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Saturday, April 30, 2005

MUSICAS

El dia que me quieras. Com Compay Segundo.
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El Rumbón. Com o pianista cubano Chucho Valdés.
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Loro. Com Egberto Gismonti, piano, e Charlie Haden, baixo.
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Some kind of wonderful. Com Jass Stone (que é loura, linda e jovem)
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Speak no Evil. Com Wayne Short, sax alto.
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I'm just a lucky so and so. Com Tony Bennett.
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Tangerine. Com Jonh Pizzarelli e Ray Brown trio.
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Eu sei que vou te amar. De Tom Jobim e Vinícius.
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The song is you. Com Bruce Forman e Ray Brown trio.
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I get a kick out of you. De Cole Porter.
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How sensitive. Com Clayton Hamilton Jazz Orchestra.
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Blues in the night. Com Dóris Day
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It don't mean a thing. Com Dick Hyman Group.
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"Disse alguém". Com João Gilberto, Caetano, Gil e Betânia.
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Flamingo. Com Oscar Peterson (piano) e Stéphane Grappelli (violino)
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La Luna. Com Ray Barreto
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Blue selah. Com Johnny Hammond, orgão
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Don't mess with Mister "T". Com Stanley Turrentine, sax.
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A filha de Chico Brito. Com Elis Regina
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Little jazz bird. Com Blosson Dearie
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The party's over. Com Carla Helmbrecht
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VEJA ENTREVISTA FDR



 
Índice
Entrevista
Franklin Roosevelt
Invasão no Dia D
A resistência alemã
Jornalistas em ação
Perfil
Dwight Eisenhower
Veja essa
Frases, números, ilustrações
Gente
Clark Gable
Louis Armstrong
Dashiell Hammett
Frank Sinatra
Josephine Baker
Ponto de vista
Ernest Hemingway
Mapa
Dia D: a invasão

 
Setembro de 1939
Alemanha invade a Polônia
Junho de 1940
A queda da França
Junho de 1941
O ataque à Rússia
Dezembro de 1941
Pearl Harbor
Fevereiro de 1943
Cerco de Stalingrado
Setembro de 1943
Rendição da Itália
Fevereiro de 1945
O Holocausto

Maio de 1945
Queda do III Reich

Agosto de 1945
O fim da guerra

Edição especial
O Brasil na guerra
ENTREVISTA: Franklin Delano RooseveltVEJA, Junho de 1944
O presidente americano comemora os avanços na Normandia e a conquista de Roma, mas avisa: o caminho até a vitória ainda é longo. Com confiança nos aliados soviéticos e chineses, FDR não cogita a derrota - mas é cauteloso ao discutir as datas. 'Será bem difícil e custoso, como já alertara antes', diz.
o assumir a presidência dos Estados Unidos, em 4 de março de 1933, Franklin Roosevelt proclamou sua frase mais famosa: "A única coisa que devemos temer é o próprio medo". A frase se refereia aos tempos da Grande Depressão, o atoleiro econômico em que vivia a nação até a posse do novo presidente. Agora, com o país novamente de pé - e mais rico do que antes -, o bordão pode muito bem ser aplicado à participação americana na guerra. Após muita resistência, os EUA subiram ao ringue e, com seu peso decisivo, inverteram a balança de forças. A posição da maioria dos americanos mudou da água para o vinho: a hesitação isolacionista ficou para trás, dando lugar a uma forte disposição de vencer. A guinada não foi obra só dos japoneses, que atacaram Pearl Harbor e inflamaram o povo - Roosevelt, político habilíssimo e espetacular orador, vendeu como ninguém a causa dos Aliados, fazendo o país enfim superar seus temores. Craque também nas urnas, FDR deverá tentar um inédito quarto mandato como presidente no fim deste ano. Nos dois últimos pleitos, em 1936 e 1940, foi reeleito vencendo de lavada. Por causa da guerra, é quase impossível que não ganhe outra vez - apesar dos sinais cada vez mais preocupantes de problemas com sua frágil saúde, sobre a qual a imprensa americana reluta em falar. Se o físico de Roosevelt aparenta desgaste, seu impressionante intelecto parece afiado como sempre. Nesta entrevista, ele explica com brilho e franqueza como vencerá a guerra e revela que ajudará até os países derrotados: "Estabelecer um padrão de vida decente em todas as nações é um fator essencial para a paz permanente".
...
VEJA - Como o senhor avalia o resultado do Dia D e da abertura do novo front?
Roosevelt - Acho que conseguimos o impossível. O golpe atordoante que atingiu a França naquela manhã foi a culminação de meses de planejamento cuidadoso e muita preparação. Tivemos sucesso até agora. Milhões de toneladas de armas e suprimentos e centenas de milhares de homens foram despejados na batalha. Não há escassez de nada! Rompemos a muralha deles. O ataque foi custoso em homens e materiais. Alguns dos desembarques foram aventuras desesperadas. Mas, pelo que sei até agora, as baixas são menores do que o previsto.

 "É claro, há ainda um longo caminho até Tóquio. Mas se nossa estratégia for mantida, podemos derrotá-los antes."
  

VEJA - O senhor acha que a recente invasão da Normandia será a batalha decisiva, a missão que determinará o desfecho desta longa guerra?
Roosevelt - Não é tão simples. Sei que todo o interesse hoje está centrado na Normandia, mas não podemos perder de vista que nossas forças estão mobilizadas em campos de batalha no mundo todo, e que nenhum front pode ser visto de forma isolada, sem ter relação com o resto. Vale a pena lembrar como estava a situação há apenas dois anos, em junho de 1942. Naquele tempo, a Alemanha controlava quase toda a Europa, o norte da África e o Mediterrâneo. A Itália ainda era um importante fator militar. O Japão controlava as ilhas do Pacífico e colocava nossas forças na defensiva. Hoje, contudo, estamos na ofensiva no mundo todo, retribuindo o ataque dos inimigos. É claro, há ainda um longo caminho até Tóquio. Mas se a estratégia for mantida, ou seja, se eliminarmos o inimigo europeu primeiro e depois concentrarmos todas as forças no Pacífico, venceremos a Alemanha e o Japão mais rápido do que se pensa.

VEJA - Como país mais rico do mundo, os Estados Unidos vêm pagando parte substancial da conta da campanha aliada. Seu país terá fôlego econômico para custear a guerra até o fim sem comprometer seu futuro?
Roosevelt - Acredito que sim. Além do recolhimento dos impostos comuns, reuniremos os fundos necessários para lutar através da venda de Títulos de Guerra. A compra desses papéis é um ato de livre escolha, que todo cidadão faz de acordo com sua própria consciência. E fico feliz em informar que quase todos os americanos fizeram isso. O país tem cerca de 67 milhões de pessoas com alguma renda, mas 81 milhões já compraram Títulos de Guerra. Foram mais de 600 milhões de títulos comprados, que somaram mais de 32 bilhões de dólares. Se há alguns anos alguém dissesse que isso ocorreria, seria chamado de lunático.

VEJA - Mas o apoio popular ao esforço de guerra ainda tem algumas exceções.
Roosevelt - Confesso que fico desapontado quando noto isso. A esmagadora maioria da população recebeu as demandas da guerra com magnífica coragem e muita compreensão. Aceitaram inconveniências, aceitaram dificuldades, aceitaram sacrifícios. Mas, enquanto a maioria trabalha sem reclamar, uma minoria barulhenta continua rosnando por favores especiais. São pestes que infestam os lobbies do Congresso e os bares de Washington e enxergam na guerra uma chance de obter lucro próprio. Talvez nem estejam tentando sabotar o esforço de guerra, mas se iludem ao achar que acabou a hora de fazer sacrifícios, que a guerra já está ganha e podemos relaxar. Mas esse tipo de atitude só prolonga a guerra.

"Uma vida decente ajuda para a paz. Pessoas famintas e desempregadas são a matéria-prima para as ditaduras." 
  
VEJA - Nota-se também a preocupação de muitos americanos com o dinheiro que o senhor reservará para reconstruir os países arrasados pela guerra.
Roosevelt - Mas estabelecer um padrão de vida decente para homens, mulheres e crianças em todas as nações é um fator essencial para uma paz permanente. A real liberdade individual não pode existir sem segurança econômica. Pessoas famintas e desempregadas são a matéria-prima das ditaduras. Há pessoas que se entocaiam como toupeiras e tentam espalhar pelo país a suspeita de que, se outras nações forem ajudadas a elevar seu padrão de vida, o padrão de vida dos americanos será depreciado. Na verdade, é o contrário. Já ficou provado que, se o padrão de vida de um país cresce, cresce também seu poder de compra. E essa alta estimula o aumento do padrão de vida de vizinhos com quem faz comércio. É pura questão de bom senso.

VEJA - Há mais uma queixa em seu país: a de que as medidas adotadas por causa do esforço de guerra são excessivas. A seu pedido, o Congresso proibiu, por exemplo, a realização de greves, algo que se costuma ver em regimes totalitários...
Roosevelt - Nosso sistema de serviço nacional é a forma mais democrática de se lutar uma guerra. É a obrigação do cidadão servir à nação ao máximo onde ele for mais bem qualificado. E isso não significa redução de salários, perda de benefícios previdenciários, prejuízo aos empregos. Estou convicto de que o povo americano receberá bem as medidas, baseadas no princípio do "justo para um, justo para todos". É assim que se luta e se ganha uma guerra. Ainda que ache que os Aliados podem vencer sem tais medidas, estou certo de que nada menos do que a mobilização total da mão-de-obra e do capital garantirá a vitória antecipada.

