Praga do caixa 2 impede o uso eleitoral da crise |
Editorial |
Valor Econômico |
29/7/2005 |
A oposição não pode negar que, na última semana, as investigações acerca das lavanderias do empresário Marcos Valério generalizaram a crise. Ela não se circunscreve ao Executivo - aliás, nunca ficou restrita a ele. Desde a primeira denúncia, feita pelo deputado Roberto Jefferson há cerca de dois meses, envolve de forma profunda igualmente o Legislativo. Isso ocorre porque o que está em questão, pelo menos até o momento, é o financiamento de campanha, atavicamente ilegal e corrosivo. Dessa tradição obscura do sistema político brasileiro beneficiam-se todos os partidos que se "institucionalizaram", termo muito usado internamente no PT nas discussões que antecederam à sua opção preferencial pelo voto na urna e pelo poder. A caixinha de surpresas da contabilidade das empresas de Marcos Valério expôs ao público o óbvio: o caixa 2 de campanha atinge indistintamente governo e oposição. Nos últimos dias, tiveram que se explicar o candidato a prefeito de Belo Horizonte pelo PFL nas últimas eleições, Roberto Brandt; o presidente do PSDB, Eduardo Azeredo; o governador mineiro e seu vice, Aécio Neves (PSDB) e Clésio Andrade (PL). Foi pego pela avalanche também o presidente da CPI do Mensalão, Ibrahim Abi Ackel (PL-MG). Marcos Valério, cuja profissão é a de operador de campanha, trabalhou democraticamente para todos os partidos que solicitaram. Ele não deve ser, certamente, o único a desempenhar essas funções no país, e as contas de suas empresas mostram que o PT não é o único partido a se utilizar desses serviços. Como os fatos não são relativos, ilegalidades não são relativizáveis e não existe uma lei diferente para caixa 2 de governo e caixa 2 de oposição, é difícil defender a posição do PSDB e do PFL. Parte do PSDB defende que Azeredo não se licencie da presidência do partido porque isso o equipararia a José Genoíno, que se licenciou da presidência do PT depois do reconhecimento de que o partido operou um caixa 2. Dizem eles que as duas coisas - o caixa 2 de Azeredo e o caixa 2 de Genoino - são diferentes. Para Azeredo, a denúncia de que sua campanha teve um caixa 2 é uma manobra diversionista, destinada a tirar o foco das investigações do governo. Prova disso seria que o fato - o seu caixa 2 - já têm sete anos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao ver que denúncias chegavam perigosamente no seu pé, também argumentou, contra elas, que por remontarem dez anos elas estariam desqualificadas. E disse mais: pediu que as acusações "não se multipliquem e não atrapalhem a apuração de fatos verdadeiros". Os argumentos de um presidente de partido e de um ex-presidente da República são tão pouco sólidos que valeram uma observação jocosa do líder do PT , Aloizio Mercadante: corrupção não é pote de iogurte, que tem prazo de validade. Depois de um dos seus expoentes ser obrigado a, de público, reconhecer o uso do caixa 2, o PFL moderou o tom do discurso que se destinava a concentrar no PT todos os pecados do sistema partidário brasileiro. Mas não mostrou nem a mesma agilidade, nem a mesma determinação com que expulsou, em 24 horas, o deputado João Batista (SP), que foi preso levando malas de dinheiro em um jatinho fretado. Esses são apenas os novos elementos da crise política. Antes, ela já havia atingido o PT, o PL, o PP e o PTB, todos governistas. A generalização do delito leva a crer que qualquer manobra para imputá-lo como um problema de governo - e deste apenas - não terá sucesso. De fato, como o governador tucano Geraldo Alckmin tem declarado, a corrupção é sistêmica, mas não apenas no PT ou no governo. Ela é sistêmica porque atinge todos os partidos, está entranhada na vida política nacional e não começou no dia 1º de janeiro de 2003, quando o governo petista assumiu. Isso não exime nem o atual governo, nem o PT das suas responsabilidades. Mas, nessas alturas, negar a generalização e jogar a própria culpa para debaixo do tapete é subestimar a capacidade de julgamento da Nação. Não é mais possível manipular eleitoralmente a crise. Para que o cidadão tenha garantias de que essas práticas não se eternizem, é preciso que culpados sejam punidos, independente de filiação partidária. Somente assim o Congresso, que vai ser renovado no próximo ano, pode restabelecer o mínimo de dignidade e reassumir o seu papel institucional na democracia brasileira. Existe um número grande de parlamentares sob suspeiçáo. São de todos os partidos, e para todos os envolvidos, que a sociedade exige explicações e cobra punições. |
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Praga do caixa 2 impede o uso eleitoral da crise
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