil e miúda padecia de uma artrite crônica e perversa, que iria paralisar metade de seu corpo e consumi-la até o fim.

E foi assim, doente, que escreveu o primeiro livro, publicado em 1940: O coração é um caçador solitário. O título veio de um poema de William Sharp, que trazia o verso contundente: ''Mas meu coração é um caçador solitário/ que caça em uma colina solitária''. Provocou um impacto enorme. Os leitores foram aos limites da emoção e os críticos apressaram-se em dizer que surgia, no mais profundo Sul do país, uma autora capaz de instalar-se no mesmo patamar destinado a ícones como William Faulkner.

Depois dos desastres do amor, Carson McCullers estava morando em Nova York, separada do marido, e loucamente apaixonada por uma suíça bela e fugaz chamada Annemarie Clarc-Schwarzenbach. Sua vida era uma turbulência desenfreada que haveria de acompanhá-la até o fim. O caso com a suíça durou pouco. As lembranças e as marcas ficaram para sempre. Elas nunca mais se encontraram.

Vieram depois os contos de Reflexos em um olho dourado. O livro foi lançado no dia 14 de fevereiro de 1941 - que, nos Estados Unidos, é o Dia dos Namorados. Estava dedicado a Annemarie. E então, aos 24 anos, Carson McCullers adoeceu outra vez. Enfrentava tremendas dores de cabeça e, volta e meia, perdia a visão.

Escreveu até o fim. E, até o fim, viveu a angústia que confessou a uma psiquiatra, em certo dia de exaustão e melancolia do final de 1958:

- Doutora, perdi a minha alma.

A resposta foi suave: ''Acho que não perdeu não. Acho que ela está apenas extraviada''. Era preciso encontrá-la de novo.

A busca durou até 19 de setembro de 1967, o último dos dias de Carson McCullers. Sabia que jamais encontraria a alma extraviada. Sabia que estava perdida para sempre, e que no peito carregava um coração fatigado, um caçador solitário em sua caçada sem fim.

Sunday, May 22, 2005

LUÍS NASSIF:FHC e Campos Salles

 Recomenda-se a quem quiser entender o governo Fernando Henrique Cardoso, uma consulta ao livro "República do Catete" (Museu da República, 2001), uma coletânea de ensaios sobre a história da República, especialmente os capítulos referentes ao governo Campos Salles.
Logo após eleito, FHC anunciou que seria um novo Campos Salles. De fato, foi uma cópia perfeita de Campos Salles (1898-1902), com quase cem anos de atraso.
Campos Salles foi o criador de um modelo que assegurou a governabilidade à República Velha, até 1930, à custa do desenvolvimento nacional. A "Política dos Governadores" era um pacto liberal-oligárquico. Numa ponta, dava plena liberalização aos capitais e criava regulamentos e concessões que favoreciam os financistas -pessoas com noção de modernos modelos de negócios, capazes de reciclar a poupança brasileira guardada no exterior. Na outra ponta, articulava-se com as forças estaduais mais influentes e anacrônicas. Poucas vezes os financistas ganharam tanto; nunca os coronéis foram tão poderosos.
Outra afinidade foi na definição do ministério. Em ambos os casos, o ministério refletia as afinidades do presidente, mais do que composições partidárias. Campos Salles pôs Joaquim Murtinho na Fazenda, por concordar com sua ortodoxia. FHC pôs Malan, que se tornou ortodoxo para concordar com FHC. A família de Murtinho foi proprietária de um banco e de uma estrada de ferro constituída na volta final do "Encilhamento" (movimento especulativo que explodiu logo após a Proclamação da República). Os economistas de FHC se tornaram, todos eles, sócios ou altos funcionários de bancos de investimento beneficiados pela especulação dos anos 90. Todos tinham horror a políticas industriais.
A herança de Campos Salles pairou sobre FHC na visão rasa da inserção do Brasil na economia internacional, na emulação dos aspectos mais superficiais da economia norte-americana, no pacto de governadores, no profundo desprezo pelo povo, no esmagamento das finanças estaduais, no corte dos gastos de educação e saúde. O único credor considerado era o externo. Provavelmente porque esse capital era constituído de depósitos brasileiros em bancos londrinos.
Outra característica do comportamento político de ambos foi a ausência de lealdade partidária. FHC praticamente ignorou as alas majoritárias do PSDB, como Campos Salles ignorou as do PRF (Partido Republicano Federal).
Em ambos os casos, a imagem que foi vendida à população foi a de um "candidato desvinculado da entropia dos anos caóticos": no caso de Campos Salles, a herança de Deodoro, Floriano, Prudente de Morais, do "Encilhamento"; no de FHC, a herança de Sarney, Collor, Itamar, dos anos de superinflação.
Ao repetir Campos Salles, o erro fundamental de FHC foi não se dar conta de que o Brasil dos anos 90 não era mais o país quase selvagem do início do século. Já se tinha uma industrialização completada, que precisava ser exposta à competição externa. Havia agentes privados, PhDs, institutos de pesquisa, uma classe operária relativamente moderna, multinacionais de porte, um agronegócio promissor, novas regiões de colonização. No plano internacional, as grandes multinacionais começavam a realocar unidades pelo mundo, e o Brasil era um dos portos preferenciais graças ao potencial de consumo liberado nos primeiros meses do Real.
A Constituição de 1988 e o primeiro ano do governo Collor liberaram energias que, nos anos seguintes, ajudariam a segurar as pontas do país. Foi o que restou no final da década, depois do vendaval especulativo resultante da apreciação do câmbio e das taxas de juros praticadas.
A história reconhecerá que FHC foi um "macunaímico" -para usar sua autodefinição. Campos Salles criou uma tecnologia de governabilidade que durou duas décadas. A de FHC provavelmente não resistirá ao seu sucessor.
Mas ambos se igualam no fato de terem desperdiçado as duas maiores oportunidades de desenvolvimento do século.
Folha de S Paulo