VEJA - O senhor acredita que o isolacionismo, posição majoritária no país até o ataque a Pearl Harbor, voltará a existir depois da guerra?
Roosevelt - Creio que não. Vivemos por tempo demais sob a esperança de que as nações agressoras e belicistas aprenderiam e entenderiam a doutrina da paz puramente voluntária. Era uma posição bem-intencionada, mas fracassada. Espero que não a adotemos de novo. Bem, esperar é pouco: na verdade, farei tudo o que for humanamente possível como presidente para evitar que esses trágicos erros não sejam cometidos outra vez. Sempre existiram os idiotas que acreditavam que não haveria guerras se todos entrassem em casa e trancassem suas portas. Eles não estavam dispostos a encarar os fatos. Mas, se estamos lutando pela paz agora, não é lógico que no futuro usemos a força, se necessário, para manter essa paz?

 "A Itália viveu por tanto tempo sob o regime corrupto de Mussolini que sua condição piorou muito. Há fome."
  

VEJA - Além do espetacular progresso obtido depois do Dia D, as últimas semanas foram marcadas também pela libertação de Roma. Como o senhor recebeu essa notícia?
Roosevelt - Como foi a primeira das capitais do Eixo a estar em nossas mãos, pensei: uma já foi, agora faltam duas, Berlim e Tóquio. Talvez seja significativo que a primeira capital a cair tenha a mais longa história entre todas elas. Ali ainda vemos os monumentos do tempo em que os romanos controlavam todo o mundo. Isso também é significativo, já que queremos que, no futuro, nenhum povo seja capaz de governar o planeta inteiro. Além dos monumentos antigos, também vemos em Roma o grande símbolo do cristianismo. Fico satisfeito que a liberdade do papa e do Vaticano tenha sido garantida por nós. Também é simbólico que Roma tenha sido libertada por forças de várias nações juntas. E, se Roma foi poupada da devastação que assolou outras cidades, não é aos alemães que devemos agradecer. Afinal, manobramos com tamanha perícia que, se ficassem em Roma para destruir a cidade, os nazistas perderiam exércitos inteiros. Mas Roma é, obviamente, mais que um simples objetivo militar.

VEJA - E como será a vida dos italianos agora?
Roosevelt - Eventualmente a Itália conseguirá se reconstruir. Mas será seu próprio povo que fará isso, escolhendo seu próprio governo democrático. Enquanto isso, não seguiremos o padrão adotado por Mussolini e Hitler nos países ocupados, de pilhagem e fome. Já estamos ajudando. Com a cordial cooperação dos italianos, estamos estabelecendo a ordem, dissolvendo as organizações fascistas, suprindo as necessidades cotidianas até que eles possam cuidar deles mesmos. Os italianos viveram por tanto tempo sob o regime corrupto de Mussolini que sua condição piorou muito. Encontramos fome, miséria, doença, educação e saúde pública pioradas. São subprodutos do fascismo. A tarefa aliada na ocupação é gigantesca.

VEJA - O senhor sabe estimar quanto essa operação custará?
Roosevelt - Veja, alguns podem pensar nisso só pelo aspecto financeiro. Mas esperamos que a ajuda seja um investimento no futuro, que pague dividendos ao acabar com o desejo italiano de iniciar outra guerra. Não perdemos de vista suas virtudes como nação pacífica. Lembramos dos muitos séculos em que os italianos brilhavam nas artes e ciências. Lembramos de seus grandes filhos, como Galileu e Marconi, Michelangelo e Dante. No passado, milhões deles chegaram aos EUA. Foram bem recebidos, prosperaram, se tornaram bons cidadãos. O mesmo ocorreu em outros países, como no Brasil, por exemplo. A Itália deve continuar sendo uma grande nação-mãe, contribuindo para o progresso e preservando sua herança cultural e histórica. Todas as nações contrárias ao fascismo devem ajudar a Itália a ter outra chance

"Chiang mostra
ter grande visão.
E Stalin combina uma tremenda determinação e ótimo humor."

 
  
VEJA - Antes do Dia D, surgiram relatos de que americanos e britânicos brigaram para decidir quem comandaria essa monumental ofensiva. Essa informação procede?
Roosevelt - É evidente que não. Você pode até ter ouvido de algumas pessoas que britânicos e americanos não se dão bem, que a cooperação entre nós é difícil. Nossas recentes vitórias desmentem esses preconceitos ignorantes. A luta incansável do povo britânico nesta guerra foi simbolizada pelas históricas palavras e ações de Winston Churchill, com quem me entendo muito bem. Na verdade, o senhor Churchill se tornou conhecido e amado por milhões de americanos. É um grande cidadão do mundo. Continuaremos lutando juntos.

VEJA - E os russos e chineses? Há alguma rivalidade ou atrito com eles?
Roosevelt - As recentes conferências do Cairo e Teerã deram-me a primeira oportunidade de conhecer o generalíssimo Chiang Kai-shek e o marechal Josef Stalin, de sentar à mesa com eles e conversar frente a frente. Confiávamos uns nos outros, mas precisávamos do contato pessoal. Agora, além de confiar neles, os conheço bem. Valeu a pena viajar milhares de quilômetros para ver que concordamos em todos os objetivos e em todos os meios de obtê-los. Encontrei no generalíssimo Chiang um homem de grande visão, de um entendimento agudo dos problemas atuais e futuros. E me relacionei muito bem com o marechal Stalin, homem que combina tremenda determinação com um eterno bom humor. Acredito que ele seja um legítimo representante da alma e coração dos soviéticos, com quem, creio, teremos uma ótima relação.

VEJA - Então os Aliados já definiram o que fazer quando a guerra terminar?
Roosevelt - Concordamos substancialmente nos objetivos gerais para o mundo no pós-guerra. Discutimos as relações globais sob o ponto de vista das metas amplas, não de detalhes. Mas, depois desses debates, posso dizer que não creio no surgimento de diferenças indissolúveis entre URSS, Grã-Bretanha e EUA. De qualquer forma, não é hora de iniciar a discussão sobre termos de paz. Primeiro precisamos ganhar a guerra. Não podemos aliviar nossa pressão sobre o inimigo perdendo tempo com discussões sobre fronteiras e controvérsias políticas. Ainda não é hora de festejar. A vitória ainda está a alguma distância de nós. Essa distância será percorrida no tempo devido. Mas isso será difícil e custoso, como já alertara antes. E suspeito que, quando essa guerra enfim terminar, não estaremos em clima de festa. Acho que nossa maior emoção será uma grave determinação para que isso jamais volte a acontecer.
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A oração de FDR antes da ofensiva na França
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Discurso de FDR depois do ataque à Normandia
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  índice da edição próximo texto

 

Friday, April 29, 2005

Eles, que deram um pé no traseiro da teoria política


Eles, que deram um pé no traseiro da teoria política
A crônica política ajuda a criar confusão e desinformação e a turvar o cenário. Boa parte dos críticos do presidente, se bem lidos, anseia é por um Lula mais parecido com seu discurso pregresso, o que é uma temeridade

Por Reinaldo Azevedo

Reprodução
VIRAM SÓ? Até ele se comporta e senta no banquinho. Dizem que até reconhece algumas letras...
Só não sinto pena de Lula em razão das bobagens que diz porque reprovo a sua pouca disposição para sentar o traseiro na cadeira e ler ao menos um livro, o que poderia, sem dúvida, ser útil à sua formação. Assim como ele nos incitou com o seu "Levanta o traseiro e anda", eu retruco: "Sossega o traseiro e senta". Por favor, presidente, tenha ao menos a paciência de ler os relatórios que certamente lhe mandam sobre taxa de juros, spreads bancários e coisas afins. Antes de sair por aí usando termos à matroca, cujo significado o senhor certamente ignora, pare um pouquinho para consultar, vá lá, nem que seja o dicionário.

Restam-lhe ainda 613 dias de mandato (ai, Jesus!). Se aprendesse três palavras novas por dia, ao fim do curso, seriam 1.839 vocábulos que se somariam àqueles que já conhece. Para o senhor ter uma idéia, uma boa tradução do capítulo 13 da Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, um dos mais belos textos da literatura universal, não tem mais de 250 palavras. Descartadas as repetições, conectivos, preposições e termos de apoio, devem ser, sei lá, menos de cem os termos distintos. Serelepe como o senhor é, não padecendo da preguiça glútea de que nos acusa a todos, o senhor poderia retrucar que a palavra não faz o pregador, e sim a inspiração. Até concordo. Mas a palavra que abunda, fique certo, não prejudica a inspiração que claudica. Da ampliação dos recursos pode nascer um manejo um pouco mais destro que venha a livrá-lo desse constante sinistro verbal.

Vão dizer que estou aqui a tratar Lula com desrespeito. Eu, não. A rigor, foi ele quem, a título de estímulo, deu um pé no traseiro de seus novos patrões. É até compreensível. Lula não devia satisfações a ninguém desde 1975, quando assumiu a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Iniciava ali a sua carreira de self-made man, livre-atirador da ideologia (que nunca teve) em favor do socialismo que nunca soube o que era. Depois vieram alguns intelectuais da USP e alguns marxistas de batina e lhe venderam a preços módicos utopias que haviam custado milhões de vidas na Europa, Ásia e América Latina. Ele comprou.

Juntou, então, a utopia (de fato, distopia) à vida folgazã de dirigente sindical. A sorte foi-lhe sorrindo de empreitada em empreitada, até lhe dar a Presidência da República. Mas, oh desdita!, embora ele goste do emprego, vê-se, descobriu que não pode ser mais olímpico como era quando imperador de aparelhos sindicais. Resultado: fica zangado. E, ao se zangar, é claro que ele não vai ler a Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios. Nada disso. Prefere tirar dos alfarrábios da infâmia nacional aquela que é a crítica mais pusilânime que certa elite vagabunda fazia aos brasileiros: este é mesmo um povinho mequetrefe, que só sabe reclamar.

