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Sunday, July 24, 2005

Lula Chega ao fim? Tomara que sim, mas acho que não

Primeira Leitura
Por Reinaldo Azevedo

Leitores que nem conheço, muitos já íntimos por e-mail, e alguns amigos têm-me me perguntado o que acho que vai acontecer. Não como oráculo, é claro. Até porque, fosse eu um, já teria comprado uma Land Rover, uma vez que o LFD, o amigo mais rico que tenho, não me dá uma de presente... É isso que dá ter amigos ricos cuja relação é mediada por mútua admiração intelectual. Equivocadamente, eles acabam lhe dando afeto, apreço, atenção, em vez de Land Rovers. Não é o fim da picada? Silvio Pereira, sim, este mostrou o que vale uma amizade sincera! Mas vamos voltar ao ponto. Têm-me perguntado o que acho que vai a acontecer. E começo sempre respondendo o que eu gostaria que acontecesse.

Para mim, o melhor cenário seria o Apedeuta comer o seu governo até a última letra, disputando a reeleição e, obviamente, perdendo. Por que "obviamente perdendo"? Porque o PT estará certamente destruído nas eleições de 2006, vai para disputa eleitoral com a reputação destroçada, elegendo uma bancada inferior à que tem hoje. A esta altura, fica até difícil saber quem comporia uma coligação com os petistas. Ou muito dinheiro ainda está escondido em malas secretas, ou a legenda terá severos problemas de financiamento inclusive. Mereceria ficar do tamanho do Prona. Já imaginaram aquela senhora gritando: "Meu nome é Ideliiiiiiiii"?

Intuo, nessa hipótese, que o candidato que aparecesse com mais chances contra Lula tenderia a formar um arco de alianças bastante amplo, levando consigo o ora governista, mas nem tanto, PMDB. A Lula restaria, quem sabe?, o PC do B, pedaços do PSB e o PP de Paulo Maluf. Se isso corresponde a uma gargalhada de escárnio da história, a culpa é dos petistas, não minha. Na hipótese desastrosa da vitória de Lula, PSDB e PFL ficariam, é certo, na oposição, e o governo seria uma crise permanente, com Lula tomado, aí sim, por delírios chavistas, que já começam a se anunciar.

Então, retomando: o bom cenário é Lula ficar até o fim, disputar e perder. Perder para qualquer um? Não! Como sempre digo tudo e estou pouco me lixando para a patrulha comuno-petista que ganha Land Rover de presente, a resposta é clara: espero que seja eleito um candidato de uma coligação PSDB-PFL. Acho que assim se constituiria um centro de poder que os esquerdistas certamente chamariam de "eixo conservador" ou qualquer bobagem do gênero falsamente pomposa. Ok. Que fiquem com o "eixo progressista" que aí está, hehe. Já que não pretendo ser agressivo, mas sempre instrutivo, cito, para essa turma, Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), de Lisbon Revisited (1923): "Vão para o diabo sem mim,/ Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!/ Para que havemos de ir juntos?".

Ocorre, meus camaradas, que o que vai acima é o que eu gostaria que acontecesse, mas, sinceramente, não acho que é o que vai acontecer. Infelizmente, creio que Lula não chega ao fim do mandato: ou renuncia ou será impichado, para usar no particípio passado este neologismo. A rigor, entendo eu, já existem motivos para que se abra um processo por crime de responsabilidade contra o presidente, o que só não se fez ainda porque as pesquisas de opinião indicam a resistência do "companheiro". Quem impicha presidentes (isso ainda acaba virando uma tradição...) é o processo político, mas de olho na opinião pública. A de Lula já deu sinais importantes de corrosão na pesquisa do Ibope, que agora se repetem no Datafolha.

Bem, por que digo que não aposto que o mandato chegue ao fim? Porque aquela oposição feita pelo senador Arthur Virgílio (PSDB –AM), submetida a uma desaceleração de quem, como eu, não tem imunidade parlamentar, faz todo sentido. Qual oposição? Um presidente que seria "ou idiota ou corrupto". Vamos botar em outros termos: "Ou alheio ou conivente". O que seria melhor para o país? Eu diria que ambas as coisas são trágicas, com a ligeira possibilidade de que o alheamento seja ainda pior. O conivente, ao menos, se tiver simancol, uma vez alertado, poderia, sei lá, pôr um freio na coisa toda — o que, obviamente, não o livraria dos crimes cometidos e da responsabilidade que teria. Já o alienado, o selenita, pode levar o país à tragédia sem nem mesmo saber.

