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Monday, April 25, 2005

Quem perde com a confusão na saúde do Rio



HÉSIO CORDEIRO e PAULO HENRIQUE ALMEIDA

Os conflitos técnicos e políticos entre o Ministério da Saúde e a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro continuam afetando a população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) . Quem perde é a população, principalmente os segmentos mais carentes e a classe média baixa.

Os hospitais anteriormente vinculados ao Inamps e hoje municipalizados pelo Ministério da Saúde para a Secretária Municipal de Saúde (SMS) tinham o perfil de hospitais de alta complexidade e de referência para a cidade e para o Estado do Rio de Janeiro.

Trabalhos produzidos com louvor por especialistas em saúde pública, como Luis Santini e José Noronha, que já foram secretários de saúde do estado entre os anos 80 e 90, épocas bem mais frutíferas para o setor, demonstram que o Rio de Janeiro, apesar de toda a sua tradição e sua cultura, não conseguiu, até o presente, manter um padrão de atendimento e de incorporação tecnológica compatível com o papel anteriormente exercido por tais hospitais.

São freqüentes as reclamações dos profissionais de saúde em relação à falta de medicamentos e de tecnologias modernas para o dia a dia dos serviços médicos especializados.

A rede básica, que seria a porta de entrada do sistema de saúde, continua funcionando precariamente, envolvendo um denotado esforço do pessoal dessas unidades. Um excelente documento no qual se apresentou proposta da SMS, elaborado em 2003, para a Estratégia de Ampliação e Consolidação da Saúde da Família revela que atingiu-se, somente, um sexto da meta que previa a instalação e o funcionamento de 600 unidades básicas, cobrindo cerca de 1,8 milhão de habitantes das regiões mais desprovidas de recursos de atenção à saúde.

A crise atual revela uma paralisia grave dos processos decisórios do SUS que não isenta de responsabilidade os governos federal, estadual e municipal. Não foi apenas um bate-boca entre autoridades municipais e federais. É uma crise manifesta que vai além dos eventuais preparativos dos próximos embates eleitorais, colocando em risco os princípios constitucionais de 1988, que criaram do Sistema Único de Saúde.

Qual a solução para tão grave problema? É necessário que se examine e se coloque em prática a formulação de uma política de saúde para o Rio de Janeiro e para a Região Metropolitana, com ênfase na atenção básica que funcione e seja resolutiva para 80% das doenças, exerça a promoção e a prevenção e consagre um sistema de encaminhamento de pacientes, através de critérios e protocolos bem discutidos com os profissionais de saúde, com órgãos de formação (Universidades públicas e privadas, Escola Nacional de Saúde Pública), órgãos de representação, entidades de estudo e pesquisa, como o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) e a Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). Todas tiveram importante papel na Reforma Sanitária Brasileira.

É preciso conferir maior autonomia aos hospitais, com um conselho gestor constituído pelos atuais interventores, representantes da prefeitura e do Estado. Este conselho teria poderes para manter o funcionamento dos hospitais e, com assessoria competente, estudar as propostas de longo prazo e outras experiências de gestão da saúde, nacionais e internacionais.

Uma delas, entre as quais assinalamos prioritariamente a do Estado de São Paulo, que transformou hospitais recém-construídos e desativados em organizações sociais com capacidade e autonomia para elaborar um orçamento global por hospital, captar recursos e gerenciá-los.

Os recursos, no Rio de Janeiro, poderiam provir do Fundo Nacional de Saúde (Ministério da Saúde), dos recursos fiscais do Estado destinados à saúde e dos recursos do Tesouro municipal da Cidade e dos Municípios metropolitanos.

A remuneração de cada hospital seria por cobertura populacional das Áreas Programáticas da Cidade e de bairros dos municípios da Região Metropolitana, de onde se originam as demandas para o Rio de Janeiro. Os investimentos relacionados à expansão da unidade seriam propostos pelos conselhos gestores e aprovados pela autoridade máxima da esfera de poder da qual provenha a maior parcela destes recursos. Como conseqüência, os hospitais, como organizações sociais, teriam administração profissional baseada em contratos de gestão, com metas bem definidas e controladas pelos conselhos municipal e estadual de saúde.

A rede básica manteria a vinculação administrativa e funcional com a SMS, tendo novas metas estabelecidas pelo prefeito para a expansão e implantação da Saúde da Família. A SMS definiria rotinas e fluxos para a articulação destas unidades básicas, com ambulatórios, policlínicas, centros diagnósticos, de recuperação e hospitais de referência.

Assim, a crise seria superada com o fortalecimento do SUS e com maior satisfação da população, que não teria mais razões para, jocosamente, denominar o hospital de campanha da Praça da República de "Cutia d'Or', em resposta às controvérsias do hospital improvisado pelas Forças Armadas, ao lado do Hospital Souza Aguiar, mas que não funciona nos fins de semana.
HÉSIO CORDEIRO é diretor da Faculdade de Medicina da Estácio de Sá. PAULO HENRIQUE ALMEIDA é sociólogo e professor.
O GLOBO

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