Na sua ânsia de ser aceito por aqueles a quem julgou combater um dia — nota: jamais combateu porque nunca soube o que quis e nunca teve projeto —, mimetiza-lhes o pior. Sociologicamente, Lula é um desastre formidável: quando sindicalista, sempre teve uma visão vesga e aparvalhada do processo produtivo; presidente, torna-se ventríloquo da versão deformada da economia de mercado.

Sim, vejo alguns colunistas que lhe cantavam as glórias e derramavam adjetivos aos pés — gente que, em verdade, tem tanta aversão aos livros e à teoria política quanto o seu antigo objeto de culto — fazer muxoxos de desagrado e acusá-lo de traidor. Aqui, peço licença para defender Lula. Traidor ele não é! Vocês é que estavam desinformados. Desinformação que continua a alimentar ainda hoje os panegíricos às avessas quando evocam o seu passado de grande líder como contraste ou paradoxo com sua atuação presente. O que eu posso dizer neste particular? Ainda bem que Lula não se levava a sério, não é? Ou Quito seria aqui. O que não quer dizer, obviamente, que esteja fazendo a coisa certa ou que não sirva a um projeto autoritário de sociedade. Sejamos gratos por Lula ter desistido de seus antigos equívocos para que possamos, com mais clareza, apontar seus equívocos presentes.

O que eles querem
O momento político não é dos mais iluminados, não. A crônica política ajuda a criar confusão e desinformação e a turvar o cenário. Boa parte dos críticos do presidente, se bem lidos, anseia é por um Lula mais parecido com seu discurso pregresso, o que é uma temeridade. Corresponderia a somar ao desastre administrativo em curso o autoritarismo político, que, volta e meia, mostra a fuça, mas sempre contido a tempo pela sociedade. Se querem uma prova, procurem investigar quantos são os olhos compridos e substantivos lânguidos que são dirigidos ao Equador. Há mesmo quem use aquele país como uma espécie de advertência a Lula, como se dissessem: "Ou o senhor caminha imediatamente para a esquerda ou o aguarda a voz rouca das ruas". Na prática, sugerem que o que resta de discurso incendiário no petismo seja apagado com gasolina.

E eu, no entanto, digo: o problema de Lula não está, é claro, em ser fiel ao que disse. Pessoalmente, espero que seja cada vez mais infiel, já que o discurso petista não passava de uma soma de anacolutos políticos e econômicos. O problema de Lula é bem outro: está no desrespeito às instituições e na forma absolutamente ligeira, freqüentemente irresponsável, com que aborda questões da maior gravidade. A equação macroeconômica é certamente ruim e dependente apenas da saúde financeira de estranhos. Isso é consenso até entre os defensores do governo. Não há uma só pessoa que faça um juízo, vá lá, matemático ou econométrico do crescimento do país que não o veja como parte da expansão mundial, de que participamos com timidez, diga-se. Mas também é óbvio que não reside aí o pior do governo petista.

O monumental desastre em curso é de ordem gerencial e, se quiserem saber, guarda relação distante, de fato, com a taxa Selic. Algum economista que não dá a mínima pelota para a política e que entrega o futuro ao curso dos fatos deve ter soprado aos ouvidos de Lula algo como: "Sem crise, mantemos compactada boa parte da elite com essa política; com crise internacional, todos os absolutos são mesmo relativos". E Lula se convenceu. O buraco está em outro lugar. À diferença dos meus coleguinhas de esquerda que querem um Lula mais Lula, um governo ainda mais petista, infiro que a memória partidária original incrustada na máquina administrativa é que responde pelos descalabros.

Assim é com a politização incompetente da Saúde; com a baderna sangrenta que se instalou no campo, com a piada macabra em que se transformou a assistência social no país (e pensar que Lula vendeu o Fome Zero até na ONU — se bem que a ONU, uma espécie de petismo planetário, mereceu ouvir), com a desmoralização da já desmoralizada Previdência (Jucá é do PMDB, mas atendia originalmente ao propósito da aliança partidária para 2006), com o desprezo olímpico devotado à segurança pública (o defunto Plano Nacional de Segurança jamais saiu do papel) ou com a política externa desastrada e amante de ditaduras. A rigor, para os propósitos a que se destina — bem entendido! —, só a política econômica funciona. E tudo porque este é, sim, senhores!, um governo do PT. E não porque falte petismo ao Planalto. Quem considera Lula um traidor tem é de se juntar a Heloisa Helena. Eu acho que ele cumpre um destino. Como diria Genoino em seu momento Schopenhauer, "uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa".

Conto, claro, a possibilidade de que possa estar errado, e os meus coleguinhas de esquerda, certos. Mas só aceito debater com textos. Quero que me apresentem ao menos um de economia política produzido pelo PT ao tempo em que era de oposição que não conduzisse o país ao desastre. Só os aduladores de biografias vitaminadas pela mitificação ideológica poderiam supor que o PT era viável numa sociedade democrática, com aspirações à civilização. Reitero: apresentem-me os textos da viabilidade das propostas petistas de governo.

Então quer dizer que o PT ainda é o melhor antídoto contra o petismo? Não! Essa é outra falácia posta em curso pelos partidários moderados — alguns elaboram a análise como crítica, outros, como calmante para as elites. Na realização dos desastres acima listados, está se construindo também um Estado e uma forma de entender a coisa pública. O PT não se realiza só como negatividade, mas também como positividade — a depender, claro, do que se quer. Esse Estado serve hoje ao propósito de alimentar uma nova classe e garantir a sua reprodução.

Tenta-se construir marcos que se querem indeléveis, que teriam potencial para enrijecer a democracia, como é o caso da reforma universitária ou da reforma sindical (que parece ter naufragado). A República Sindical — esta que silencia diante da absurda fala de Lula sobre os nossos traseiros — toma conta hoje do aparelho estatal e paraestatal, com ramificações no setor financeiro por meio dos fundos de pensão. O flerte do governo Lula com Chávez, por exemplo, é muito mais importante do que parece. Na Venezuela, trama-se abertamente contra a democracia, embora respeitando formalmente alguns de seus ritos.

Os basbaques
O jornalismo basbaque (aquele mesmo que acreditava de tal sorte em Lula que agora o chama de traidor) cai na conversa de que Condoleezza Rice realmente aposta no presidente brasileiro para ser o Nestor de Chávez  — isso se soubesse, é claro, quem é Nestor...  E Lula não será. Diante do óbvio insucesso do Brasil como mediador das relações Washington-Caracas (afinal, Condoleezza não é maluca, e Chávez é), restou a Marco Aurélio Garcia, o ministro interior de Lula para Relações Exteriores, dizer, nesta quarta, que o Brasil não é "garoto de recados". Por enquanto, tem sido, sim: garoto de recados do protoditador da Venezuela.

Precisamos, enfim, de traseiros menos serelepes também no jornalismo. Hora de um pouco de história e de teoria política. Quem se habilita?

LUÍS NASSIF:Noves fora, zero

 O sábio recluso, com quem converso de vez em quando, não conseguiu entender a lógica das mudanças no Ministério da Fazenda -com a saída do secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, sua substituição pelo secretário-executivo, Bernard Appy, e a substituição de Appy por Murilo Portugal, que foi secretário do Tesouro e estava trabalhando no FMI (Fundo Monetário Internacional).
Assim como eu, ele não acredita em fogo amigo derrubando Lisboa. Além de pessoa afável e competente no que se dispunha a fazer -cuidar das reformas microeconômicas-, Lisboa não chegava a ser tão ortodoxo quanto se tornou o próprio Appy.
A leitura do sábio é que uma das características de regimes em queda é o reforço das barricadas com a tropa considerada mais fiel. Por regime em queda, entenda-se a linha ulta-ortodoxa adotada pelas equipes da Fazenda e do Banco Central. A política econômica está cada vez mais contestada, desde por banqueiros de peso, como Fernão Bracher, até comentaristas que acreditavam no mito da infalibilidade dos papas do Banco Central.
É essa uma das mais estranhas linhas da política palocciana, diz ele. No "board" do Fed (Federal Reserve) americano, há sete governadores e sete tendências diferentes de visão da economia. Lá eles acham fundamental a diversidade de ângulos para que se cometam menos erros.
Na linha regressiva, que vem desde a gestão Pedro Malan, no governo Fernando Henrique Cardoso, o que se observa é a redução da qualidade da equipe a cada mudança. As duas ou três receitas prontas são sempre as mesmas, sem mudança sequer da aparência do prato. Na definição do meu interlocutor, Portugal é o legitimo mais do mesmo multiplicado por tudo igual. Tem o agravante -lembra-me uma economista- de não ter o menor jogo de cintura. Não tinha no Tesouro, onde o trabalho político era mais ameno. Agora, terá que administrar demandas políticas também.
O sábio sugeria que, nem que fosse apenas por curiosidade, poderiam encomendar"papers" independentes de nomes ortodoxos, como José Alexandre Scheinkman -cujo currículo sozinho vale mais do que toda a equipe econômica-, de Paulo Rabello de Castro e de outros ortodoxos de elevado nível acadêmico. Faz questão de enfatizar apenas os ortodoxos, para que sua sugestão não seja desqualificada como "desenvolvimentista".
Ele diz que essa é uma prática corriqueira nos Estados Unidos e na Europa, em que não se despreza o saber acumulado fora das estruturas burocráticas. Pelo menos haveria um arejamento do debate, algo que na condução da política econômica das grandes economias é considerado essencial.
Quando o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, fala e repete continuamente que "em todo lugar é assim", seria bom ele lembrar que os conselhos dos bancos centrais do G7 têm, todos eles, economistas de múltiplas tendências porque nenhum pais quer correr o risco de embarcar em uma viagem transatlântica com um só piloto, uma só bússola e um só mapa.
Não há espaço para brilho, criatividade ou dinamismo em jogo.

