NO MINIMO
A filosofia está na moda, constata-se nas prateleiras das livrarias, nos lançamentos das editoras, nos best-sellers de leitura rápida. Nomes como Nietzsche e Schopenhauer passaram a freqüentar as capas dos livros das vitrines. Os cafés filosóficos em bares e restaurantes badalados estão lotados. Na TV, o quadro de Viviane Mosé no Fantástico e a presença da filósofa Márcia Tiburi no programa "Saia Justa" confirmam: a filosofia se aproxima da auto-ajuda e tenta oferecer ao público ferramentas de compreensão desse mundo estranho em que vivemos. E a filósofa Marilena Chauí foi tratada pelos jornais como uma espécie de celebridade do pensamento, um tipo que deveria "iluminar" os leigos sobre como agir diante da crise governamental que o país atravessa. Além das expectativas iluministas descabidas, a filosofia que invade a TV não consegue oferecer nada mais do que um pouco de alento a quem está acostumado a amargas as noites de domingo diante da telinha.
Nem por isso se deve pensar que a reflexão filosófica está fora do debate da crise contemporânea. Ao contrário: apesar das críticas ao silêncio de Chauí, quem ouviu ou leu o texto completo da sua apresentação verá que ela tem importantes contribuições ao debate. "O recuo da cidadania e a despolitização produzem a substituição do intelectual engajado pela figura do especialista competente, cujo suposto saber lhe confere poder para, em todas as esferas da vida social, dizer aos demais o que devem pensar, sentir, fazer e esperar, dando-lhes um receituário para viver," diz ela. Para quem está disposto a refletir com mais profundidade do que oferecem as manchetes de jornal, Chauí dá uma pista importante: não adianta esperar do intelectual uma explicação certeira e definitiva para a corrupção no governo Lula.
De fato, Chauí não fez o papel do "especialista competente" nem moldou sua apresentação aos insistentes apelos midiáticos pelos quais os intelectuais estão sendo cobrados. A melhor defesa de Chauí fez o jornalista Sergio Augusto no caderno "Aliás" (Estado de S.Paulo) de domingo, 28: "Para publicações à cata de declarações bombásticas, nada mais decepcionante do que ouvir uma intelectual falar de forma alusiva (Montesquieu não fez isso?) e reivindicar seu direito ao silêncio enquanto nada de original tem a dizer. Chaui não quer dar opiniões, tão-somente, mas oferecer uma análise à altura de uma pensadora, tarefa que requer serenidade e uma compreensão menos lacunar do que está acontecendo." (links abaixo, o jornal é fechado a assinantes). Pelos argumentos do jornalista se pode lembrar da boa definição para essa incompatibilidade, feita pela crítica argentina Beatriz Sarlo durante sua participação na última FLIP: "Os meios de comunicação cortejam os intelectuais hoje com resultados que nem sempre são bons para ambos os lados".
Mas não é só pela popularidade que se mede a força da reflexão filosófica. Durante toda a semana passada aconteceu na PUC-Rio o "Krisis – 2º Fórum de Filosofia Contemporânea", que reuniu estudiososo em 50 mesas de debates sobre ética, niilismo, pós-modernidade, linguagem e arte. Além da Filosofia, pesquisadores de outros campos como Literatura, Ciência Política e Social, Educação, Direito e Psicologia estiveram presentes. A principal atração internacional ficou por conta da conferência do filósofo italiano Gianni Vattimo, que fez a abetura do evento. Seu livro mais recente no Brasil é "Depois da Cristandade – por um cristianismo não religioso", aqui resenhado pelo jornalista Flávio Pinheiro (link abaixo), no qual o pensador italiano mostra como a morte do "Deus moral" abriu caminho para uma renovada vitalidade religiosa.
Embora tenha feito ótimas referências críticas à Igreja Católica, o tema da conferência de Vattimo foi "O que significa pensar depois do 11 de setembro". falou especificamente sobre o que ele chama de "pensamento fraco", uma tentativa de refletir sobre o mundo em oposição às doutrinas fortes e, por isso mesmo, autoritárias que vigoram na história recente do Ocidente. Foi ao se definir como "anarquista não-violento" que apontou saídas: reconhecer que é preciso abandonar a expectativa de soluções fortes, únicas e admitir que um "pensamento fraco" pode tornar a realidade mais leve e "menos nitidamente cindida entre o verdadeiro e a ficção."
Para os que estiverem interessados em aprofundar as reflexões sobre "pensamento fraco", esse é o tema do livro "Niilismo e (pós)-modernidade: introdução ao pensamento fraco de Gianni Vattimo" (Editora PUC-Rio, R$ 20,00156 págs.), de Rossano Pecoraro, com posfácil de Vattimo. No texto "O fim da filosofia na idade da democracia", Vattimo questiona justamente o papel do filósofo soberano que pode oferecer respostas para tudo. Não pode, mas a constatação não oferece bons índices de audiência. [comente]
Sites relacionados
Krisis - 2o. Fórum de Filosofia Contemporânea
Resumo da conferência de Marilena Chauí (ESP)
Artigo jornalista Sérgio Augusto (ESP)
Para ler mais
As manhas da Arquiduquesa
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Sunday, September 04, 2005
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