Não deu certo a idéia de instituir a reeleição dos prefeitos, dos governadores e do presidente da República. Como a inovação não funcionou, agredida por disfunções que proliferam em países politicamente primitivos, cumpre ao Congresso revogá-la. Não antes de outubro de 2006: deve-se preservar o direito adquirido por centenas de governantes, a começar pelo presidente Lula da Silva. Nem poderá demorar, porque o tumor clama por bisturis.
Sugerida na metade do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, a mudança acabou absorvendo a agenda do Executivo e do Legislativo - e passou a condicionar os movimentos do governo e dos parlamentares. Energias até então concentradas na aprovação de reformas essenciais se deslocaram para a nova prioridade. E um governo que vinha avançando em bom ritmo perdeu muito tempo estacionado em miudezas políticas que, desprezadas por estadistas, terminam por barrar-lhes a caminhada.
O Brasil é um deserto de partidos reais. O PT já é. O PSDB será. Quanto aos outros, são apenas siglas desprovidas de ideologia e planos de ação definidos. Em países assim, as chamadas alianças partidárias nascem de acertos e barganhas pouco edificantes. FH tinha cacife suficiente para completar o mandato sem sobressaltos no Congresso. Para ficar mais quatro anos, teve de submeter-se a penosas parcerias.
FH reelegeu-se com folga, mas hoje talvez rumine a dúvida: terá valido a pena? Caso se limitasse a uma temporada no Planalto, poderia transformar-se no grande eleitor de 1998. A maioria dos brasileiros tenderia a endossar o nome indicado pelo presidente que controlara a inflação, modernizara o país e, abstraídos erros, enganos e escorregões, desencadeara o processo de privatizações que tornaria o Estado mais esguio, saudável, contemporâneo.
Vitorioso, o sucessor apontado por FH teria força para, amainados os abalos econômicos sofridos por nações emergentes, acelerar a aprovação das reformas em andamento ou na fila de espera. Desgastado também pelo esforço despendido na luta pela reeleição, o FH do segundo mandato parecia menos musculoso politicamente que o do primeiro.
Conseguiu avanços evidentes. Poderia ter avançado muito mais. Fernando Henrique Cardoso será lembrado como um dos melhores presidentes do Brasil republicano. Se tivesse deixado o poder no fim do primeiro mandato, hoje estaria alojado no imaginário popular como o melhor entre todos.
No caso de FH, a tentação de sobraçar por mais quatro anos o bastão de mando lhe foi assoviada por ventos fortemente favoráveis ao governo. Quanto a Lula, o projeto da reeleição aparentemente emergiu tão logo se configurou o triunfo na disputa de 2002. Lula subiu a rampa do Planalto sem descer do palanque. O presidente noviço e o veterano candidato se haviam fundido na mesma figura.
Simultaneamente, abriu-se a Era Lula e reabriu-se a campanha.
O presidente não administra: faz política. Não despacha com ministros: comanda reuniões. Nos improvisos quase diários, inclui promessas e cobranças como se ainda chefiasse a oposição. Disposto a evitar confrontos constrangedores com jornalistas independentes, não concedeu nenhuma entrevista coletiva de verdade, transmitida sem cortes pela TV.
Os critérios para a escolha de ministros não contemplam os interesses do Brasil: são ditados pela estratégia concebida para garantir uma reeleição sem sustos. À frente de uma equipe medíocre, Lula tem poucas realizações a exibir. Mas dispõe de trunfos consideráveis. Os índices de popularidade são bons. É o único presidenciável do PT. E passa o dia pensando em outubro de 2006. Reeleito, enfim cuidará do Brasil.
JB
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Wednesday, April 20, 2005
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