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Tuesday, April 26, 2005

No traseiro dos outros



Ana Maria Pacheco Lopes de Almeida (26/04/05 11:51)

Justiça se faça. Nosso elegante rei-filósofo é um batalhador incansável em uma atividade: a de terceirizar responsabilidades. Superou-se ontem ao atribuir a culpa pelos juros mais altos do mundo praticados pelo governo dele ao comodismo da classe média, que reclama muito, mas "não tira o traseiro da cadeira" para mudar de banco e obter taxas mais baixas. Se Sua Excelência sentasse mais o próprio traseiro na cadeira presidencial para cuidar da gestão do país, não diria tanta besteira.

Antes de apontar o dedo acusador para o traseiro alheio, olharia o imenso rabo de palha do governo que deveria comandar. E saberia, então, que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, bancos públicos aparelhados pela companheirada do PT, cobram taxas de juro altíssimas no cheque especial de pessoas físicas. O BB ocupa o trigésimo-segundo lugar e a CEF, o vigésimo-quinto, no ranking elaborado pelo Banco Central. Ou seja: 31 bancos, a maioria privados, praticam juros menores do que os do Banco do Brasil e 24 cobram de seus correntistas menos do que a Caixa.

A classe média, cruelmente açoitada em seus glúteos, por certo gostaria de saber em que banco o presidente falastrão, seus ministros e companheiros do PT, abrigados pelo nepetismo em cargos de confiança, mantêm suas contas bancárias, seus cheques especiais e seus cartões de crédito. Os funcionários da presidência da república, por exemplo, são obrigados a abrir conta no Banco do Brasil para receber seus salários. Poderiam seguir o gentil conselho presidencial, levantar o traseiro de seus gabinetes, ir à sala de Lula, no terceiro andar do Palácio do Planalto – cuidando, claro, de ligar antes para saber se ele está lá – e exigir dele que tire a conta-salário do BB.

Afinal, sem levantar o traseiro da cadeira em frente ao computador, basta clicar no site do Banco Central e ver o ranking dos bancos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, classificados por ordem crescente da taxa de juros que cobram no cheque especial de pessoas físicas. A última pesquisa feita pelo Banco Central refere-se à semana de 6 a 12 de abril e a tabela é encontrada no seguinte link: http://www.bcb.gov.br/fis/taxas/htms/012010T.asp?idpai=txcredif

Se o ilustre traseiro presidencial zanzasse menos por aí, Lula também teria sabido, ontem, que o volume de cheques sem fundo, em março, foi recorde histórico e que a inadimplência nas linhas de crédito pessoal atingiu patamar inédito. No palavreado ao gosto de Sua Excelência, nunca antes na história deste país voou tanto cheque sem fundo e aplicou-se tanto calote.

De cada mil cheques passados em março, 20,8 voltaram. A inadimplência bateu em 18,5%. E veja só, Lula, o que dizem os especialistas sobre esses recordes de seu governo: há uma bolha de crédito, que pode estourar logo, logo, devido aos juros na estratosfera e ao aumento nas taxas de desemprego em janeiro e fevereiro.

No país maravilhoso de Lula, o otimista, nada disso está acontecendo. Se acontece, a culpa não é dele. Para encerrar, uma frase final do esplêndido discurso de ontem:
— Digo todo santo dia: estamos transformando o Brasil, que é um país capitalista, num país com capital na mão do povo, ou seja, com um pouco de dinheiro.

Haja traseiro pra agüentar esse rojão.


Luz amarela no crédito
O Globo (26/04/05)

Lula critica quem 'não tira traseiro da cadeira para mudar de banco'
O Globo (26/04/05)

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