FOLHA DE S.PAULO

Thursday, April 28, 2005

A moeda e seus guardiães- MAURO SANTAYANA

 


Estranham alguns que o vice-presidente da República, José Alencar, e o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, estejam tocando, a quatro mãos, a mesma toada contra os juros altos. Não há o que estranhar. Diferentes em muitos aspectos, Alencar e Severino são homens vindos do interior. O mineiro, filho de pequenos comerciantes, começou a sua vida empresarial com uma lojinha de duas portas, que se transformou em gigantesco complexo de empresas têxteis. Ele pensa de maneira singela: o país precisa de consumidores; para que haja consumidores, são necessários empregos e salários. A máquina econômica não se move sem dinheiro. Se o dinheiro é caro, há menos empregados e menos salários, e toda a economia retrocede. É a visão do empreendedor. Severino, pelo que conta, vive acossado pelos seus eleitores pobres. Todos lhe pedem alguma coisa, quando vai às bases eleitorais. O presidente da Câmara sabe que lhe seria mais cômodo representar região rica e desenvolvida, em que eleger-se não lhe custasse tanto. Sua desconfiança no Banco Central não é nova. Ao assumir a Presidência da Câmara declarou que se opunha à independência da instituição com uma frase forte: o Banco Central não pode ser autônomo; ao contrário, precisa é de cabresto.

O banco é a mais misteriosa das instituições brasileiras. Seu primeiro presidente, Dênio Nogueira, ao falar sobre os segredos do órgão, disse que o Brasil quebrará no dia em que se abrir a famosa "caixa preta". Itamar Franco quis nomear um professor de contabilidade, de grande reputação em Minas, para diretor do banco, foi ridicularizado pelos comentaristas econômicos. Na realidade, o professor Lopes Sá, o seu candidato, abriria normalmente a "caixa preta", ao examinar os livros da instituição.

O problema mais grave do Banco Central é a falta de legitimidade. Trata-se de um governo acima do governo, exercido por quem não recebeu expressa delegação do povo. Podem argumentar que essa delegação é implícita, uma vez que seus diretores são nomeados pelo presidente da República, mandatário do povo, e referendados pelo Senado, que representa os estados. Mas, sacerdotes dos grandes mistérios que envolvem o dinheiro não dão contas a ninguém de suas decisões. Elas são tomadas mediante o que um de seus diretores chamou de "interação" com o mercado. Os juros são decididos mediante consulta aos banqueiros e aos operadores do mercado financeiro. É de se lembrar, a propósito, a célebre reunião da equipe econômica de Collor, quando se decidiu confiscar os haveres bancários. Cada um dos presentes escreveu em um pedaço de papel quanto de dinheiro poderia ser liberado para os correntistas e, depois, aleatoriamente chegaram à cifra escolhida.

Alega-se que os juros se elevam para impedir a inflação. Nesse caso, trata-se de medida preventiva: ao aumentar o custo do dinheiro, desestimula-se o consumo. Mas, ao desestimular-se o consumo, cai a atividade econômica, e, com ela, o nível de emprego. O país não se desenvolve e entra em recessão. Ao aumentar-se a taxa de juros, aumenta-se, automaticamente, o custo da administração da dívida pública, e a própria dívida. Se nesse movimento, tido pelos economistas como necessário, o sacrifício fosse de todos, e ninguém se beneficiasse, tudo bem. Mas os balanços dos bancos mostram que poucos ganham, e ganham muito, com os juros altos; e todos os outros perdem, e perdem muito.

Ao examinar os mistérios do Sistema Federal de Reserva dos Estados Unidos, William Greider toca em um ponto importante do problema: a questão da democracia. Em seu livro Secrets of the Temple: how the FED runs the Country, o escritor afirma que, a partir de 1913, quando foi criado o FED, a democracia americana chegou ao seu limite. Mais do que isso, passou a contrair-se. E o Sistema Federal de Reserva dos Estados Unidos, com seus 12 bancos regionais, e dezenas de diretores e centenas de técnicos que elaboram suas decisões, é transparente e democrático, se comparado ao nosso.

Muito bem que eles sejam os guardiães da moeda. Mas, como se inquietava Juvenal, quem fiscalizará os fiscais?

JB

Wednesday, April 27, 2005

Nelson de Sá:TODA MÍDIA





Vontade de potência

Antes mesmo de chegar ao país, ainda no avião, a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, saiu repisando os diplomáticos elogios. Na transcrição do site do Departamento de Estado:
- O Brasil é uma potência emergente e marcante na região, bem como globalmente. E está assumindo responsabilidades em lugares como o Haiti... É um fato que o Brasil é potência regional e uma crescente presença global. E nós pensamos que isso é uma coisa boa.
Depois:
- O Brasil é uma grande democracia multiétnica, como os EUA, com muitas das mesmas raízes africanas, européias... O surgimento de grandes democracias multiétnicas como Brasil, Índia, África do Sul é um desenvolvimento importante e não há o que temer.
Já em Brasília, em meio à "photo-op" com Daiane dos Santos, Rice repetiu as mesmas declarações. Depois, ao lado do chanceler Celso Amorim, repetiu-se ainda outra vez. E tome então a seqüência de manchetes do "país que vai para a frente". No Jornal Nacional:
- A secretária americana diz que o Brasil emerge como potência mundial.
No Jornal da Record:
- Rice elogia o papel crescente do Brasil no mundo.
No Jornal da Band:
- Condoleezza Rice diz que o Brasil está se tornando uma potência mundial.

 

Palavras, palavras. No site do Departamento de Estado, a secretária encerrou dizendo, ao ser questionada sobre apoio à cadeira permanente no Conselho de Segurança:
- É evidente que muito aconteceu desde 1945 e que a ONU, como outras organizações internacionais, vai ter que... terá que começar a refletir isso. E é isso o que nós vamos estar falando para os brasileiros.
Elogios, mais nada.
 

De todo modo, a BBC Brasil ouviu ontem vários "analistas em Washington" e concluiu que "a visita de Rice é reconhecimento de liderança do Brasil" na América Latina.
E os argentinos, mais uma vez, não gostaram nada. No título da reportagem, na versão impressa do "La Nación":
- Rice viaja à região, mas não à Argentina.
Um funcionário do governo americano, ouvido pelo jornal, declarou que a secretária "recebeu vários convites, mas ela não tinha espaço suficiente para visitar a Argentina".
Foi o bastante para a chancelaria argentina responder, no próprio "La Nación" e em outros, que "não houve gestões entre a Argentina e os Estados Unidos para incluir Buenos Aires na viagem da secretária".

ABC/Reprodução

SÉQUITO Na esteira da secretária de Estado veio toda a cobertura anglo-saxã. Da britânica BBC World à americana Fox News, que até saudou o Brasil "potência emergente", e às redes, como ABC e PBS Constitucional
Em meio aos lamentos do novo presidente do Equador de que "ninguém telefona", ontem, em entrevistas ao argentino "Clarín" e outros, Condoleezza Rice foi direta:
- A chave é mostrar ao povo equatoriano que os EUA e todos os membros da OEA apóiam a via constitucional.
E nada de reconhecimento.

Alca ou OMC
O "Miami Herald" publicou dois editoriais seguidos cobrando prioridade para a Alca na viagem da secretária.
Rice defendeu "reenergizar" a Alca ao lado do chanceler Celso Amorim, mas antes avaliou que "o que precisamos é trabalhar juntos através da Organização Mundial do Comércio".

"Sonho"
Os canais internacionais de notícias voltaram as câmeras, ontem, para mais uma crise latino-americana. No enunciado do engajado "Página 12":
- Na Nicarágua, sonham com o Equador.
As "ruas" querem agora pôr um antigo sandinista no lugar de um conservador.

Sem volta
O "Los Angeles Times" deu um longo perfil do padre nicaragüense Ernesto Cardenal, ex-ministro durante a revolução, repreendido por João Paulo 2º há duas décadas.
Cardenal agora é contra a volta do sandinista Daniel Ortega ao poder, apóia outro, mas vai ao ataque contra o papa Bento 16, "um inquisidor".

DOENTE CONTENTE
Posando ontem com a secretária Condi Rice e depois com a modelo Naomi Campbell, Lula ainda achou um jeito de aparecer na longa entrevista que Daniel Passarela deu para ao argentino "Olé".
De acordo com o treinador, "o presidente do Brasil é um corintiano doente" e já mandou, por intermediários, o recado de que "está contente".

folha de s.paulo

Tuesday, April 26, 2005

No traseiro dos outros



Ana Maria Pacheco Lopes de Almeida (26/04/05 11:51)

Justiça se faça. Nosso elegante rei-filósofo é um batalhador incansável em uma atividade: a de terceirizar responsabilidades. Superou-se ontem ao atribuir a culpa pelos juros mais altos do mundo praticados pelo governo dele ao comodismo da classe média, que reclama muito, mas "não tira o traseiro da cadeira" para mudar de banco e obter taxas mais baixas. Se Sua Excelência sentasse mais o próprio traseiro na cadeira presidencial para cuidar da gestão do país, não diria tanta besteira.

Antes de apontar o dedo acusador para o traseiro alheio, olharia o imenso rabo de palha do governo que deveria comandar. E saberia, então, que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, bancos públicos aparelhados pela companheirada do PT, cobram taxas de juro altíssimas no cheque especial de pessoas físicas. O BB ocupa o trigésimo-segundo lugar e a CEF, o vigésimo-quinto, no ranking elaborado pelo Banco Central. Ou seja: 31 bancos, a maioria privados, praticam juros menores do que os do Banco do Brasil e 24 cobram de seus correntistas menos do que a Caixa.

