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Monday, September 26, 2005

Ficar no PT, para quê? Milton Temer*

jb

A partir do Planalto e de seus aliados, a teoria já virou ladainha. Os meios de comunicação estariam em campanha ferrenha, permanente, a serviço das ''elites'', visando desestabilizar o PT e o governo Lula. Um ódio de classe incontido não cessaria de ameaçar esse ''filho do caos social'', na classificação do sempre bem intencionado Leonardo Boff, em seu artigo da última sexta-feira.

O lamentável, para a maior parte dos que levaram Lula à Presidência da República, é que isto não representa uma pitada mínima de verdade. Pelo contrário. Basta atentar para a generosidade da Rede Globo na divulgação extensa de qualquer inexpressivo evento a portas fechadas - para o, antes, abominável patronato, ou para a pelegada escolhida a dedo - em que o presidente cante loas à sua guinada ao neoliberalismo.

Para que houvesse racionalidade na denúncia sobre a conspiração que saudosistas do PT, modelo anos 80, insistem em propagar, algumas premissas teriam que ser contempladas. Seria necessário que o citado filho do caos social, chegado aos palácios, não tivesse recuado de uma prometida reforma agrária, para privilegiar o predador agronegócio. Seria necessário que tivesse implementado uma vigorosa reforma tributária fundada no critério da progressividade; aliviando os que vivem do salário, e transferindo para os especuladores do mercado, hoje quase isentos, o peso maior da cobrança de impostos. Seria necessário que tivesse posto em prática espaços de controle social direto, sobre o aparelho do Estado e sobre os meios de produção dele dependentes, ou dele concessionários. Seria necessário que tivesse tido a ousadia de enfrentar os grandes agiotas internacionais, e não se submetesse ao papel vil de garantir pagamentos dos juros incessantes e crescentes, de uma dívida ilegal, porque nunca auditorada, como exigia a Constituição de 88. Seria necessário que tivesse interrompido, ao invés de aprofundar, o desmonte do Estado social, promovido pelo mandarinato tucano-pefelista de FHC. Seria necessário, enfim, que não fosse patrono da lei de falência exigida pelos banqueiros, nem da lei dos transgênicos que legalizou autores de crimes ambientais.

O que a brava intelectualidade aprisionada ao mito do ''líder popular carismático'' tem que atentar é para o fato de, a não ser novidade o conjunto de irregularidades trazidas à luz no governo Lula, isto não o inocenta. Pelo contrário, incrimina-o com agravante. Lula e o PT não vieram para diminuir a intensidade do tradicional mal fazer da coisa pública. Foram eleitos exatamente para o oposto. Se traíram tal premissa, traíram suas histórias e não merecem comiseração porque, com a sua chegada ao poder ''depois de séculos de marginalização e exclusão das classes populares'', nas palavras do bravo Leonardo Boff, o que conseguiram foi restaurar a prepotência dos representantes das classes opressoras. Foi dar a eles uma aura de moralidade que nunca correspondeu ao papel realmente desempenhado por eles na história do Congresso.

O PT não é uma igreja, nem a ação política pode ser vista como dogma religioso, em que só um é dono da verdade. O partido não merece extrema unção, como, aliás, sugeriu o próprio Leonardo Boff, em artigo anterior, aqui publicado, porque não vai morrer. Mas pela composição de seu novo diretório nacional, deixou claro que apenas mudou. Confirmando que a guinada doutrinária tem forte suporte interno. O partido socialista virou partido neolulista.

Há, portanto, outras expressões da esquerda manifestando-se em siglas distintas. Com visões táticas diferentes, é possível, mas com avaliações idênticas dos objetivos estratégicos. A última ocupação da simbólica Rio Branco, no Rio de Janeiro, foi prova disso. Do decano PCB ao recém-legalizado PSOL, em parceria fraterna com o PDT e o PSTU, estavam lá os estudantes e trabalhadores não vulneráveis aos fascínios materiais da cooptação oficial. Estavam lá, enfim, os que votaram em Lula e se viram traídos pela guinada neoliberal, mas que não enrolaram as bandeiras de suas utopias.

Se comiseração carece, é para os filhos do caos social que continuam, por conta da manutenção da política neoliberal, chafurdados na desigualdade social agravada pelo modelo macroeconômico que Henrique Meirelles e Palocci implementam, blindados pelo aval de Lula.

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