Reparem bem: não há área do governo que não tenha sido tocada por este polvo teratológico de mil braços que é o PT. A descoberta, a cada dia, de irregularidades novas foi dizimando o generalato de Lula. Quando teve de se socorrer, foi apelar às portas de fatias do PMDB e do PP que não representam, necessariamente, um fortalecimento ético do seu governo. De fato, a operação é inútil. Vai-se revelando o que aqui já se anunciou tantas vezes: Santo André foi o software de uma experiência de poder que carrega, ademais, uma marca trágica.

À medida que a imagem de Lula for desgastando-se, e vai se desgastar, pode começar a diminuir também a tolerância do sistema político com a revelação de contínuos desmandos do governo. Desmandos que tiveram início, de fato, ainda antes da conquista da cadeira presidencial. Hoje, está claro para todo mundo, por exemplo, que uma multinacional, um empresário e um banco fizeram doações milionárias à campanha de Lula sem registro. Disso Lula não sabia também, certo? O dinheiro sempre jorrava à vontade, e ele, um czar no PT, nunca se interessou em saber a origem, é isso? Quer dizer que, com efeito, governa o Brasil com o mesmo grau de descompromisso com que governava o PT? Quanto tempo mais os nomes dos doadores permanecerão secretos? Eu sei. Todo jornalista sabe. Falta a prova que livre de um processo judicial quem divulgar, só isso. Os flertes do partido com a ilegalidade antecedem a sua chegada ao poder.

É este mesmo Lula, então, que permite que uma verdadeira gangue opere em seu governo — tenha ela só objetivos ideológicos ou junte a estes a safadeza pura e simples, pouco importa — que vai se candidatar a um segundo mandato, a nos oferecer mais do mesmo, mas, ai, sem nem mesmo aquela estrutura mínima que o PT lhe oferecia? Sinceramente, leitores, ainda que Lula sobreviva a algumas realidades que insistem em subir a rampa do Palácio para assombrá-lo e a seu mandato, parece-me que não haverá estrutura para segurar o rojão até o fim. A sua declaração de sexta, de que não vai baixar a cabeça para a elite brasileira, é sinal óbvio de fraqueza.

Observem: ninguém no gozo de todas as suas faculdades institucionais fala um troço desse. Demonstra o ânimo chavista do presidente? Acho que sim. Ocorre que, nessa hora, ele evidencia também o seu grau de isolamento. Se avançar, para valer, na clivagem dos pobres contra os ricos, pode até vir a ser um mártir, mas vai perder a batalha, que é o que, de fato, importa. Ademais, o chavismo de Lula já existia antes da decadência de seu governo. O auge de suas tentações totalitárias coincide com o momento em que o governo tinha a sua melhor avaliação. Esta é a desgraça dessa gente: não sabe ser democrática na paz; não sabe fazer a guerra na democracia.

Parece que o cerco está chegando perigosamente perto do presidente. Ainda que não o atinja pessoalmente ou a alguém de sua família, pode começar a ser inaceitável ter um presidente que se comportaria, então, diante de companheiros menos experientes do que ele próprio, como um palerma. Se a onda invadir o palácio, aí esqueçam: Lula cai. O sistema pode até ser hipócrita, como tentou anunciar em Paris, naquela armação vergonhosa. Mas existe o cumprimento de certos rituais.

Seja por uma coisa, seja por outra, acho, infelizmente, que Lula não chega ao fim. Digo "infelizmente" porque isso implicaria mais turbulências do que eu desejaria para o país. Não tem nada a ver com essa bobajada de lamentar que um partido popular e operário tenha se corrompido no poder etc. etc. etc. O PT nunca foi nem uma coisa nem outra. Tampouco se fez exemplo de pureza. Para a democracia, o melhor é que termine seus dias gritando: "Meu nome é Ideliiiiiiiii".

Texto publicado em 24 de julho de 2005.

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