João Mellão Neto, O Estado de S. Paulo (24/06/05)
John von Neumann e Oskar Morgenstern, da Universidade de Princeton, lançaram, em 1944, um trabalho que viria a revolucionar a análise econômica. Trata-se da Teoria dos Jogos e do Comportamento Econômico, mais conhecida como Teoria dos Jogos. Os estrategistas do PT, no momento atual, fariam bem se conhecessem os seus postulados. Talvez assim não se tivessem metido no gigantesco escândalo que abala os alicerces do governo Lula.
Não cabe aqui discutir a teoria em profundidade. É algo muito complexo. Basta-nos conhecer o seu enunciado primeiro, que é "O Dilema dos Prisioneiros". Trata-se do seguinte: ocorreu um crime e dois suspeitos foram detidos. Ficaram incomunicáveis, em celas separadas, e submetidos a um interrogatório individual. O inspetor fez uma proposta a cada um deles: "Se ninguém confessar, os dois serão libertados. Se os dois confessarem, haverá uma pena leve para ambos. Se um confessar e o outro não, o primeiro receberá uma pena leve e o que não confessou pegará a pena máxima." Os dois acabaram confessando, fazendo o que o inspetor queria.
Parece um contra-senso, mas não é. O leitor dirá que a melhor estratégia seria nenhum dos dois confessar e ambos se safarem da prisão. Acontece que o comportamento humano não é assim. Um não tinha contato com o outro e, portanto, não poderiam combinar as suas declarações. Não tinham também por que confiar um no outro. Se um deles confessasse sozinho, o outro pegaria a pena maior. A melhor estratégia nesse jogo, então, seria garantir a pena leve para si e deixar que o outro se danasse.
Moral da história: em qualquer "jogo", na vida, o ser humano racional não age pensando em obter o ganho máximo. Ele age tentando garantir para si a "mínima perda máxima".
A Teoria dos Jogos se desdobra a partir desse pressuposto. John Nash, o matemático esquizofrênico do filme Uma Mente Brilhante, ganhou o Prêmio Nobel de Economia de 1994 a partir de um estudo que fez sobre a teoria. E o filme ganhou o Oscar. A Theory of Games permanece atual e continua desafiando as mentes mais brilhantes das áreas de economia, psicologia e sociologia. Ela serve até mesmo para o planejamento estratégico do Pentágono. Todos os lances norte-americanos durante a guerra fria foram baseados em seus pressupostos.
Se a cúpula do governo conhecesse ao menos o "Dilema dos Prisioneiros", saberia de antemão que, uma vez aberta a caixa de Pandora, ela não poderia mais ser fechada até que dali escapassem todos os males do mundo.
É próprio do comportamento humano "minimizar a perda máxima", ou seja, ninguém se dispõe a ir para a guilhotina sozinho. Todos os suspeitos, se optassem pelo silêncio, acabariam por abafar o escândalo. Mas, diante do risco de levar a pena máxima, sua estratégia racional é dizer tudo o que sabem e colaborar com os investigadores.
Pelo ritmo em que os depoimentos reveladores se sucedem, já é possível prever que o governo Lula não sairá ileso dessa crise. Se é que ele sobreviverá a ela.
Uma vez comprovadas todas as denúncias já feitas, ou seja, corrupção generalizada nos Correios e nas estatais, pagamento de suborno aos parlamentares, lavagem de dinheiro, tráfico de influência, formação de quadrilha e tudo o mais, chegará fatalmente o dia em que se fará a pergunta crucial: o presidente Lula sabia ou não sabia de tudo isso?
Se não sabe de nada, o mínimo que se pode dizer é que ele é um autista. Não se dá dinheiro a parlamentares por generosidade ou mero diletantismo. A contrapartida, obviamente, era a de amealhar votos no Congresso em favor do governo. Se o único beneficiário era o governo, se as negociações se davam no próprio Palácio do Planalto, como é possível que o presidente nada soubesse sobre essas transações?
Se Lula sabia de tudo e aprovou os esquemas, nada mais resta a fazer. É impeachment na certa.
Se sabia, não aprovou, mas nada fez para impedir, ele se torna cúmplice e conivente de crime de corrupção. É o caso de impedimento, também.
Mas vamos conceder a Lula a sagrada presunção da inocência. Mesmo assim, sua situação é extremamente grave. Um presidente da República que pretexta ignorar negociatas de tal vulto, um chefe de governo que alega desconhecer as ações até mesmo de seus auxiliares mais próximos, um governante que afirma não ter ciência do que se passa em seu próprio palácio se trata de alguém, então, que tem de ser urgentemente interditado, a bem da Nação. A própria segurança nacional está em risco, uma vez que seu comandante se confessa totalmente inepto e incapaz para o exercício de suas importantes funções.
Não pretendo parecer uma Cassandra, mas já posso antever que esta crise terá desdobramentos muito mais sérios do que comumente se imagina. É questão de tempo ela chegar à pessoa do presidente. Vivenciei, de perto, o processo que levou ao impeachment de Collor. O enredo é por demais conhecido: novas e graves revelações serão feitas, muitas testemunhas estratégicas surgirão, outras tantas denúncias sérias serão levadas a cabo. É essa a mecânica comum às crises. "Cão batido, todos a ele" reza a sabedoria popular. O governo está nas cordas e já baixou a guarda.
Em situações como esta, não faltam voluntários para levá-lo ao nocaute. Lula sairá mortalmente ferido desse embate. Mesmo que o presidente permaneça no cargo, está definitivamente sepultado o projeto de sua reeleição. Quanto ao PT, que sempre apostou nos extremos, agora vê os extremos se voltarem contra ele. Resta a advertência do velho filósofo: "Jamais espreites o fundo do abismo! Pois logo será o abismo que espreitará o fundo de ti..."
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