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Sunday, July 31, 2005
Mario Sergio Conti Fragmentos: crise
A crise tem um domínio circunscrito. Ela diz respeito à política oficial, uma atividade menor e desimportante. Como os seus personagens são medíocres, a crise é medíocre. Os motivos, tanto da crise como dos personagens da política, não são o bem público, a melhoria das condições de vida dos que estão na pior. Seus motivos são o enriquecimento pessoal e o exercício do poder pessoal.
***
A corrupção não está na raiz dos problemas nacionais. Se ela acabasse amanhã, o Brasil seguiria sendo um país pobre, com uma distribuição infame da renda (só perdemos em desigualdade para Sierra Leone), submisso aos interesses do capital que, como todos sabem, não são humanitários. Se o dinheiro desviado por meio da corrupção para proprietários particulares seguisse os caminhos institucionais, ele cairia no circuito habitual da pobreza, da distribuição infame da renda e da submissão ao capital.
A corrupção não provoca a distribuição desigual da renda nem a pobreza. Ela é produto de ambas. Quanto mais pobre e injusto o país, tão mais corrupto ele é. A corrupção só acabará se a riqueza for distribuída igualitariamente, pois só então ela deixará de ter uma função social.
***
É possível diminuir a corrupção. Com o velho remédio: a punição. Por punição entenda-se não a casssação de direitos políticos e o opróbrio social. Entenda-se o exercício afiado da violência: a expropriação, a prisão e, no limite, a execução dos condenados. Se Fernando Collor, PC Farias e seus asseclas, ou os Anões do Orçamento, ou os mentores da privataria, ou os artífices da reeleição, tivessem sido guilhotinados na Praça dos Três Poderes, com transmissão ao vivo pela televisão, Delúbio Soares, Silvio Pereira, João Paulo, Eduardo Azeredo, Roberto Jefferson e caterva não teriam tido tanto sucesso nas suas traficâncias.
Mas tal tipo de violência, a história registra, só ocorre em períodos revolucionários. E as revoluções não têm como mote o fim da corrupção. Os motivos delas, na era moderna, são a libertação nacional, a destruição da classe dominante e, em poucos casos, o fim da exploração do homem pelo homem.
A punição dos corruptos, tal como é aplicada, visa a manutenção do sistema. No caso Collor, os corruptores (Votorantin, Fiat, Banco Safra, Banco Santos, Banco Rural, Andrade Gutierrez, Odebrecht, Mercedes Benz e dezenas de outras companhias nacionais e multinacionais) foram considerados vítimas dos achaques de Collor e PC Farias. A punição, branda, só pegou os desenraizados. A nata do empresariado não só escapou ilesa como foi enaltecida: de criminosos passaram a ser considerados vítimas inocentes.
***
O sistema político se descolou do povo. Os votados deixaram de representar o interesse dos votantes. O fenômeno não é brasileiro, é internacional. É com organismos supranacionais (ONU, FMI, União Européia, Nafta, Banco Mundial), ou com a força militar, que o capital e o Império exercem seu poder.
Com isso, o sistema político brasileiro caminha para a irrelevância. De Collor a Lula, passando por Itamar e FHC, a política econômica e social exercida pelo Executivo foi a mesma. Privatização, sucateamento do Estado, ataque à educação pública, à previdência social, o receituário neoliberal foi zelosamente aplicado pelo PFL, pelo PMDB, pelo PP, pelo PPS, pelo PSDB e pelo PT.
Ao Congresso, não restou nada. A política econômica é exercida por meio de portarias, circulares, medidas provisórias. O orçamento da União é quase que totalmente contigenciado. Aos parlamentares restam duas atividades: apresentar emendas ao orçamento, e conseguir que o governo as implante. Ou então participar das chamadas "votações decisivas", as que emendam a Constituição. Na prática, tanto uma como outra se dão no âmbito da corrupção. O escândalo dos Anões nasceu das emendas à Constituição. O de hoje, da compra de parlamentares para apoiar o governo nas votações decisivas.
A conversa sobre reforma do sistema político é desconversa. Entregues a si mesmas, as instituições de representação e seus integrantes tendem à conservação do status quo e de si mesmos. O sistema político só pode ser alterado se for rompido o círculo de ferro que acorrentou e anestesiou o sistema democrático. Só com a soberania popular, com a afronta a ordem estabelecida, a política pode ser reformada.
***
A crise política ora em curso ainda não é inteligível. Os circuitos da corrupção estão longe de terem sido elucidados. Ainda não se sabe quem corrompia e quem era corrompido.
Qualquer que venha a ser o seu alcance, é possível desde já chegar a uma conclusão: o governo de Luiz Inácio Lula da Silva desferiu o golpe mais profundo, e talvez mortal, já recebido pelo PT. Um partido nascido de lutas operárias, de funcionários públicos, de estudantes, de camponeses se encontra desmoralizado, à beira da cisão e do destroçamento.
A responsabilidade é toda da sua direção. Foi ela que, há alguns anos, defendeu e implementou a aliança eleitoral com os partidos da burguesia. No caso mais gritante, revogou a decisão da maioria do diretório fluminense para impor a submissão do partido a ninguém menos que Anthony Garotinho.