JANIO DE FREITAS :A união faz a farsa

 O mal dos escândalos esporádicos de corrupção, a exemplo desse extraído dos Correios por mais uma gravação imprevista, é deixarem a impressão de casos circunscritos a si mesmos, isolados e ocasionais, tão chocantes para os integrantes de governos e para os parlamentares quanto para os cidadãos em geral. A corrupção, no entanto, tornou-se um sistema. A administração pública no Brasil está carcomida pela corrupção como a madeira por cupins. A corrupção passou a ser uma das instituições que compõem a alma e a forma do regime político brasileiro. Nasce em palácios e no Congresso, nas assembléias estaduais e nas câmaras municipais, e invade a administração. Seu instrumento é o processo das nomeações para cargos públicos.
Quem cobra cargos e quem os dá sabem, ambos igualmente, para que servem esses cargos.
Quem cobra cargos e quem os dá sabem, ambos igualmente, que a cobrança e a nomeação não visam, nem remotamente, o interesse público.
No melhor dos casos, e melhor aí exprime também pequena minoria, os nomeados valem-se dos cargos para ampliar bases eleitorais em benefício do padrinho ou benefício próprio. Fazem-no por meio de empregos, contratações, serviços direcionados e outros favorecimentos. Ou seja, beneficiam-se e aos padrinhos politicamente à custa de recursos da administração pública. Corrupção eleitoral e política, portanto. Executada pela parte beneficiada com a nomeação e patrocinada pela parte autora da nomeação (ou ordem para nomear, que dá no mesmo).
Para quê congressistas, deputados estaduais e vereadores desejam, insaciáveis, tantos cargos sempre ligados, ainda que indiretamente, a compras, vendas, concorrências e contratações? A pergunta dispensa resposta. Que tanto está na intuição de qualquer de nós, como nos patrimônios materiais que circundam políticos, em acúmulos fáceis e rápidos, com a desfaçatez do próprio nome ou com os inúmeros truques facilitados pela omissão das várias fiscalizações possíveis, mas nunca voltadas para políticos.
Sempre houve corrupção eleitoral e política, como sempre houve todos os males de que o homem é capaz. De duas décadas para cá, porém, instalou-se no Brasil um processo extensivo de corrupção descarada e generalizante nas administrações públicas. Só repelida, e em termos, quando o justificável excesso de confiança na liberdade da corrupção permite um flagrante embaraçoso. Diz-se que as polícias estão minadas pela corrupção: é que policiais corruptos estão forçosamente mais expostos, ao passo que o recesso de gabinetes administrativos e parlamentares oferece ambiente propício. Mas na dimensão dos favorecimentos e montantes obtidos por corrupção, os gabinetes nem se rebaixariam a uma comparação com as polícias.
A degeneração das duas décadas teve um momento exponencial na sua primeira fase, com a concessão a granel de canais de rádio e de TV, feita pelo então ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, a parlamentares em troca de determinados apoios ao governo Sarney no Congresso e na Constituinte. A aceleração do processo degenerador deu-se no governo Fernando Henrique. Necessitado de votos para aprovar medidas que a maioria (do Congresso e do país) não apoiava, Fernando Henrique adotou o método de comprar os de convicções corrompíveis, com cargos utilitários e favorecimentos variados.
Lula, que não poderia vender as telefônicas e energéticas já vendidas, adotou o método de aquisição de apoios parlamentares por falta de coragem, além de outras faltas, para iniciar um processo de moralização, tanto da Presidência como da vida parlamentar, pela discussão das inovações e mudanças que o eleitorado dele esperou. Apoio da sociedade para fazê-lo não lhe faltariam, na medida mesma em que não lhe faltaram votos para as inovações prometidas.
Muito mais ilustrativo do processo de degradação, mais do que o caso dos Correios e todos os Waldomiros juntos, é o recente episódio em torno de um cargo na direção da Petrobras: diretor de Exploração e Produção. Assim foi a insistência de um interlocutor da ministra das Minas e Energia, Dilma Roussef, que lhe propunha um cargo alternativo para o seu apadrinhado: "Eu quero o cargo que o presidente me ofereceu durante a viagem a Roma".
O interlocutor de Dilma Roussef era Severino Cavalcanti. A respeito de Lula, é suficiente realçar a expressão ME OFERECEU. O que foi oferecido é um cargo técnico que transaciona com dezenas de bilhões da maior empresa brasileira.
É impossível oferecer o cargo sem as dezenas de bilhões que o fazem existir e ser grande responsável pelo êxito assombroso da Petrobras (salva por pouco no governo passado). Na ótica administrativa e ética de Lula, esse cargo e seus bilhões são apenas moedas para aplacar as chateações que Severino Cavalcanti lhe vem criando, menos do que diz o noticiário alardeante e mais do que o governo patético sabe evitar por meios hábeis e limpos.
Por que e para quê o presidente da Câmara há de tutelar um cargo técnico dotado de dezenas de bilhões em empresa administrada pelo Executivo? Por que e para quê o presidente da República põe no balcão da politicagem o cargo e os bilhões?
Não fosse a divulgação da frase de Severino Cavalcanti, a transação com aquela diretoria seria ignorada cá fora. Pois é sob esse desconhecimento que a administração pública está carcomida de fora a fora. A moralidade administrativa é uma farsa.
folha de s paulo

