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Saturday, September 10, 2005

A nossa caixa de Pandora Josef Barat

O ESTADO DE S PAULO

Quando compuseram o Samba de uma nota só Tom Jobim e Newton Mendonça tiveram, sem dúvida, uma inspiração genial. A idéia de que 'outras notas vão entrar, mas a base é uma só' fez da simplicidade melódica um grande achado que se propagou pelo mundo.

Ao inverso, ao basear a política econômica em uma nota só (os juros), as autoridades monetárias do País internalizaram, de maneira tacanha, idéias modernas sobre os fundamentos macroeconômicos que se propagavam pelo mundo. Assim, o grande acontecimento na área econômica passou a ser o da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) a respeito da taxa de juros. E a única variável que condiciona as alterações nos juros é a projeção da inflação.

Ao contrario do Federal Reserve norte-americano - vale a pena sempre insistir -, que fixa as taxas de juros em função de três variáveis: crescimento, emprego e inflação.

Claro que, para um país que viveu por décadas a inflação descontrolada, a preocupação com a alta de preços é plenamente justificável. Mais ainda se for levado em conta que a estabilidade monetária se tornou uma conquista da qual a sociedade não abre mão. Mas sacrificar permanentemente o crescimento em nome da estabilidade, desencadeando o trágico cortejo do desemprego e da pobreza, é algo que não se sustenta no longo prazo.

Evidências empíricas mostram uma persistente defasagem entre os níveis dos juros reais, de um lado, e crescimento da produção e do Produto Interno Bruto (PIB), de outro.

As variações dos juros reais e da produção assumem posições inversas no tempo. Portanto uma sucessão de aumentos da taxa de juros contribui para desacelerar a atividade econômica, mesmo não sendo o único fator determinante e apesar do efeito compensatório de medidas pontuais.

Isto não é propriamente uma novidade, uma vez que assistimos à contenção deliberada do crescimento pelos juros há uma década. Desta forma, não se pode esperar novidades no front em futuro próximo. Produtores e consumidores vêm sendo persistentemente surpreendidos pela 'política econômica de uma nota só' sempre que se animam com possibilidades concretas de crescimento.

O pior é que outro achado de Jobim e Mendonça que correu o mundo, Desafinado, se torna uma perda em termos de política monetária: o regime de metas inflacionárias - baseado na política de juros para controlar a inflação - exige, na verdade, o compromisso da contrapartida de rigorosas políticas de gastos públicos e de endividamento mobiliário, que sabemos não ocorrer. E aí não dá para desafinar.

Com políticas desafinadas, os efeitos dos juros sobre a inflação são modestos. Mas o estrago sobre a produção é grande. E, quando se diz que os gestores da política econômica desafinam, isso provoca uma imensa dor...

O economista Cláudio Contador, a partir de resultados empíricos, chega a uma conclusão incômoda: 'Uma política de juros mais agressiva tem efeitos depressivos mais rápidos sobre a atividade econômica (quatro a oito meses) do que sobre a inflação (nove meses).'

O que reforça a necessidade de maior consistência entre a política monetária e a de gastos públicos por meio de um 'choque de gestão' e corte drástico das despesas públicas. Mas como é possível pensar com serenidade nessas medidas no olho do furacão da crise política?

Paradoxalmente assistimos há dez anos ao esforço de - para usar o inevitável termo da moda - 'blindar' a economia dos efeitos da política. O primado da economia induziu a crença de que preservados os fundamentos macroeconômicos e sem os atrapalhos da política teríamos pela frente um fulguroso caminho de crescimento e elevação de renda. O que se viu foi o contrário: estagnação, empobrecimento e desesperança. E a atividade política aviltada pela submissão do Legislativo ao Executivo, este como arauto da blindagem da economia e insaciável gerador de medidas provisórias.

Mas eis que, num episódio aparentemente menor de disputa partidária na base aliada do governo, o deputado Roberto Jefferson (qual Epimeteu) destampou a caixa de Pandora tropical e dela saíram monstros e crimes que chocaram a Nação.

Em meio aos abrolhos revelados pelas CPIs, poucos se deram conta de que dela emergiu também, com muito vigor, a atividade política por tanto tempo envilecida.

De repente, começa a se vislumbrar aquilo que é normal em qualquer democracia desenvolvida e civilizada: o primado da política sobre a economia. A política como atividade vital e primordial da Nação. Fechada a tempo por Pandora, no fundo da caixa só ficou a esperança.

Quem sabe se da humilhação dos políticos e de uma renovação política se quebra a soberba dos economistas 'do mercado' e se encontram alternativas responsáveis e viáveis para o crescimento?

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