Luiz Weis
Antes que se argumente que esquerda, centro e direta são termos anacrônicos ou difíceis de delimitar nos dias atuais, principalmente no peculiar sistema político nacional - esse espaçoso centrão de maioria conservadora em que ninguém se diz conservador -, é o caso de citar o juiz americano a quem pediram uma definição de pornografia. Ele respondeu: "Defini-la eu não sei, mas sei o que é quando vejo." Vale para as posições partidárias: esquerda, centro e direita se mostram ao agir.
A maior contribuição do PT como sigla de esquerda foi a de ter fincado no topo da agenda brasileira, ao mesmo tempo, as questões da pobreza, da desigualdade, da injustiça social e da ética na política. Evidentemente, nada disso era novo quando o PT surgiu. Aquelas eram as cores da bandeira da redemocratização. Mas nunca antes um partido deu tanta voz aos de baixo, nem cresceu tanto graças à sua coerência - expressa, embora, antes do "Lulinha, paz e amor", no radicalismo rancoroso, na pretensão de ser a verdade revelada.
Agora, ao cair de tão alto, a legenda derrubou consigo, com o mesmo estrépito, a idéia de que é possível fazer política para mudar o Brasil de mãos limpas ou quase. A corrupção - essa foi, no limite, a mensagem do PT de Dirceu - é gêmea da política e da governança. Com um detalhe: nos outros partidos, a corrupção serve para encher os bolsos dos corruptos; no partido da classe trabalhadora, serve para subornar a direita e encher o cofre que lhe permitirá ganhar eleições, uma coisa e outra para o bem do povo.
Denunciada de forma mais verossímil por figuras respeitáveis como os ex-petistas Eduardo Jorge e Fernando Gabeira do que por esse caviloso Roberto Jefferson, a degeneração moral e política do PT tem um efeito talvez pior do que o de confirmar a percepção difusa de que é tudo farinha do mesmo saco, como diziam os petistas antes de se enfiar nele. O efeito é levar a pensar que, exatamente por isso, nem o PT conseguirá mudar a feia face social de um Brasil que "é assim mesmo". Afinal, para muitos a política econômica do governo não é a prova que faltava?
Na sexta-feira, um dia antes de assumir a presidência do partido, o ainda ministro da Educação Tarso Genro pregou na Folha de S.Paulo "uma reforma política, programática e de métodos de direção" para a legenda. O que ele entende por mudança política e de métodos não tem mistério: trata-se de virar a página do petismo de resultados e dos resultados do centralismo. O problema está na reforma programática.
O termo sugere que o PT não é mais aquele no plano ético porque deixou de ser aquele no plano das decisões de governo. Em outras palavras, a base parlamentar de Lula, que vai do PC do B ao PP, seria promíscua porque a linha do Planalto, no que mais interessa, a economia, tornou à direita. Se fosse para "mudar tudo isso que está aí", a miragem que o partido prometia ainda em 2001, as alianças fisiológicas com as forças do atraso seriam impossíveis - e as mãos petistas continuariam alvas.
Por esquemática que essa interpretação possa parecer, um dado é inegável: desde a primeira hora, foram os chamados radicais os que mais ergueram a voz dentro do PT pela apuração das denúncias do circuito de propinas no governo. Foram, entre outros, os deputados que assinaram o pedido para a abertura da CPI dos Correios e mantiveram as suas firmas, apesar das ameaças de Dirceu. É verdade que uma parte dos puros queria antes de tudo se vingar dele, mas isso não altera o essencial.
Daí a dificuldade embutida no desfecho da anunciada dedetização do partido, que inclui a intenção de tornar transparentes as suas operações financeiras, além de investigar os malfeitos do ex-tesoureiro Delúbio Soares e do ex-secretário Sílvio Pereira. A dificuldade não está no acerto de contas com as práticas dos últimos anos - o que não quer dizer que será um passeio no bosque, mesmo a crer na sinceridade e no empenho da nova direção petista, recém-desembarcada do Planalto.
Está em saber se será possível o PT recuperar a moralidade sem retroceder doutrinariamente. Para a sigla voltar a ter as mãos limpas, supondo que já não as tivesse manchado antes da posse de Lula - em Santo André, por exemplo -, será que elas precisarão ser, as duas, esquerdas? O afastamento dos exaltados dos centros de decisão partidária, embora por métodos que não recenderam propriamente a pureza democrática, foi um avanço para a construção do partido adulto de esquerda do qual o Brasil não pode prescindir.
Simbolicamente, antes o ar de poucos amigos da ministra Dilma Roussef do que a carranca do Lula "hoje eu não tô bom". O PT modernizado é, foi, poderá ser ou poderia ter sido - cada qual julgue por si - a coisa mais parecida no Brasil com os grandes partidos social-democratas europeus, especialmente com o admirável Partido Socialista Operário Espanhol. Ocorre que a agremiação nasceu de condições históricas que já não existem. Por isso, se definhar, não surgirá outra com as mesmas características que tornaram necessária a versão original. A sua vaga será disputada pelos sem-compromisso com a democracia e pelos aventureiros do nacional-populismo. Antes o PT.
Luiz Weis é jornalista
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