Wednesday, May 18, 2005

Previdência chilena é conversa fiada por José Paulo Kupfer

Previdência chilena é conversa fiada

19.05.2005 |  A previdência social é o suspeito de sempre quando as teorias neoliberais aplicadas à economia começam a desandar. Tem sido assim, em todas as partes do mundo, nos últimos 25 anos. Se nem a poderosa economia americana escapa da regra, o que dizer da brasileira, coitadinha, onde ainda há o agravante das fraudes bilionárias.

Encarada não como uma questão social, mas como mero problema fiscal, a previdência garantida pelo Estado tem sido mais e mais desossada toda vez que a política monetária (leia-se juros altos) falha no controle da demanda e, em conseqüência, da inflação. Constatada a falha, os dedos acusadores se voltam, pavlovianamente, para o lado fiscal da economia.

Claro, há um problema fiscal no meio do caminho. É um problema agravado pela própria política de juros, por uma confusão, nem sempre inocente, entre gasto público e gastança e, sim, por desperdícios. Mas por que não passa pela cabeça dessa gente iluminada que a economia também tem um lado de oferta – movida a investimentos que, igualmente por conta dos juros altos, não se realizam ou ficam aquém das necessidades?

A corda, então, estoura do lado mais fraco – dos pobres, dos velhos e, pior de tudo, dos velhos pobres. E lá vai a previdência pública para o banco dos réus pagar uma conta que não é dela. Até porque, no Brasil, a rubrica "previdência social" mistura a previdência propriamente dita com uma larga faixa de assistência social e redistribuição direta de renda, alcançando brasileiros que não contribuíram ou contribuem para a formação do bolo. A prova é que, separados os benefícios e contribuições de quem recebe mais de um salário mínimo, a Previdência registra superávit corrente.

Ainda assim, os acusadores sempre têm uma "solução" no bolso do colete: o modelo da previdência chilena. Posso adiantar de que se trata de conversa fiada. No Chile, há quase 25 anos, sob a ditadura Pinochet, foi feita uma grande e ousada reforma previdenciária, cuja essência povoa os sonhos de consumo neoliberal. Lá sob as botas dos militares foi feita a substituição do sistema de repartição pelo de capitalização. Traduzindo: em lugar de um sistema no qual as contribuições de todos formam um bolo que depois é distribuído, como ainda é, por exemplo o que se faz no Brasil, adotou-se a norma de que, mesmo na previdência pública, cada cidadão formaria sua própria poupança individual, à maneira dos fundos de previdência privados.