A classe média, cruelmente açoitada em seus glúteos, por certo gostaria de saber em que banco o presidente falastrão, seus ministros e companheiros do PT, abrigados pelo nepetismo em cargos de confiança, mantêm suas contas bancárias, seus cheques especiais e seus cartões de crédito. Os funcionários da presidência da república, por exemplo, são obrigados a abrir conta no Banco do Brasil para receber seus salários. Poderiam seguir o gentil conselho presidencial, levantar o traseiro de seus gabinetes, ir à sala de Lula, no terceiro andar do Palácio do Planalto – cuidando, claro, de ligar antes para saber se ele está lá – e exigir dele que tire a conta-salário do BB.

Afinal, sem levantar o traseiro da cadeira em frente ao computador, basta clicar no site do Banco Central e ver o ranking dos bancos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, classificados por ordem crescente da taxa de juros que cobram no cheque especial de pessoas físicas. A última pesquisa feita pelo Banco Central refere-se à semana de 6 a 12 de abril e a tabela é encontrada no seguinte link: http://www.bcb.gov.br/fis/taxas/htms/012010T.asp?idpai=txcredif

Se o ilustre traseiro presidencial zanzasse menos por aí, Lula também teria sabido, ontem, que o volume de cheques sem fundo, em março, foi recorde histórico e que a inadimplência nas linhas de crédito pessoal atingiu patamar inédito. No palavreado ao gosto de Sua Excelência, nunca antes na história deste país voou tanto cheque sem fundo e aplicou-se tanto calote.

De cada mil cheques passados em março, 20,8 voltaram. A inadimplência bateu em 18,5%. E veja só, Lula, o que dizem os especialistas sobre esses recordes de seu governo: há uma bolha de crédito, que pode estourar logo, logo, devido aos juros na estratosfera e ao aumento nas taxas de desemprego em janeiro e fevereiro.

No país maravilhoso de Lula, o otimista, nada disso está acontecendo. Se acontece, a culpa não é dele. Para encerrar, uma frase final do esplêndido discurso de ontem:
— Digo todo santo dia: estamos transformando o Brasil, que é um país capitalista, num país com capital na mão do povo, ou seja, com um pouco de dinheiro.

Haja traseiro pra agüentar esse rojão.


Luz amarela no crédito
O Globo (26/04/05)

Lula critica quem 'não tira traseiro da cadeira para mudar de banco'
O Globo (26/04/05)

LUÍS NASSIF A planilha e a geopolítica

 Em seu artigo mensal no jornal "Valor", o economista Fabio Giambiagi investe contra as idéias geopolíticas de Darc José da Costa. Darc é um sujeito polêmico, cujas idéias permitem muita discussão e contestação -não desqualificação.
O que chama a atenção, no artigo de Giambiagi, é o desprezo superior -de cabo a rabo- que dedica não às idéias de Darc mas a temas consagrados da ciência política mundial, sobre a maneira como nações se desenvolvem, buscam a hegemonia, os conflitos daí decorrentes entre a potência emergente e a dominante etc.
Ironiza a afirmação de que, "na próxima era, os grandes projetos que estimularão a humanidade serão correlacionados com a tarefa de reconduzir o verde para todos os desertos do mundo e para a conquista do Sistema Solar". O tema do esgotamento dos recursos naturais do planeta é objeto de preocupação mundial. Ou Giambiagi julga que o Protocolo de Kyoto tem algo a ver com o cartório que funciona no bairro japonês da Liberdade?
Ironiza a afirmação de que "o Brasil é o único artesão possível da mundialização". Nessa era de globalização, de conflitos étnicos, de intolerância, o brasileiro é visto pela moderna sociologia -inclusive especialistas internacionais- como o povo capaz de fazer a grande mediação, pelas óbvias características de nossa formação. Feche o Excel e leia Roberto da Matta.
Mais à frente, outra ironia contra a afirmação de que, em um futuro hipotético, em que o Brasil pudesse aspirar a ser potência, "os Estados Unidos poderiam ter outro posicionamento (...) usando o seu controle dos oceanos para manipular o comércio mundial".
Mas foi justamente esse o desafio que os Estados Unidos precisaram superar, no século 19, para enfrentar a hegemonia britânica. Integraram o Atlântico e o Pacífico por meio de grandes ferrovias continentais e por meio do canal do Panamá, conseguindo espaço no comércio oceânico. Dá uma bela discussão saber se esse modelo de hegemonia se repetiria ou não, se o Brasil um dia chegará lá. Mas não tratar o tema como se fosse uma boutade de militar aposentado.
Em uma época em que todo o esforço diplomático dos Estados Unidos tem como objetivo a preservação de reservas minerais estratégicas -e está aí a Guerra do Iraque para comprovar-, Giambiagi ironiza o fato de recomendar ao Brasil a busca da auto-suficiência em insumos estratégicos.
Finalmente, ironiza a afirmação de que o Brasil precisa aumentar sua taxa de natalidade, porque "não existem exemplos de industrialização bem-sucedida que não fosse acompanhada por um veloz aumento da população". Pode-se discordar ou não da posição, mas desqualificá-la com esse ar superior é o fim! Em toda a história do Brasil, o subpovoamento sempre foi um dos maiores desafios para a consolidação do país.
Giambiagi termina a coluna olimpicamente: "O leitor tire suas próprias conclusões". Como seu leitor fiel, minha conclusão é a seguinte: é um perigo gastar ironia com temas que não se domina.
FOLHA DE S PAULO

Monday, April 25, 2005

Quem perde com a confusão na saúde do Rio



HÉSIO CORDEIRO e PAULO HENRIQUE ALMEIDA

Os conflitos técnicos e políticos entre o Ministério da Saúde e a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro continuam afetando a população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) . Quem perde é a população, principalmente os segmentos mais carentes e a classe média baixa.

Os hospitais anteriormente vinculados ao Inamps e hoje municipalizados pelo Ministério da Saúde para a Secretária Municipal de Saúde (SMS) tinham o perfil de hospitais de alta complexidade e de referência para a cidade e para o Estado do Rio de Janeiro.

Trabalhos produzidos com louvor por especialistas em saúde pública, como Luis Santini e José Noronha, que já foram secretários de saúde do estado entre os anos 80 e 90, épocas bem mais frutíferas para o setor, demonstram que o Rio de Janeiro, apesar de toda a sua tradição e sua cultura, não conseguiu, até o presente, manter um padrão de atendimento e de incorporação tecnológica compatível com o papel anteriormente exercido por tais hospitais.

São freqüentes as reclamações dos profissionais de saúde em relação à falta de medicamentos e de tecnologias modernas para o dia a dia dos serviços médicos especializados.

A rede básica, que seria a porta de entrada do sistema de saúde, continua funcionando precariamente, envolvendo um denotado esforço do pessoal dessas unidades. Um excelente documento no qual se apresentou proposta da SMS, elaborado em 2003, para a Estratégia de Ampliação e Consolidação da Saúde da Família revela que atingiu-se, somente, um sexto da meta que previa a instalação e o funcionamento de 600 unidades básicas, cobrindo cerca de 1,8 milhão de habitantes das regiões mais desprovidas de recursos de atenção à saúde.

A crise atual revela uma paralisia grave dos processos decisórios do SUS que não isenta de responsabilidade os governos federal, estadual e municipal. Não foi apenas um bate-boca entre autoridades municipais e federais. É uma crise manifesta que vai além dos eventuais preparativos dos próximos embates eleitorais, colocando em risco os princípios constitucionais de 1988, que criaram do Sistema Único de Saúde.

Qual a solução para tão grave problema? É necessário que se examine e se coloque em prática a formulação de uma política de saúde para o Rio de Janeiro e para a Região Metropolitana, com ênfase na atenção básica que funcione e seja resolutiva para 80% das doenças, exerça a promoção e a prevenção e consagre um sistema de encaminhamento de pacientes, através de critérios e protocolos bem discutidos com os profissionais de saúde, com órgãos de formação (Universidades públicas e privadas, Escola Nacional de Saúde Pública), órgãos de representação, entidades de estudo e pesquisa, como o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) e a Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). Todas tiveram importante papel na Reforma Sanitária Brasileira.

É preciso conferir maior autonomia aos hospitais, com um conselho gestor constituído pelos atuais interventores, representantes da prefeitura e do Estado. Este conselho teria poderes para manter o funcionamento dos hospitais e, com assessoria competente, estudar as propostas de longo prazo e outras experiências de gestão da saúde, nacionais e internacionais.

Uma delas, entre as quais assinalamos prioritariamente a do Estado de São Paulo, que transformou hospitais recém-construídos e desativados em organizações sociais com capacidade e autonomia para elaborar um orçamento global por hospital, captar recursos e gerenciá-los.

Os recursos, no Rio de Janeiro, poderiam provir do Fundo Nacional de Saúde (Ministério da Saúde), dos recursos fiscais do Estado destinados à saúde e dos recursos do Tesouro municipal da Cidade e dos Municípios metropolitanos.

A remuneração de cada hospital seria por cobertura populacional das Áreas Programáticas da Cidade e de bairros dos municípios da Região Metropolitana, de onde se originam as demandas para o Rio de Janeiro. Os investimentos relacionados à expansão da unidade seriam propostos pelos conselhos gestores e aprovados pela autoridade máxima da esfera de poder da qual provenha a maior parcela destes recursos. Como conseqüência, os hospitais, como organizações sociais, teriam administração profissional baseada em contratos de gestão, com metas bem definidas e controladas pelos conselhos municipal e estadual de saúde.

