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Sunday, July 31, 2005

Mario Sergio Conti Fragmentos: crise

31.07.2005 |  Chamar o atual destampatório de negociatas de crise nacional é errado. Há comida nos mercados e feiras livres. Os ônibus continuam a passar. As empresas estão abertas e os trabalhadores trabalham. A vida segue seu curso, ainda que a comida nos mercados seja pouca e cara, que os ônibus estejam lotados e andem a passo de cágado, que as empresas empreguem só uma parcela dos trabalhadores e paguem salários baixos. A crise não muda o Brasil.

A crise tem um domínio circunscrito. Ela diz respeito à política oficial, uma atividade menor e desimportante. Como os seus personagens são medíocres, a crise é medíocre. Os motivos, tanto da crise como dos personagens da política, não são o bem público, a melhoria das condições de vida dos que estão na pior. Seus motivos são o enriquecimento pessoal e o exercício do poder pessoal.

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A corrupção não está na raiz dos problemas nacionais. Se ela acabasse amanhã, o Brasil seguiria sendo um país pobre, com uma distribuição infame da renda (só perdemos em desigualdade para Sierra Leone), submisso aos interesses do capital que, como todos sabem, não são humanitários. Se o dinheiro desviado por meio da corrupção para proprietários particulares seguisse os caminhos institucionais, ele cairia no circuito habitual da pobreza, da distribuição infame da renda e da submissão ao capital.

A corrupção não provoca a distribuição desigual da renda nem a pobreza. Ela é produto de ambas. Quanto mais pobre e injusto o país, tão mais corrupto ele é. A corrupção só acabará se a riqueza for distribuída igualitariamente, pois só então ela deixará de ter uma função social.

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É possível diminuir a corrupção. Com o velho remédio: a punição. Por punição entenda-se não a casssação de direitos políticos e o opróbrio social. Entenda-se o exercício afiado da violência: a expropriação, a prisão e, no limite, a execução dos condenados. Se Fernando Collor, PC Farias e seus asseclas, ou os Anões do Orçamento, ou os mentores da privataria, ou os artífices da reeleição, tivessem sido guilhotinados na Praça dos Três Poderes, com transmissão ao vivo pela televisão, Delúbio Soares, Silvio Pereira, João Paulo, Eduardo Azeredo, Roberto Jefferson e caterva não teriam tido tanto sucesso nas suas traficâncias.

Mas tal tipo de violência, a história registra, só ocorre em períodos revolucionários. E as revoluções não têm como mote o fim da corrupção. Os motivos delas, na era moderna, são a libertação nacional, a destruição da classe dominante e, em poucos casos, o fim da exploração do homem pelo homem.

A punição dos corruptos, tal como é aplicada, visa a manutenção do sistema. No caso Collor, os corruptores (Votorantin, Fiat, Banco Safra, Banco Santos, Banco Rural, Andrade Gutierrez, Odebrecht, Mercedes Benz e dezenas de outras companhias nacionais e multinacionais) foram considerados vítimas dos achaques de Collor e PC Farias. A punição, branda, só pegou os desenraizados. A nata do empresariado não só escapou ilesa como foi enaltecida: de criminosos passaram a ser considerados vítimas inocentes.

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O sistema político se descolou do povo. Os votados deixaram de representar o interesse dos votantes. O fenômeno não é brasileiro, é internacional. É com organismos supranacionais (ONU, FMI, União Européia, Nafta, Banco Mundial), ou com a força militar, que o capital e o Império exercem seu poder.

Com isso, o sistema político brasileiro caminha para a irrelevância. De Collor a Lula, passando por Itamar e FHC, a política econômica e social exercida pelo Executivo foi a mesma. Privatização, sucateamento do Estado, ataque à educação pública, à previdência social, o receituário neoliberal foi zelosamente aplicado pelo PFL, pelo PMDB, pelo PP, pelo PPS, pelo PSDB e pelo PT.

Ao Congresso, não restou nada. A política econômica é exercida por meio de portarias, circulares, medidas provisórias. O orçamento da União é quase que totalmente contigenciado. Aos parlamentares restam duas atividades: apresentar emendas ao orçamento, e conseguir que o governo as implante. Ou então participar das chamadas "votações decisivas", as que emendam a Constituição. Na prática, tanto uma como outra se dão no âmbito da corrupção. O escândalo dos Anões nasceu das emendas à Constituição. O de hoje, da compra de parlamentares para apoiar o governo nas votações decisivas.

A conversa sobre reforma do sistema político é desconversa. Entregues a si mesmas, as instituições de representação e seus integrantes tendem à conservação do status quo e de si mesmos. O sistema político só pode ser alterado se for rompido o círculo de ferro que acorrentou e anestesiou o sistema democrático. Só com a soberania popular, com a afronta a ordem estabelecida, a política pode ser reformada.

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A crise política ora em curso ainda não é inteligível. Os circuitos da corrupção estão longe de terem sido elucidados. Ainda não se sabe quem corrompia e quem era corrompido.

Qualquer que venha a ser o seu alcance, é possível desde já chegar a uma conclusão: o governo de Luiz Inácio Lula da Silva desferiu o golpe mais profundo, e talvez mortal, já recebido pelo PT. Um partido nascido de lutas operárias, de funcionários públicos, de estudantes, de camponeses se encontra desmoralizado, à beira da cisão e do destroçamento.

A responsabilidade é toda da sua direção. Foi ela que, há alguns anos, defendeu e implementou a aliança eleitoral com os partidos da burguesia. No caso mais gritante, revogou a decisão da maioria do diretório fluminense para impor a submissão do partido a ninguém menos que Anthony Garotinho.

A direção do PT passou a defender o programa do capital e adotou-lhe os métodos: o marketing político, o caciquismo, a sabotagem das instâncias democráticas internas.

Quem faz isso dá o aviso que está a tudo para defender o capital: trocar jeeps por concorrências, aliar-se com ex-colloridos (caso de Roberto Jefferson), comprar parlamentares e, se necessário for, destruir o PT. O processo está em curso.

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