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Saturday, April 16, 2005

Discurso da ditadura (e muitoalém)

Discurso da ditadura (e muito além)

Antonio Fernandes (16/04/05)

Matéria da Folha de S. Paulo de hoje traz declarações de José Goldemberg
sobre Dirceu. Segundo o respeitado físico brasileiro, "o único argumento
que José Dirceu usou até agora [para defender o uso da energia nuclear]
é que é estratégico. Esse é exatamente o argumento dos militares. A
linguagem que os militares usavam é que eles iriam desenvolver energia
nuclear para fins pacíficos e talvez então pensar em armas. Então, acho
que o José Dirceu está repetindo o argumento".

O que é estratégico, é óbvio, depende da estratégia. Qual a estratégia
que está por trás da avaliação de que o uso da energia nuclear é
estratégico? Os chefes militares da ditadura não tinham vergonha de
dizer: é a estratégia do Brasil Grande Potência.

Dirceu não diz, mas isso não tem tanta importância. O problema é que
essa deve ser também a posição de Lula. Aliás, não são poucas as
coincidências entre o discurso de Lula e os discursos dos nossos antigos
ditadores.

O liame ideológico é o estatismo. Lula acha realmente que o Estado -
desde que dirigido por ele - é a solução. Assim também pensavam os
militares golpistas: tudo é possível, diziam, até mesmo o comunismo,
desde que sob nossa direção. Sim (pasmem!), no Estado Maior das Forças
Armadas, nos anos de 1969 a 1972 pelo menos, alguns coronéis viviam
repetindo isso em conversas reservadas. Devia ser alguma coisa como um
"comunismo" a la Chávez, também um coronel golpista. Mas o background, o
fundo comum que permite o florescimento dessa ideologia, é a visão
autocrática da realidade social, disfarçada, no caso de Lula, pelas
metáforas familiares patriarcais. Ele quer ser o patriarca, o paizão.

A política internacional de Lula - estrepitosa e midiática - revela
essas mesmas ambições ou pretensões. O caso recente da derrota da
candidatura nacional de Luiz Felipe de Seixas Corrêa à presidência da
OMC denuncia a existência desse substrato autoritário-nacionalista (para
além, é claro, de fornecer uma prova de incompetência política). Os
discursos a favor da soberania nacional e as alfinetadas no imperialismo
norte-americano (em defesa do protoditador Chávez), as mirabolantes e
anacrônicas tentativas de reunir o Sul contra o Norte, a propaganda
mistificadora que tem como objetivo vender a imagem de Lula como campeão
da luta contra a exclusão e até as mentiras deslavadas sobre o Fome Zero
(um programa que jamais existiu aqui) para impressionar os líderes
mundiais - tudo isso faz parte da mesma estratégia.

Não há como negar que, por trás de tudo isso, há um sonho, velado, de
reeditar o objetivo estratégico nacional do Brasil Grande Potência, como
previa a chamada Doutrina de Segurança Nacional.

Para Lula, na verdade, trata-se do sonho do Grande Líder. É uma coisa
pessoal. Mas como ser um Grande Líder sem um grande poder? Nos campos
intelectual, moral ou espiritual, nem pensar. A matéria de que é feito
nosso presidente não serve para a obra. Logo, só há uma alternativa: por
meio do grande Estado.

No entanto, agora Lula já viu que o Estado não é bem o que ele pensava.
Viu que as coisas não acontecem por força da vontade política do chefe.
Viu que na ausência de realizações concretas a única alternativa é a
propaganda, a encenação midiática (e só assim se explica a perda de
tempo com tantas viagens improdutivas na África). E imaginou - para
nosso azar - que imprimir ao Estado um papel que ele não pode mais
cumprir no mundo contemporâneo (mas isso ele ainda não sabe) é uma
"forçação de barra" que exigirá, pelo menos, o dobro, senão o triplo do
tempo que estimou ser necessário (isso também não é possível, mas é o
que ele pensa).

Dentre todos os outros motivos compartilhados pelo PT e seus aliados
(dentre os quais, o básico é o de sempre: os que estão nos cargos não
querem "largar o osso"), a reeleição, para Lula, tende a ser uma questão
de vida ou morte. Interrompido agora em seu projeto, ele não terá mais o
mesmo fôlego para retomá-lo, sobretudo se um sucessor, com juízo e mais
competência política e administrativa, voltar a fazer o governo funcionar.

A admiração indisfarçável de Lula pelos ditadores e outros governantes
que conseguem ficar décadas no poder, revela que ele enfrentará a
reeleição contrariado. Gostaria de ter sido eleito de uma vez por todas.
Gostaria que o cargo de chefe fosse vitalício (sem essa tal de
democracia para atrapalhar). Mas também revela que ele será tentado a
fazer qualquer coisa - absolutamente qualquer coisa - para não ser
apeado do comando.