O caso da previdência chilena virou um ícone neoliberal. Pena que ela seja tão ou mais elogiada quanto desconhecida. A informação que nunca aparece, senhores, é que a previdência chilena, apenas duas décadas e meia depois de implantada, está fazendo água. E as projeções indicam que, sem reformas, exatamente como as outras, pode quebrar. E agora?

Já chega a 6% do PIB o volume de recursos públicos absorvidos, anualmente, pela previdência chilena. Mais do que o governo chileno destina à saúde e à educação. Se ainda é metade do que o Brasil gasta em previdência e assistência, segundo um cálculo recente, é bom saber que, em 1981, quando o sistema foi criado, não consumia mais de 2% do PIB e estava projetado para se estabilizar em 3% a 4% do PIB, a cada ano.

Tem mais: 85% dos participantes, na época de implantação do sistema, conseguiam manter seus depósitos como contratado, mas hoje não mais de 50% dos participantes honram as cotas definidas no plano pessoal de capitalização. É, sem tirar nem pôr, uma bomba relógio, à semelhança da previdência brasileira. E mais ainda: há evidências de que pelo menos 30% da população, em razão da sua baixa renda, não conseguiriam juntar o valor mínimo necessário para formar poupança mínima capaz de assegurar-lhes pensão maior do que a base de US$ 80 mensais garantida pelo Estado até mesmo às donas-de-casa.

Essas e outras informações, num detalhado raio-X da previdência chilena, podem ser encontradas no trabalho da jornalista Soraia Duarte para a revista que dirijo, Foco – Economia e Negócios, realizado há exatamente um ano. "O modelo original era vendido como milagroso, pois prometia aumentar os postos de trabalho, aumentar a renda e baixar a informalidade", lembra um dos entrevistados, o economista Andras Uthoff, coordenador do Departamento de Estudos Especiais da Cepal, em Santiago.

Adivinhem qual é a "solução" em debate no Chile para cobrir o "rombo"? Obviamente duas: reduzir o benefício mínimo garantido ou ampliar os requisitos para recebê-lo. Agora, adivinhem a explicação para o desarranjo chileno? Baixo crescimento econômico, empregos insuficientes, informalidade. Qualquer semelhança com as verdadeiras causas da bomba relógio previdenciária brasileira, como se vê, não é mera coincidência.

Villas-Bôas Corrêa:A roça dos erros


O presidente Lula não pode culpar o caiporismo pela coincidência dos escândalos em série, pipocando de todos os lados, no exato momento em que soca na caixa do peito as pancadas do arrependimento e tenta remendar os estragos, começando pelo ensaio de articulação de um acerto no Congresso, especialmente com a Câmara, dominada pelo baixo clero e enlouquecida pela bagunça, para juntar os cacos da sua base aliada com a boa vontade de amplas áreas oposicionistas.

Apelar para a desculpa do azar na coincidência de escabrosas denúncias é querer tapar com guarda-chuva roto a tempestade que desaba, com raios e trovões, de uma crise mais profunda e de gravidade que não se esconde com a máscara do disfarce.

O governo colhe os frutos podres de erros primários da teimosia, da inexperiência e da omissão, na semeadura que começou logo nos primeiros dias depois da posse do presidente, há dois anos, quatro meses e doze dias. Se o tinhoso candidato perseguiu o sonho de chegar à Presidência em três derrotas e na vitória consagradora sem aproveitar os muitos anos com todo tempo à disposição para corrigir as deficiências da sua formação de notórias dificuldades, pelo menos poderia ter mirado nos equívocos do seu antecessor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, uma das suas obsessões e dos seus cupinchas.

Com a diferença irrelevante de que FHC tropeçou na pressa em garantir o direito à reeleição e inverteu a prioridade natural de completar as reformas que caminhavam rapidamente no Congresso para jogar todas as fichas no segundo mandato. A manobra desastrada contaminou os oito anos: o governo enfraqueceu-se ao ceder à barganha dos votos por vantagem e nomeações.

Lula chegou ao governo com a rota desimpedida. E as condições ideais de prestígio, popularidade, a escora dos 53 milhões de votos no segundo turno para seguir a lição da sabedoria e aproveitar o instante mágico que dura pouco para arrancar do Congresso, de graça, a aprovação das reformas dos seus compromissos de quatro campanhas.

