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Friday, April 15, 2005

Lembrando o PT de 2002, a desverticalização de 2006 e o segundo ato da farsa


A existência ou não da verticalização, enquanto a reforma dos sistemas político-partidário e eleitoral não for aprovada, não tem o valor que lhe atribuiu o presidente do PT. José Genoino. Ou será preciso convidar Waldomiro Diniz para dar uma aula de ciência política aplicada aos tempos atuais?

Por Rui Nogueira

Reprodução
DEBATE ENVIESADO: e chegamos a 2005 fazendo os preparativos para as regras e a campanha de 2006 com discursos tortos sobre a verticalização
O leitor nem imagina o que vai por aqui, em Brasília, pelos corredores do Congresso Nacional.

Gil Vicente e Ariano Suassuna, cada um a seu jeito e com modos e trejeitos dos tempos medievos aos de hoje, não dariam conta de compor uma farsa à altura do momento. O assunto carrega um quê de complexidade política, envolve o não menos complexo sistema eleitoral brasileiro, mas vamos ficar apenas no que ele tem de didático para quem quiser entender a burla com que o PT e José Genoino nos presenteiam.

Como devem se lembrar os eleitores, na campanha de 2002, a Justiça Eleitoral (TSE) impôs o que foi amplamente conhecido como "verticalização" das coligações. Em síntese, tratava-se de obrigar os partidos coligados na disputa pela Presidência da República a manter essa mesma aliança nas disputas pelos governos dos Estados e para senadores e deputados federais. No entendimento do TSE, o dispositivo já existia na Constituição (artigo 17), faltava apenas baixar uma resolução eleitoral para que ele fosse efetivamente seguido pelos partidos e candidatos.

O Partido dos Trabalhadores, como bem registrou a história daquela campanha, viu na decisão do TSE, então sob o comando do ministro Nelson Jobim, uma medida pró-José Serra (PSDB), o adversário de Lula. E foi aquele barulho político!

Houve quem lembrasse que Jobim e Serra eram tão amigos que até haviam dividido apartamento. O chilique entrou para os anais das melhores esperneadas políticas, com direito a nota, discurso e entrevistas enfurecidas do deputado paulista João Herrmann, então PPS, hoje no PDT, mas aliado de Lula na campanha. Irritado com o que julgava ser uma atuação jurídica desequilibrada de Jobim, Herrmann xingou o ministro e a Justiça. O pano de fundo era a verticalização imposta aos partidos.

A verdade é que Lula ganhou, a verticalização não influenciou em nada – nem na vitória do PT nem na derrota de Serra – e gerou um bocado de candidatos laranjas e cristianizados. E chegamos a 2005 fazendo os preparativos para as regras e a campanha de 2006 com José Genoino, presidente do PT, a dizer, agora, que "a verticalização fortalece os partidos" e combate a anarquia do sistema eleitoral. E Genoino "garante" que o PT vai votar contra a emenda constitucional que propõe o fim da verticalização para o pleito do ano que vem. Será? Só se ele fechar questão para exibir força sobre as bancadas no Congresso. Estamos, mais uma vez, diante de um daqueles jogos duplos a que os petistas habituaram o país.

O presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), se diz pressionado a pôr em votação a emenda constitucional e, como que tentando fazer uma piada de mau gosto, aponta o PFL como um dos partidos que fazem essa pressão, dando a entender que se trata de algum tipo de pressão ilegítima, à socapa. Ora, deputado Biscaia, "menas"!

O PFL diz a céu aberto e para quem quiser ouvir que é contra a verticalização. O PSDB está dividido, mas, na maioria, é contra; o comando tucano deve liberar as bancadas, mas dando-lhes o indicativo de que a verticalização deveria ser derrubada. A base inteira de apoio ao Planalto, do PMDB ao PTB, passando pelo PL e pelo PP, é contra. Lula e José Dirceu são contra a manutenção da verticalização. Será que Lula e o ministro-chefe da Casa Civil estão dispostos a enfrentar os peemedebistas e demais aliados em nome de uma "pureza" político-eleitoral que José Genoino só descobriu agora?

Não, não estão. Ao Planalto e articuladores da campanha pela reeleição interessa amarrar ao máximo os partidos aliados a Lula, tanto quanto lhes interessa liberar esses mesmos aliados para fazer, nos Estados, as coligações que bem entenderem. Um dos motivos, interesses fisiológicos à parte, é que, se nada mudar na lei em vigor, em 2006 começa a valer a cláusula de barreira, aquele que estabelece percentagem mínima de deputados a eleger para que os partidos tenham direito a representação congressual. Assim sendo, todos têm interesse em lançar, nos Estados, o maior número possível de candidatos próprios como puxadores de votos para a legenda. A missão desses candidatos é menos eleger-se para os governos estaduais e mais multiplicar votos.

Segundo ponto da questão: a farsa de 2002 se repete porque os discursos de Genoino e de Biscaia só existem para disfarçar a real intenção do PT, que é entregar ao Planalto o fim da verticalização. Impera o reino do oportunismo político.

Fora desse império como pode ser vista a verticalização? Uma reforma político-partidária e do sistema eleitoral deve, sim, impor algum tipo de lógica às coligações. Mas, como ensina o professor e cientista político Jairo Nicolau, se há alguma lógica a debater, ela situa-se na conexão das disputas federais, isto é, para presidente da República, senadores e deputados federais. É o momento em que o eleitor escolhe o governo da União, e parece correto que ele seja levado a pensar no conjunto de um governo que quer ver eleito para o Planalto e o Congresso, que cumprem o mesmo período de mandato.

Talvez isso diminua o descompasso entre as votações para presidente e o partido majoritário na Câmara e Senado. Quase sempre o partido do presidente é, também, o mais votado para o Legislativo. A desproporção, porém, sempre leva o presidente a ter de exercitar um complicado presidencialismo de coalizão. O que a solução político-eleitoral de um governo de Estado, em uma federação do tamanho da brasileira, tem a ver com a eleição presidencial? Quase nada ou nada quase sempre.

Essa realidade eleitoral local-estadual, tanto quanto a da eleição municipal, tem natureza diferente da eleição para o Planalto.

Portanto, a existência ou não da verticalização, enquanto a reforma dos sistemas político-partidário e eleitoral não for aprovada, não tem esse valor todo que lhe atribuiu o presidente do PT. Defender a manutenção da verticalização com base em argumentos de moralismo político é o exercício do mau debate. Coisa boa não sairá daí. Usar essa defesa para fazer um discurso farsesco, tentando responsabilizar os outros partidos por uma mudança que também se deseja, não é menos pernicioso.

O quadro partidário, como diz Genoino, está um caos, mas ele e o Planalto, a começar pelo ministro José Dirceu, bem sabem por que ficou muito pior do que estava. Ou será preciso convidar Waldomiro Diniz para dar uma aula de ciência política aplicada aos tempos atuais?

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