A rede básica manteria a vinculação administrativa e funcional com a SMS, tendo novas metas estabelecidas pelo prefeito para a expansão e implantação da Saúde da Família. A SMS definiria rotinas e fluxos para a articulação destas unidades básicas, com ambulatórios, policlínicas, centros diagnósticos, de recuperação e hospitais de referência.

Assim, a crise seria superada com o fortalecimento do SUS e com maior satisfação da população, que não teria mais razões para, jocosamente, denominar o hospital de campanha da Praça da República de "Cutia d'Or', em resposta às controvérsias do hospital improvisado pelas Forças Armadas, ao lado do Hospital Souza Aguiar, mas que não funciona nos fins de semana.
HÉSIO CORDEIRO é diretor da Faculdade de Medicina da Estácio de Sá. PAULO HENRIQUE ALMEIDA é sociólogo e professor.
O GLOBO

Wednesday, April 20, 2005

AUGUSTO NUNES : Essa idéia não deu certo no Brasil

Não deu certo a idéia de instituir a reeleição dos prefeitos, dos governadores e do presidente da República. Como a inovação não funcionou, agredida por disfunções que proliferam em países politicamente primitivos, cumpre ao Congresso revogá-la. Não antes de outubro de 2006: deve-se preservar o direito adquirido por centenas de governantes, a começar pelo presidente Lula da Silva. Nem poderá demorar, porque o tumor clama por bisturis.

Sugerida na metade do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, a mudança acabou absorvendo a agenda do Executivo e do Legislativo - e passou a condicionar os movimentos do governo e dos parlamentares. Energias até então concentradas na aprovação de reformas essenciais se deslocaram para a nova prioridade. E um governo que vinha avançando em bom ritmo perdeu muito tempo estacionado em miudezas políticas que, desprezadas por estadistas, terminam por barrar-lhes a caminhada.

O Brasil é um deserto de partidos reais. O PT já é. O PSDB será. Quanto aos outros, são apenas siglas desprovidas de ideologia e planos de ação definidos. Em países assim, as chamadas alianças partidárias nascem de acertos e barganhas pouco edificantes. FH tinha cacife suficiente para completar o mandato sem sobressaltos no Congresso. Para ficar mais quatro anos, teve de submeter-se a penosas parcerias.

FH reelegeu-se com folga, mas hoje talvez rumine a dúvida: terá valido a pena? Caso se limitasse a uma temporada no Planalto, poderia transformar-se no grande eleitor de 1998. A maioria dos brasileiros tenderia a endossar o nome indicado pelo presidente que controlara a inflação, modernizara o país e, abstraídos erros, enganos e escorregões, desencadeara o processo de privatizações que tornaria o Estado mais esguio, saudável, contemporâneo.

Vitorioso, o sucessor apontado por FH teria força para, amainados os abalos econômicos sofridos por nações emergentes, acelerar a aprovação das reformas em andamento ou na fila de espera. Desgastado também pelo esforço despendido na luta pela reeleição, o FH do segundo mandato parecia menos musculoso politicamente que o do primeiro.

Conseguiu avanços evidentes. Poderia ter avançado muito mais. Fernando Henrique Cardoso será lembrado como um dos melhores presidentes do Brasil republicano. Se tivesse deixado o poder no fim do primeiro mandato, hoje estaria alojado no imaginário popular como o melhor entre todos.

No caso de FH, a tentação de sobraçar por mais quatro anos o bastão de mando lhe foi assoviada por ventos fortemente favoráveis ao governo. Quanto a Lula, o projeto da reeleição aparentemente emergiu tão logo se configurou o triunfo na disputa de 2002. Lula subiu a rampa do Planalto sem descer do palanque. O presidente noviço e o veterano candidato se haviam fundido na mesma figura.

Simultaneamente, abriu-se a Era Lula e reabriu-se a campanha.

O presidente não administra: faz política. Não despacha com ministros: comanda reuniões. Nos improvisos quase diários, inclui promessas e cobranças como se ainda chefiasse a oposição. Disposto a evitar confrontos constrangedores com jornalistas independentes, não concedeu nenhuma entrevista coletiva de verdade, transmitida sem cortes pela TV.

Os critérios para a escolha de ministros não contemplam os interesses do Brasil: são ditados pela estratégia concebida para garantir uma reeleição sem sustos. À frente de uma equipe medíocre, Lula tem poucas realizações a exibir. Mas dispõe de trunfos consideráveis. Os índices de popularidade são bons. É o único presidenciável do PT. E passa o dia pensando em outubro de 2006. Reeleito, enfim cuidará do Brasil.
JB

Miriam Leitão:Alta inesperada

O Banco Central surpreendeu a maioria dos analistas aumentando de novo os juros. Agora eles estão apenas 0,5 ponto percentual atrás dos de setembro de 2003, quando a inflação era bem mais alta. A taxa real de juros é uma das maiores dos últimos anos. A decisão acontece dois dias depois de o ministro Antonio Palocci ter dito aos investidores nos Estados Unidos que o Brasil vai crescer nos próximos 20 anos.
Um motivo possível para a alta dos juros, a oitava deste longo período de contração monetária, é uma nova pressão na inflação. Os dados divulgados esta semana foram piores do que a pior previsão. O IPC da Fipe ficou em 1%, o IGP-10 ficou em 1,17%; o IPS da FGV ficou em 0,9%. A projeção de inflação das instituições financeiras aumentou pela sétima semana seguida. São os motivos que devem estar na ata do Copom, na semana que vem. Mas a maioria dos analistas, mesmo vendo esses sinais, acreditava que o Banco Central não subiria os juros. Por aqueles motivos que tratei aqui na coluna de terça-feira.


Um deles é que é preciso esperar para ver os resultados da política monetária. O próprio Henrique Meirelles disse, esta semana, que ela estava fazendo efeito. Outro motivo é o fato de que o dólar anda sendo empurrado ainda mais para baixo pela taxa altíssima de juros. Outro é o nível de atividade, que está em desaceleração em vários indicadores, como a produção industrial, as vendas do comércio. Ontem, novo dado: está caindo a confiança empresarial. Há sinais de queda de investimento, pelas análises feitas por especialistas.

Juros de 19,5% com inflação prevista de 5,5% é uma enormidade que só teve semelhança no nebuloso início de 2003, quando o país vivia a incerteza da chegada de um novo governo, um salto da inflação que a levou a 17% em 12 meses no mês de maio, época em que o dólar estava muito mais alto que atualmente. Só naquele momento é que os juros reais superaram os 13% atuais

Não há garantia alguma de crescimento pelas próximas duas décadas, ao contrário do que disse o ministro Antonio Palocci. Nenhum país cresce de forma sustentada com 13% de juro real. O Brasil cresce agora, mas o longo prazo depende de se reencontrar o caminho para juros substancialmente mais baixos que os atuais. A dívida terá que cair fortemente e a tendência será de queda gradual a cada ano, para que se possa reduzir ainda mais os juros e se iniciar o círculo virtuoso. Na última LDO, o governo indicou que projeta o superávit primário para os próximos três anos. Com isso, será uma década com forte superávit primário. Todo esse sacrifício se faz porque se quer reduzir a proporção da dívida em relação ao PIB. A estratégia só dará certo se a dívida for mais barata. Ao preço que está hoje, a dívida não cai. Este ano, por exemplo, deve ficar estável em relação ao PIB.

Há vários outros desafios à frente, mas antes será preciso reduzir substancialmente os juros para que se possa sonhar com o crescimento sustentado. Todos sabem que juros altos são o remédio para ser usado de forma extraordinária em momentos de crise e de ameaça inflacionária. Oito aumentos na taxa Selic e elevação para 19,5% de taxa nominal e 13% de juro real é uma dose forte demais para um país que está enfrentando uma pequena alta de inflação, mas tem um quadro econômico com excelentes notícias.

A declaração do ministro de que o Brasil vai crescer nos próximos 20 anos fica meio fora de tom, diante de uma taxa de juros que só se usa em época de crise. Lá fora, falando para investidores, cercado de elogios pela admirável recuperação do Brasil, é isso mesmo que Palocci tem que dizer. Mas, quando não é para inglês, ou melhor, americano ver, a verdade é que há um longo caminho antes que se possa olhar para o horizonte de longo prazo com a segurança do crescimento sustentável.

O caso do status de ministro

O ministro relator da ação direta de constitucionalidade impetrada pelo PSDB contra a medida provisória que elevou o presidente do Banco Central foi ele mesmo beneficiado por uma proposta do governo do PSDB, que elevava o nível do cargo que ocupava. Gilmar Mendes era advogado-geral da União quando o governo Fernando Henrique elevou-o a ministro para que ele tivesse foro privilegiado.

Na época, o ministro Marco Aurélio, que está com o pedido do procurador-geral da República para início de inquérito contra Henrique Meirelles, votou contra a elevação do nível do chefe da AGU. Argumentou que a Constituição diz que ministros é que são julgados pelo Supremo. Dentro dessa lógica, mais razão ainda teria o ministro para manter o voto agora negando o foro privilegiado: “O Banco Central é uma autarquia e não há razão para que o chefe de uma autarquia submetido a um ministério tenha o mesmo status que o seu chefe; no caso, o ministro”, diz um jurista. Outro que votou contra foi o ministro Celso de Mello. Mas essa interpretação não foi majoritária.

USAMOS ontem aqui a palavra “aidético” para definir os portadores do vírus HIV. Aprendemos com um leitor que esse termo é considerado pejorativo. Nossas desculpas a todos e o compromisso de pôr a lição em prática na coluna e não usar mais a palavra.