Com a estrada pavimentada à sua frente, enveredou pelos atalhos dos erros e da arrogância. Não precisava aprender nada quem já sabia tudo na vitoriosa ascensão do maior líder sindical do país. E deu no que se está vendo. As reformas empacaram, adiadas para sempre. Nem mais são cobradas. Ninguém fala em reforma agrária, em reforma política, reduzida a paliativos irrelevantes, embora necessários, como o fim da verticalização que obriga a coerência das alianças partidárias em todos os níveis, do imoral troca-troca de partidos e outras ninharias; em reforma administrativa, em reforma judiciária.

Se não soube aproveitar a hora das reformas também não cuidou de aprender os rudimentos primários da administração. O paquiderme ministerial de 26 ministros e secretários não disse ao que veio, salvo as exceções de praxe. No vazio das omissões, prosperam as crises e as distorções. O que não foi feito na hora certa não tem mais conserto.

Perdido e afinal desperto, Lula lança-se ao improviso dos alinhavos de trapos nos rombos. Não sabe para que lado deve voltar-se. A aflitiva articulação de reuniões com os presidentes do Senado, da Câmara e dos partidos, dos líderes de bancadas e do infalível ministro José Dirceu tem uma oportunidade em um milhão de render mais do que declarações formais. Nem o governo tem nada para oferecer, nem é viável um entendimento com a participação do deputado Severino Cavalcanti.

A podridão que contamina a Assembléia Legislativa de Rondônia, com as cenas de corrupção explícita exibidas no vídeo com o elenco de vários parlamentares e do governador Ivo Cassol, que gravou as propostas de propinas de deputados estaduais, respinga lama para todos os lados. Com o apimentado da decisão do desembargador Gabriel Marques, presidente do Tribunal de Justiça do Estado, proibindo a exibição da reportagem pela afiliada da Rede Globo, com descarado retorno da censura à imprensa.

Os episódios de novela da corrupção no nicho dos aliados do PTB, envolvendo o presidente do partido, deputado Roberto Jefferson - que só pode ser cauterizado com uma Comissão Parlamentar de Inquérito - e da histórica sentença da juíza Denise Appolinária, da 76ª Zona Eleitoral de Campos, que puniu o casal Anthony Garotinho e Rosinha, declarado inelegível por três anos, completam o quadro caótico em que se debate o governo.

E a saída é a cada dia mais difícil e improvável.
jb

LUÍS NASSIF:A obviedade maldita

Em sua apresentação no 17º Fórum Nacional, promovido pelo ex-ministro Reis Velloso, na semana passada, o economista Affonso Celso Pastore mostrou um diagrama sobre a crise.
A rigor, ele mostra o seguinte:
1. Há um choque cambial, deflagrado por crises internas ou externas. Os dólares saem do país, provocando uma desvalorização cambial.
2. A desvalorização provoca um aumento da inflação, obrigando a uma elevação das taxas de juros.
3. As taxas de juros provocam um aumento na dívida pública interna.
Qual a saída proposta por Pastore? Aumentar o superávit fiscal para contrabalançar o aumento da dívida. Seu diagrama termina aí.
Se continuasse, poderia demonstrar que os juros elevados atrairiam novamente dólares, levando a uma apreciação do câmbio e plantando as sementes de uma nova crise -devido à apreciação do câmbio e ao aumento da dívida interna. Incluindo esses elementos adicionais, o diagrama retornaria ao ponto de partida inicial.
Repare que, no diagrama de Pastore, o início do processo é o choque cambial. No diagrama completo, ele é o ponto inicial e o final.
A cada crise, os dólares fogem do país. Passada a crise, retornam apreciando o câmbio. Depois fogem na crise seguinte, que pode ser deflagrada ou por uma crise externa ou por motivos internos -um dos quais é o crescimento da dívida pública.
É de uma obviedade cristalina que a variável central, que explica todos os demais pontos do diagrama, é a volatilidade do câmbio. É essa volatilidade que periodicamente traz de volta a inflação, que leva ao aumento dos juros, que impacta a dívida pública, que impede o planejamento de investimentos.
Nesta semana, entrevistado pelo "Financial Times", o "pai" do Consenso de Washington, John Williamson -depois de apontar virtudes de seu receituário-, explicou assim o fracasso da América Latina com a liberalização:
1. Ele defendia taxas de câmbio competitivas, mas os governantes optaram pela apreciação do câmbio.
2, Houve um endividamento muito rápido em razão do fato de "os governantes terem deixado o capital externo entrar livremente".
3. O consenso reduziu-se ao credo de que bastaria liberalizar que todos os problemas se resolveriam por si. Ele diz que não ocorreu a ele que esse simplismo seria adotado pelos governantes.
O nó da estagnação reside em algumas questões cada vez mais óbvias, mas das quais se foge como o diabo da cruz:
1. Acabar com a volatilidade do câmbio. Isso implica ter superávits comerciais cada vez mais robustos e estabelecer distinções claras para o capital de curto prazo. Preservem-se linhas comerciais e outras essenciais para o desenvolvimento, e coloquem-se limitações severas a todo tipo de capital meramente especulativo.
2. Trabalhar decididamente alternativas para a dívida pública. Há estudos consistentes mostrando a possibilidade de constituição de fundos -com ações preferenciais de estatais, fluxos de recebíveis- que permitam gradativamente a troca de títulos da dívida por cotas desse fundo a ser criado.
O resto é masturbação econômica.
folha de s paulo