A julgar pelas tendências (não pelas circunstâncias) atuais, o cenário
não será favorável à Lula em 2006, mas ele não está nem aí. Em termos de
vontade, disposição e determinação, não há comparação possível entre
Lula e o PT, de um lado, e os candidatos de oposição e seus partidos, de
outro.

Os políticos tradicionais, em que pesem todos os seus conhecidos
problemas, são, afinal, pessoas normais, acham que a vida é assim mesmo,
que é preciso ir levando, tocando o barco e "rolando o lero", esquecendo
as amarguras do dia e saboreando um pouquinho das suas aposentadorias,
por antecipação, todas as noites. Assim, para eles, perder ou vencer faz
parte do jogo. Às vezes, quando perdem, ficam amargurados, adoecem (o
que é uma prova de sanidade) e até abandonam a política. Mas, em geral,
não são possuídos, como Lula, por um complexo psicológico tão forte e
tão obsessivo, daqueles que ocupam tão intensamente a psique que são
capazes, inclusive, de poupar os indivíduos de suas (saudáveis) neuroses.

Muita gente criticou Lula pelo fato de ele ser chegado à bebida para
além do que seria recomendável a um homem público. Não viram que o
vício, nesse caso, não era um defeito, senão um remédio, um mecanismo
psicológico defensivo e autoregenerador da personalidade, uma maneira de
escapar da obsessão. Para a nossa sorte, aliás. Mil vezes Lula bebendo,
brincando com os amigos, rindo dos outros e sobretudo de si mesmo, do
que um Lula com as características de Dirceu (aquele que, sem ter o
mandato e a liderança do chefe, já tem uma arrogância de chefe, como
observou certa vez Dora Kramer, que o leva a se situar "uma oitava acima
da humanidade").

Pois bem. A humanidade de Lula é o que pode salvá-lo e, ao mesmo tempo,
é o que pode nos salvar. Sim, porque, definitivamente, não podemos
permitir que ele continue: não obstante seus sonhos de grandeza, não é
uma pessoa adequada para o cargo e insistir nisso acarretará imensos
problemas para o país. Tomara que ele consiga se convencer de que perder
a reeleição não é o fim do mundo e não perca a cabeça fazendo besteiras
maiores, caindo, por exemplo, na tentação de lançar mão de expedientes
antidemocráticos. E tomara que consigamos contribuir para que ele perca
(não a cabeça, mas a eleição). Para que ele retorne à oposição (onde,
certamente, ainda tem um papel importante a cumprir) ou às lides de São
Bernardo, de volta ao começo, fechando com chave de ouro um ciclo de sua
impressionante carreira. Não poderia haver nada melhor. Nem para ele,
nem para o Brasil.

Dirceu repete discurso da ditadura, diz físico

Cláudio Angelo, Folha de S. Paulo, 16/04/05

O físico e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, José
Goldemberg, disse que o ministro José Dirceu repete a argumentação do
regime militar ao defender a energia nuclear como estratégica para o país.

"O único argumento que José Dirceu usou até agora é que é estratégico.
Esse é exatamente o argumento dos militares. A linguagem que os
militares usavam é que eles iriam desenvolver energia nuclear para fins
pacíficos e talvez então pensar em armas. Então, acho que o José Dirceu
está repetindo o argumento."

Considerado um dos maiores especialistas em energia do país, Goldemberg,
ex-secretário nacional de Ciência e Tecnologia e ex-ministro da
Educação, é crítico do uso da tecnologia nuclear para geração de
eletricidade. Para ele, energia nuclear em grande escala não só não faz
sentido técnico e ambientalmente como também é erro econômico e estratégico.

A opinião é compartilhada pelos ministérios de Minas e Energia e do Meio
Ambiente.

A sugestão de que o desenvolvimento da tecnologia nuclear ajudaria o
Brasil a conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da
ONU também é considerada sem fundamento pelo secretário. "Ao contrário,
a posse de armas nucleares é motivo de discriminação."

Sobre a usina de enriquecimento de urânio em Resende (RJ), disse que
"claramente não se justifica" economicamente. "Uma usina de
enriquecimento de urânio de grande porte custa US$ 800 milhões. A carga
de urânio para um reator do tipo Angra 2 ou 3 custa US$ 12 milhões por
ano. Quer dizer, você iria fazer investimento de US$ 800 milhões para
economizar US$ 12 milhões por ano."

Ex-presidente da Eletrobrás, o físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor da
Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade
Federal do Rio, disse ser contrário à instalação de Angra 3. Primeiro,
diz, é preciso solucionar "o passivo ambiental e financeiro" de Angra 1 e 2.

Colaborou PEDRO SOARES, da Sucursal do Rio

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