O GLOBO

Mais uma derrota do governo Lula






O Supremo Tribunal Federal acaba de derrubar a intervenção federal nos hospitais do Rio de Janeiro. A maioria dos ministros aceitou o argumento da prefeitura do Rio de que a intervenção é inconstitucional, desrespeita a autonomia municipal e não observou os procedimentos exigidos pela Constituição.


Efeitos práticos e imediatos da decisão do Supremo Tribunal Federal de derrubar a intervenção nos hospitais do Rio:
* a prefeitura voltará a administrar os hospitais Miguel Couto e Souza Aguiar, que sempre foram municipais;
* a administração dos outros quatro hospitais que haviam sido municipalizados ficará com o governo federal - mas ele não poderá requisitar serviços e servidores da prefeitura.

A intervenção federal nos hospitais do Rio de Janeiro teve dois objetivos - um nobre, outro não.
O nobre: dar uma solução ao estado calamitoso dos hospitais. Ou pelo menos amenizar os problemas que eles enfrentavam.
Objetivo nada nobre: salvar o ministro Humberto Costa, da Saúde, que estava para perder o cargo devido a reforma ministerial que estava prestes a ser feita.
Foi a área jurídica do ministério que teve a idéia da intervenção.
Costa submeteu-a ao ministro José Dirceu, da Casa Civil - naturalmente sem se deter sobre as eventuais vantagens que poderia tirar do episódio.
Aprovada por José Dirceu, a intervenção obteve a concordância de Lula que estava incomodado com a idéia de demitir Costa e com o plano do PFL de promover a candidatura do prefeito César Maia a presidente da República em 2006.
Nas pesquisas de intenção de voto, o prefeito perdeu ou deixou de ganhar alguns pontinhos devido à intervenção e à maneira como reagiu a ela.
Costa permaneceu ministro porque se fortaleceu com a intervenção - e porque, ao cabo, Lula desistiu da reforma do ministério.
Quem agora vai faturar é o prefeito. Mais ainda porque a intervenção foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal por 10 votos a zero.

Mais uma derrota do governo Lula

Mais uma derrota do governo Lula

O Supremo Tribunal Federal acaba de derrubar a intervenção federal nos hospitais do Rio de Janeiro. A maioria dos ministros aceitou o argumento da prefeitura do Rio de que a intervenção é inconstitucional, desrespeita a autonomia municipal e não observou os procedimentos exigidos pela Constituição.


Efeitos práticos e imediatos da decisão do Supremo Tribunal Federal de derrubar a intervenção nos hospitais do Rio:
* a prefeitura voltará a administrar os hospitais Miguel Couto e Souza Aguiar, que sempre foram municipais;
* a administração dos outros quatro hospitais que haviam sido municipalizados ficará com o governo federal - mas ele não poderá requisitar serviços e servidores da prefeitura.

A intervenção federal nos hospitais do Rio de Janeiro teve dois objetivos - um nobre, outro não.
O nobre: dar uma solução ao estado calamitoso dos hospitais. Ou pelo menos amenizar os problemas que eles enfrentavam.
Objetivo nada nobre: salvar o ministro Humberto Costa, da Saúde, que estava para perder o cargo devido a reforma ministerial que estava prestes a ser feita.
Foi a área jurídica do ministério que teve a idéia da intervenção.
Costa submeteu-a ao ministro José Dirceu, da Casa Civil - naturalmente sem se deter sobre as eventuais vantagens que poderia tirar do episódio.
Aprovada por José Dirceu, a intervenção obteve a concordância de Lula que estava incomodado com a idéia de demitir Costa e com o plano do PFL de promover a candidatura do prefeito César Maia a presidente da República em 2006.
Nas pesquisas de intenção de voto, o prefeito perdeu ou deixou de ganhar alguns pontinhos devido à intervenção e à maneira como reagiu a ela.
Costa permaneceu ministro porque se fortaleceu com a intervenção - e porque, ao cabo, Lula desistiu da reforma do ministério.
Quem agora vai faturar é o prefeito. Mais ainda porque a intervenção foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal por 10 votos a zero.

Bento 16

Bento 16
Joseph Ratzinger parece indicar que a Igreja preza muito mais a sua unidade do que dá a entender. O "pêndulo", que, por falso, não mudou de lado, optou, é fato, pela continuidade, e nessa continuidade pode estar a força de salvação do Colégio de Cardeais

Por Reinaldo Azevedo

Reprodução
PENTECOSTES: a manifestação do Espírito Santo. Pode-se negar a essência divina da Igreja Católica, mas não o seu direito de advogar o domínio autônomo de sua fé

"Quem tem boca vai a Roma", e quem não tem ouvidos para ouvir acaba usando a língua como instrumento de sua imprudência. Assim se deu, de modo geral, com a cobertura do pré-Conclave e, antes, com os fatos que se seguiram à morte de João Paulo 2º. Tendo a achar que tudo deriva de um entendimento prejudicado que a imprensa, também a mundial, tem dessa tal "dialética", reduzida à condição de mero pêndulo. E, claro, há o monumental lobby anticatólico e anticristão que tentou se apoderar da eleição do Sumo Pontífice. Não deu certo.

A aposta, canhestra, era a seguinte: se o papa que se foi era um "conservador" — e a palavra era empregada com indiscreta contraposição, quase como xingamento —, nada mais natural do que a eleição, agora, de um "progressista", vocábulo usado, evidentemente, como um elogio. A escolha de Joseph Ratzinger, agora Bento 16, frustrou isso que se queria uma "análise", o que nunca passou, de verdade, de mero palpite calcado numa abismal ignorância sobre a Igreja Católica. A impressão, ao ler alguns textos, era a de que os cardeais estavam reunidos ou para definir os destinos da Revolução Francesa ou para estabelecer um novo manual da sexualidade humana. E, aí, então, surpresa: afinal, cabia àquele colégio escolher o comandante da Igreja Católica, que só existe porque tem uma doutrina.

E se é daquela tal "dialética" que se fala, que não pode ser reduzida a um mero pêndulo, talvez seja forçoso reconhecer que um dito "conservador" terá mais autoridade para conduzir o diálogo necessário e possível da Igreja Católica com as outras religiões, com o mundo laico, com a ciência, com as realidades propostas por um mundo que desafia as religiões, a cristandade em particular e, muito especialmente, a Igreja Católica. A regra é simples: tem mais poder para mudar quem tem mais autoridade. Simples como a vida. Na homilia pré-Conclave, Ratzinger, então apenas o cardeal dono do maior número de votos, estabeleceu o limite possível para si mesmo ou para um outro qualquer: a Igreja não aceita o relativismo. Ponto. Ou seria outra coisa.

Uma nota: no dia da morte de João Paulo 2º, escrevi aqui que, se votasse, meu candidato seria Ratzinger. Ainda é o texto que me rendeu o maior número de ofensas. Os que escreviam, ficava claro, nem eram católicos. Eram apenas pessoas entusiasmadas com o "progressismo". Não sei por que, então, ficaram tão furiosas com o meu voto inútil se, no fundo, consideram a Igreja Católica uma instituição decrépita, inadaptável ao mundo moderno, avessa aos interesses do homem. Quer dizer, na verdade, sei por quê. E disso também falarei.

Bons e maus motivos
Cumpre-me, ainda uma vez, observar que falo sobre a Igreja Católica na condição de alguém que não se considera um católico. Porque, reitero, isso, entendo, requereria uma disciplina e uma dedicação de que não me sinto capaz. O que faço, no entanto, é reconhecer, em nome da pluralidade e, bem, da lógica democrática, o que costumo chamar de autonomia para o domínio da fé, desde que ela esteja articulada como uma sociedade democrática e que não aspire à condição de Estado, desde que não pretenda se impor como uma teocracia. E é justamente o ponto em que se encontra a Igreja Católica contemporânea.

Reconheço que existem bons e sinceros motivos para que muitos tenham se oposto ao pontificado de João Paulo 2º e vejam agora com receio o início da era Bento 16. A mão forte do Vaticano pesou sobre as correntes que considerava terem optado por caminhos desviantes, e é bem possível que injustiças se tenham cometido nesse processo. Mas confesso que me toma uma certa fúria — não mais do que aquela que um amante da lógica pode alimentar — a cada vez que se cobram da Igreja Católica posições que seriam, na prática, a negação dos seus fundamentos. E é também irritante a tábula rasa que se faz de temas que têm grandezas infinitamente desiguais.

Não sei se a Igreja Católica, algum dia, concederá com o uso de preservativos, por exemplo. Mas é óbvio que a adesão, ainda que não entusiasmada, a métodos considerados naturais de contracepção acena para uma mudança do que parece ser um rigor excessivo. Daí, no entanto, a se supor que a instituição possa avançar (ou regredir, a depender da opinião) para a aceitação do aborto, vai uma grande diferença. Porque, em verdade, há um abismo entre uma questão e outra. A censura à camisinha ou ao casamento de homossexuais está bem mais próxima da censura mais geral ao hedonismo moderno do que da condenação ao aborto, que é considerado uma violação do princípio da vida, que é divina, morada de Deus.

Juntar num mesmo parágrafo e até num mesmo período, como se faz habitualmente, a atuação do agora Bento 16 "contra a camisinha, o aborto, o casamento de homossexuais, o casamento dos padres, a ordenação de mulheres e a comunhão dos divorciados" é praticar, de fato, desinformação. Cada uma dessas realidades obedece a determinações históricas distintas. Algumas remetem a princípios inegociáveis; outras vão se encontrar com urgências em seu devido tempo. De qualquer modo, todas elas dizem respeito — e também isso se ignora amiúde — aos católicos.