Sunday, May 15, 2005

Na contramão do 1º mundo - Marcelo Medeiros

<br> <div style="font-size: 70%;" id="creditoespecial"><br> </div> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Os países mais adiantados, neste início do século 21, estão tendendo, politicamente, ao conservadorismo. Ao contrário do que se poderia prever nas décadas de 60 e 70. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> A vitória de Bush em novembro de 2000 contra o vice-presidente democrata Al Gore foi um indício da ascensão dos políticos conservadores. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Em abril de 2002, o resultado do primeiro turno da eleição presidencial francesa surpreendeu o mundo. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Os dois candidatos apontados como favoritos eram o presidente Jacques Chirac, que disputava a reeleição, apoiado pela direita, e seu primeiro-ministro Lionel Jospin, do partido socialista. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Jospin governou a França durante cinco anos. Entre as heranças do seu governo de esquerda, destacam-se: a redução da jornada de trabalho para trinta e cinco horas semanais e a legalização das uniões-de-fato dos casais homossexuais. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Entretanto, quem ficou em segundo lugar foi Jean-Marie Le Pen, líder da organização política Frente Nacional, que apóia o racismo, o anti-semitismo e tem posições políticas neofascistas. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Le Pen chegou a afirmar que o holocausto (o massacre de judeus e de outras minorias, efetuado nos campos de concentração alemães durante a Segunda Guerra Mundial) ''é um mero detalhe da história''. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Foi a quarta candidatura de Le Pen à presidência da França. Na eleição de 1974, ele recebeu 0,74% dos votos. Em 1988, pulou para 14%; em 1995 obteve 15%; e, em 2002, venceu Jospin e disputou o segundo turno com o presidente Jacques Chirac, o mais votado. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Os partidos políticos, de esquerda e de direita, uniram-se, então, em torno de Chirac; não por medo que ele perdesse a eleição, mas para evitar que Le Pen, e a extrema direita, alcançassem um número significativo de votos. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Para muitos analistas, o fenômeno Le Pen foi o resultado da sua plataforma eleitoral: ''Lei-e-ordem'', que englobava o combate à violência, ao desemprego e aos imigrantes, que amedrontavam os franceses. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Aliás, o crescimento da votação dos partidos de extrema direita - mais ou menos pelos mesmos motivos - também ocorreu em outros países da Europa, com os sucessos eleitorais obtidos por extremistas como Pin Fortuyn, na Holanda, Jörgan Haider, na Áustria, Kjaers Gaard, na Dinamarca e Humberto Bossi, na Itália. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> A reeleição de Bush - apesar da retaliação militar no Afeganistão e da invasão do Iraque, contra toda a mídia e a expectativa mundial - significa, de certa forma, uma oposição à mudança dos costumes, dos princípios éticos e dos valores morais ocorridos ultimamente, que a muitos aturdiu e assustou. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Todo eleitor americano que aprova a vanguarda e o progresso em questões culturais e sociais como os divorciados, os solteiros, as minorias sexuais, agnósticos e ateus, não votaram em Bush, mas no democrata John Kerry. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> A mesma tendência conservadora pode ser constatada na expressiva eleição do novo papa. O cardeal Ratzinger, hoje Bento XVI, chefe de um bilhão e muitos milhões de católicos, foi acusado de conservador, retrógrado e criticado impiedosamente pela mídia internacional, por ter dirigido durante 23 anos a rigorosa Congregação para a Doutrina da Fé, sucessora da terrível Inquisição. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> O voto de confiança, dado recentemente ao primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, e a histórica reeleição (é a primeira vez que os trabalhistas obtêm três mandatos seguidos) do primeiro-ministro inglês Tony Blair, ''conservador'' do Partido Trabalhista, seguem a mesma direção. </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> </p> <p align="justify"> Na América Latina, estamos na contramão desta opção política conservadora do primeiro mundo. Nossos três principais líderes - Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente venezuelano Hugo Chávez e o ditador cubano Fidel Castro - são esquerdistas. É pouco provável estarmos no caminho certo.<br> <font style="color: rgb(102, 0, 0);" size="4"><span style="font-weight: bold;">JB</span></font><br> </p>