A direção do PT passou a defender o programa do capital e adotou-lhe os métodos: o marketing político, o caciquismo, a sabotagem das instâncias democráticas internas.
Quem faz isso dá o aviso que está a tudo para defender o capital: trocar jeeps por concorrências, aliar-se com ex-colloridos (caso de Roberto Jefferson), comprar parlamentares e, se necessário for, destruir o PT. O processo está em curso.
Saturday, July 30, 2005
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Friday, July 29, 2005
Praga do caixa 2 impede o uso eleitoral da crise
Praga do caixa 2 impede o uso eleitoral da crise |
Editorial |
Valor Econômico |
29/7/2005 |
A oposição não pode negar que, na última semana, as investigações acerca das lavanderias do empresário Marcos Valério generalizaram a crise. Ela não se circunscreve ao Executivo - aliás, nunca ficou restrita a ele. Desde a primeira denúncia, feita pelo deputado Roberto Jefferson há cerca de dois meses, envolve de forma profunda igualmente o Legislativo. Isso ocorre porque o que está em questão, pelo menos até o momento, é o financiamento de campanha, atavicamente ilegal e corrosivo. Dessa tradição obscura do sistema político brasileiro beneficiam-se todos os partidos que se "institucionalizaram", termo muito usado internamente no PT nas discussões que antecederam à sua opção preferencial pelo voto na urna e pelo poder. A caixinha de surpresas da contabilidade das empresas de Marcos Valério expôs ao público o óbvio: o caixa 2 de campanha atinge indistintamente governo e oposição. Nos últimos dias, tiveram que se explicar o candidato a prefeito de Belo Horizonte pelo PFL nas últimas eleições, Roberto Brandt; o presidente do PSDB, Eduardo Azeredo; o governador mineiro e seu vice, Aécio Neves (PSDB) e Clésio Andrade (PL). Foi pego pela avalanche também o presidente da CPI do Mensalão, Ibrahim Abi Ackel (PL-MG). Marcos Valério, cuja profissão é a de operador de campanha, trabalhou democraticamente para todos os partidos que solicitaram. Ele não deve ser, certamente, o único a desempenhar essas funções no país, e as contas de suas empresas mostram que o PT não é o único partido a se utilizar desses serviços. Como os fatos não são relativos, ilegalidades não são relativizáveis e não existe uma lei diferente para caixa 2 de governo e caixa 2 de oposição, é difícil defender a posição do PSDB e do PFL. Parte do PSDB defende que Azeredo não se licencie da presidência do partido porque isso o equipararia a José Genoíno, que se licenciou da presidência do PT depois do reconhecimento de que o partido operou um caixa 2. Dizem eles que as duas coisas - o caixa 2 de Azeredo e o caixa 2 de Genoino - são diferentes. Para Azeredo, a denúncia de que sua campanha teve um caixa 2 é uma manobra diversionista, destinada a tirar o foco das investigações do governo. Prova disso seria que o fato - o seu caixa 2 - já têm sete anos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao ver que denúncias chegavam perigosamente no seu pé, também argumentou, contra elas, que por remontarem dez anos elas estariam desqualificadas. E disse mais: pediu que as acusações "não se multipliquem e não atrapalhem a apuração de fatos verdadeiros". Os argumentos de um presidente de partido e de um ex-presidente da República são tão pouco sólidos que valeram uma observação jocosa do líder do PT , Aloizio Mercadante: corrupção não é pote de iogurte, que tem prazo de validade. Depois de um dos seus expoentes ser obrigado a, de público, reconhecer o uso do caixa 2, o PFL moderou o tom do discurso que se destinava a concentrar no PT todos os pecados do sistema partidário brasileiro. Mas não mostrou nem a mesma agilidade, nem a mesma determinação com que expulsou, em 24 horas, o deputado João Batista (SP), que foi preso levando malas de dinheiro em um jatinho fretado. Esses são apenas os novos elementos da crise política. Antes, ela já havia atingido o PT, o PL, o PP e o PTB, todos governistas. A generalização do delito leva a crer que qualquer manobra para imputá-lo como um problema de governo - e deste apenas - não terá sucesso. De fato, como o governador tucano Geraldo Alckmin tem declarado, a corrupção é sistêmica, mas não apenas no PT ou no governo. Ela é sistêmica porque atinge todos os partidos, está entranhada na vida política nacional e não começou no dia 1º de janeiro de 2003, quando o governo petista assumiu. Isso não exime nem o atual governo, nem o PT das suas responsabilidades. Mas, nessas alturas, negar a generalização e jogar a própria culpa para debaixo do tapete é subestimar a capacidade de julgamento da Nação. Não é mais possível manipular eleitoralmente a crise. Para que o cidadão tenha garantias de que essas práticas não se eternizem, é preciso que culpados sejam punidos, independente de filiação partidária. Somente assim o Congresso, que vai ser renovado no próximo ano, pode restabelecer o mínimo de dignidade e reassumir o seu papel institucional na democracia brasileira. Existe um número grande de parlamentares sob suspeiçáo. São de todos os partidos, e para todos os envolvidos, que a sociedade exige explicações e cobra punições. |
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