Debate interno
Ora, é claro que os católicos, os fiéis da Igreja, também podem se flagrar transgredindo esta ou aquela determinação da hierarquia. Mas há um fato que talvez soe novidade a uma larga maioria: em nenhum país do mundo, felizmente, um indivíduo é obrigado a ser católico. A adesão à religião é volitiva, espontânea. Carrega certamente o peso da tradição cultural, mas é também um ato individual. A Igreja, como toda realidade humana, se divide em correntes, em pensamentos distintos. É legítimo, segundo seus próprios princípios, que os fiéis, pertençam ou não à hierarquia, se organizem para tentar influenciar nos seus destinos.

A questão fundamental é saber como o fazem. E aqui há algumas questões centrais que o pensamento laico se nega a reconhecer, embora dele parta a maior parte das censuras ao Vaticano. Pegue-se o caso do que se chamou Teologia da Libertação, uma corrente da Igreja que prosperou na América Latina. Da meritória intenção anunciada de levar a Igreja de Cristo para a defesa dos pobres, em que ela se converteu? Será que os que acusam a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé de ter sido ditatorial e autoritária com Leonardo Boff, por exemplo, puseram, alguma vez, os olhos no livro Igreja, Carisma e Poder? Recomendo que o façam. Ele próprio afirmou, em uma entrevista, que seu irmão, Clodovis, também teólogo, afirmara sobre o texto que ou o Vaticano reagia ou provava que estava morto. No texto, não há como ler de outra maneira, Boff vê uma igreja tão pecadora como irredimível. Para ele, o perdão, um dos pilares do cristianismo, não assistiria a própria Igreja Católica.

Da defesa dos pobres à apologia da luta de classes, a Teologia da Libertação deu o salto sem atentar para a contradição essencial. Ora, creio que a democracia é o melhor remédio contra a tentação totalitária esquerdista e que tudo deve fazer para se preservar, tolerando-a até onde pode ser tolerada, até onde essa tentação não mude o seu código essencial. Mas a Igreja Católica, que não é uma democracia, não pode aceder a uma leitura do mundo que é a negação do próprio espírito católico, da sua vocação para ser a Igreja Universal.

Como em nenhuma outra figura, acredito, a Igreja Católica se realiza na vocação de São Paulo, aquele que estabeleceu as bases da conversão dos gentios. Assim, pensa-se numa instituição que existe para converter, e não para ser convertida. Ou bem os teólogos da libertação admitem que devem ser salvas tanto a alma do dono de terra quanto a alma do sem-terra ou bem mudam de atuação social e aderem à luta política. Organizar-se na Igreja Católica para que ela se preocupe sempre mais com os humildes me parece bastante diferente de substituir o dogma da cruz e da salvação pelo dogma da luta de classes. Ambicionar um socialismo com face cristã é um exotismo socialista e cristão.

Embates
Creio que esses embates tomaram conta do pontificado de João Paulo 2º, que contou, sim, com a decidida colaboração do agora Bento 16 para coibir o que, entendo, se caracterizava como ameaças claras de cisma. Diz-se por aí que o papa afastou a Igreja do seu rebanho à medida que a Cúria deitou a sua sombra sobre os movimentos populares. Talvez tenha sido a ação necessária para evitar um racha que, em certo momento, chegou a parecer inevitável. Em certo período, os grandes inimigos da unidade católica pareciam estar tanto dentro da instituição quanto fora dela.

E, agora, volto um pouco ao início deste texto. Quantos de nós não nos cansamos de ler na imprensa brasileira (e também americana, européia e latino-americana) que havia chegado ao limite o atual "conservadorismo" católico? Quantos de nós não fomos bombardeados pelas notícias sobre os muitos descontentamentos que o pontificado de João Paulo 2º havia provocado? Quantos de nós não procuramos indícios papáveis em cardeais latino-americanos ou africanos? Ocorre que as melhores atribuições desses "candidatos" quase nunca eram pastorais, mas políticas. Era a Igreja do Terceiro Mundo chegando, era o Sul tomando conta da Igreja do Norte; tratava-se, parecia, de uma guerra de posições.

E, no entanto, o tempo quase recorde que marcou a eleição de Joseph Ratzinger parece indicar que a Igreja preza muito mais a sua unidade do que dá a entender. O "pêndulo", que, por falso, não mudou de lado, optou, é fato, pela continuidade e, nessa continuidade pode estar a força de salvação do Colégio de Cardeais. Ratzinger, que soube, então, empreender a batalha contra as correntes que tinham força para desagregar a Igreja será, agora, inevitavelmente, levado ao diálogo, inclusive com parcelas hoje descontentes do catolicismo. E não porque vá buscar o "outro lado" ou o "outro extremo", mas porque que sua missão é manter unida a sua Igreja e levá-la aonde ela ainda não está.

Não tem de aderir
Nem cabe digredir muito a respeito, até porque a literatura sobre o assunto é bastante vasta, e muitos são os instrumentos hoje disponíveis de pesquisa: o fato é que a Igreja Católica é, sim, uma das grandes chaves da civilização ocidental, tanto no que respeita a seus valores espirituais e simbólicos como no que respeita à questão mais comezinha: a guarda empreendida de alguns de seus testemunhos concretos de grandeza intelectual. Cometeu erros, violências, omissões. E pagou caro por cada uma dessas faltas. Mas, na sua unidade, restou como um dos pilares de nossa formação, hoje plenamente integrada às sociedades democráticas, sem ser uma democracia, que esta é tarefa nossa, dos que estamos fora da hierarquia, católicos ou não.

Não como quem comunga de valores religiosos necessariamente, mas como quem também combate certo relativismo, este cultural, não vejo um só valor essencial da Igreja Católica que acene para um mundo de violência, de terror, de degradação da vida humana. Ao contrário, considero, como indivíduo — um quase nada — esta instituição uma minha aliada na defesa de alguns princípios que também tenho por inegociáveis. Se Bento 16, ainda como cardeal Ratzinger, atacou o relativismo que, entende, concede com extremismos, também eu tenho cá a minha militância (quase solitária, admito) contra outras formas de agressão a princípios da tal civilização ocidental constantemente satanizados em benefício de particularismos que, se generalizados, resultariam em tirania. Sob o pretexto politicamente correto do multiculturalismo, conquistas caras à essência mesma de um regime de liberdades públicas são hoje postas em questão.

Também eu, como Ratzinger, no que me concerne e na minha medíocre militância, acato a diferença, assim como o agora Bento 16 vai dar seqüência ao diálogo ecumênico, de que ele é artífice, diga-se. Mas também eu, como ele em relação à sua fé e à universalidade do catolicismo, advogo, no entanto, a superioridade dos valores da cultura ocidental, que, entendo, não devem ser impostos pela força, mas também não devem se deixar contaminar por particularismos que lhe são estranhos e lhe neguem a essência. Se querem um pouco de concretude e exemplo, pois não: devemos buscar o diálogo com o Islã, mas é bom que tenhamos muito claro que chegamos, no que concerne ao respeito à pessoa humana, muito mais longe do que eles. Se a França não pode, porque não pode, levar seu laicismo aos países islâmicos, é de se indagar por que o Islã pode islamizar a Franca. É claro que os próprios franceses colaboram quando igualam, em sua história, a Cruz ao Crescente, proibindo ambos nas escolas. Mesmo aos que não crêem na diferença essencial entre uma coisa e outra, resta a questão: qual dos dois sinais preserva as conquistas mais importantes da cultura e da história francesas? Qual dos dois sinais, em suma, fez-se, para além de qualquer crença, história encarnada?

Volto à escolha do nome "Bento". Só Ratzinger tinha autoridade para uma primeira diferença em relação ao antecessor, já expressa no nome. Depois da comoção que se seguiu à morte de João Paulo 2º, qualquer outro estaria obrigado a ser João Paulo 3º. Ele não. Como não resta qualquer dúvida sobre a sua fidelidade ao antecessor, tem a independência para emitir sinais próprios. A homenagem aos dois "Bentos" anteriores é uma poderosa inspiração. Do 15, vem o apelo à paz e a declaração de independência da Igreja em questões de política e guerra; do 14, a coragem de voltar-se à doutrina mesmo quando a Igreja parece de tal sorte cercada que nada tem a fazer senão ceder em seus princípios ou entregar-se ao Estado forte, às ditaduras.

Entendo, sinceramente, por que muitas pessoas não gostaram da escolha de Ratzinger — inclusive uma das que, hoje em dia, me são mais queridas, católico que vive profundamente a sua fé. Mas sou otimista. Acho que Bento 16 vai operar mudanças importantes na Igreja. De dentro para fora, da Santa Sé para o mundo. Depois de João Paulo 2º, só ele poderia mudar o que tem de ser mudado.

Finalmente...
Para encerrar, uma nota. O governo brasileiro, mais de uma vez, transgrediu os limites que nos fazem sentir vergonha. Começou com a carona de Lula na biografia do papa quando João Paulo 2º morreu ("operário como eu"), continuou com a tentativa de fazer de dom Cláudio Hummes o papa do PT, das greves, e por aí afora. E termina agora com esse desastre que é a fala do vice-presidente, José Alencar. Segundo ele, o novo papa "tem 78 anos (...), e dom Cláudio tem a sua chance". É de uma deselegância brutal! O que está dizendo este homem? Já está jogando urucubaca no Sumo Pontífice?

Nota dois: Alencar é apenas quatro anos mais novo do que Ratzinger. E está cheio de planos. Até para a Presidência (toc, toc, toc...) da República. Nota três: não são quatro anos que faltam a Alencar para livrá-lo de falar bobagem. São os outros 74 de convívio com alguma forma de rigor intelectual.

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