É hora de conversar- MAURO SANTAYANA

 

Tendo agido mais como chefe de governo e de partido, Lula passa também a atuar, com a mesma preocupação, como Chefe de Estado no cenário interno. Por essa razão, marcou-se o encontro de quarta-feira com os líderes de todos os partidos na Câmara e os membros da Mesa Diretora. É preciso distinguir os dois papéis. Chefe de governo é o que cuida da máquina administrativa. O de Estado cuida da alta política, dentro daquela necessária constatação de que o governo é efêmero, mas o Estado, imanente à Nação, carrega o projeto de eternidade. O que mantém os Estados é a razão política, na doma incansável dos conflitos de cada dia.

Essa dupla responsabilidade, em nosso sistema, reclama do presidente da República delicado autocontrole intelectual e ético, para não permitir que o chefe de partido e de governo prevaleça sobre o Chefe de Estado. O governo pode ser substituído, mas o Estado, não. Os Estados só se substituem com a violência das armas, nas guerras externas ou nas rebeliões domésticas, embora possam ser reformados pela sociedade. Mas podem se perder no descuido de um segundo, conforme adverte Richelieu.

O grave erro dos governos chefiados pelos presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique foi o de violar sistematicamente essa regra. O primeiro, tendo sido ''escancaradamente'' corrupto (para incluir, no léxico político, o advérbio do ministro Marco Aurélio) foi interrompido pelo impeachment. O segundo - mercê da ''habilidade'' com que amealhou votos parlamentares, engambelou a opinião pública, obteve a reeleição, e emendou a Constituição para desnacionalizar a economia, reforçar o predomínio do poder financeiro, impor a ditadura orçamentária do Banco Central e da Secretaria do Tesouro - conseguiu erodir o poder do Estado federativo como guardião da soberania e permanência histórica da Nação.

Lula, como sabem todos, é hábil negociador. Coube-lhe chefiar a complexa aliança partidária que lhe garantiu a vitória. O PT deu-lhe o entusiasmo dos militantes, mas não teria sido capaz de reunir, por si só, os votos da maioria. Eles vieram de sua liderança popular e do apoio instrumental dos partidos aliados. Tratou-se, portanto, da vitória de uma coalizão. O presidente, diante da pressão dos banqueiros e dos economistas, foi obrigado a aceitar, para presidir o Banco Central, o adversário político Henrique Meireles. Essa foi a primeira infiltração dos vencidos no governo. Outras, disfarçadas de neutralidade, vieram mais tarde.

A conjuntura política internacional e a conspiração permanente de setores da oposição estão conduzindo o país a eventual crise das instituições, conforme, com o sorriso habitual e revelador de ambiciosa alegria, apontou o ex-presidente Fernando Henrique. Ele, ao sair, deixou minas bem camufladas nas gavetas do poder, e sabe que, se não forem desarmadas, poderão detonar e tornar o país ingovernável. É hora, portanto, para Lula dar um dia de descanso ao Chefe de Governo e ir, como Chefe de Estado, falar com a liderança do Parlamento, e de tornar habituais os encontros. O Poder Judiciário, pela própria natureza, não pode imiscuir-se nas discussões políticas. Ao contrário do que pretendem alguns, deve manter-se sobranceiro, a serviço da Justiça e na defesa do Estado.

Os representantes mais responsáveis da oposição também meditam sobre a situação interna e externa. Sem renunciar ao dever de fiscalizar e denunciar, sempre que houver razões para isso, os líderes da oposição sabem que não podem colocar em risco o Estado e as instituições, em nome do projeto político pessoal de qualquer um. E Lula já tratou com empresários muito mais intransigentes do que os políticos da oposição.

O presidente irá, naturalmente, conversar também com os governadores, cujo poder real Lula sabe que não pode ser menosprezado -- já que os dissídios da União com os entes federados são ainda mais graves. Talvez opte por encontros de caráter regional, mais produtivos.

Antes que alguém comece a gritar, é hora de conversar.
JB

besteirol

José Dirceu descobriu a pólvora

De O Globo, hoje:
"Depois de 30 meses no governo, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, apontou o motivo que impede o PT de pôr em prática tudo o que planejou e prometeu ao longo de 25 anos: a realidade. Para ele, a realidade é um grande problema.
No seminário "Perspectivas do projeto nacional", parte das comemorações de 25 anos do PT, Dirceu disse que a vida é dura e muitas vezes a teoria não é suficiente para solucionar os desafios impostos pela realidade.
— Existe um grande problema no projeto de desenvolvimento nacional que é a realidade, a vida. A vida geralmente é dura e a realidade geralmente é mais complexa do que as nossas teorias — disse Dirceu, sexta-feira à noite, para cerca de 300 militantes petistas.
Segundo ele, condições históricas impedem a implantação dos projetos do PT no governo:
— O projeto nacional tem uma série de condicionantes históricas nacionais e internacionais. Ele depende de uma correlação de forças."
(Comentário meu: quer dizer que o PT só descobriu a realidade depois que ganhou a eleição presidencial de 2002?)
por Ricardo Noblat

LUÍS NASSIF:O Brasil e o senhor Crise

 Aos poucos , vai se consolidando a compreensão sobre o que foi a década desperdiçada de 90, do rentismo desbragado. E também as notáveis semelhanças entre o modelo econômico que vai da segunda metade do século 19 até a moratória do país, no início dos anos 30.
Como abordei em colunas no ano passado, em ambos os momentos havia uma economia que começava a se integrar ao mundo, grande liquidez internacional, volume expressivo de capitais brasileiros no exterior -uma mistura de subfaturamento das exportações, corrupção política, crime organizado e caixa dois. Havia também grandes inovações tecnológicas globais, novos mecanismos financeiros e uma mudança nos processos regulatórios dos países, facilitando a montagem de novos negócios.
No século 19, havia uma classe agrária anacrônica; no final do século 20, uma classe industrial mal-acostumada. Com esse movimento de abertura, surge uma nova classe, internacionalizada, dominando as últimas ferramentas financeiras -os financistas-, no século 19 representada por Barão de Mauá, Conselheiro Mayrink, Conde de Figueiredo, Conde de Leopoldina; no final do século 20, pelos bancos "pirañas".
Nos dois momentos, houve uma confluência inédita de fatores, abrindo a possibilidade de notável expansão no mercado de consumo. No século passado, com a Abolição e a política de importação de imigrantes; no final do século 20, com os milhões de brasileiros que ingressam no mercado de consumo com o final da inflação.
A chave do problema consistia em criar condições para a reciclagem desse enorme volume de dinheiro brasileiro no exterior, permitindo "libertar forças novas que substituíssem a estrutura agrária e feudal do Império", na interpretação de San Thiago Dantas sobre Rui Barbosa.
O rentista é o beneficiário passivo da história. O político é o agente que permite as facilidades, que aprova leis, concessões, privatizações. O ator principal é o financista, o sujeito dotado de imaginação para negócios, capaz de "libertar as novas forças". O meio-de-campo auxiliar são economistas e/ou técnicos responsáveis pela política econômica. São eles que legitimam os pleitos dos financistas perante os políticos, desenvolvem as teorias que justificam as facilidades, criam as leis e regulações e entram como sócios menores dos ganhos.
Diferentemente do "Encilhamento", no entanto, o modelo rentista da década de 1990 gerou desindustrialização agressiva e concentração de renda.
Os pontos centrais do fracasso são muitos. Primeiro, o deslumbramento com a riqueza fácil, criando uma espécie de lassidão moral nos economistas do Real, que passaram a subordinar todas as decisões de política econômica aos interesses imediatos do capital rentista.
As demonstrações de novo-riquismo no período não ficam atrás do ambiente descrito por Visconde de Taunay em seu romance "O Encilhamento". Todos da classe média, alguns ex-funcionários públicos, um se torna piloto de corrida e criador de cavalos, outro convida para degustação de vinhos em sua casa, por meio de colunas sociais, todos, em algum momento, tornam-se sócios de bancos de investimento.
O segundo ponto, conseqüência do primeiro, foi a escolha dos financistas que comandaram o processo. Com os interesses pessoais se sobrepondo aos nacionais, levou quem se articulou melhor.
O terceiro, a falta de vocação de estadista de FHC. Não há como construir uma nação sem uma profunda profissão de pé nos seus habitantes. Napoleão e Caixas dormiam com seus soldados, Franklin Roosevelt celebrava a força do americano comum. FHC nunca ocultou seu deslumbramento com os salões e seu desprezo com sua missão de "comandar o atraso".
Agora, é aguardar. A armadilha criada paralisou o país por dez anos e provavelmente mais dez. Só será desarmada por um futuro estadista, que não será Lula e nenhum dos presidenciáveis apontados pela mídia. Provavelmente, dentro de alguns anos, será o mesmo estadista que veio acudir Getúlio Vargas em 1933: o sr. Crise.

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