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Saturday, September 17, 2005

Intelectuais de esquerda criticam blindagem de Lula

folha de s paulo
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para barrar o que enxergam como operação unânime para blindar o Palácio do Planalto e o Ministério da Fazenda em nome da política econômica, um grupo de peso de intelectuais de esquerda divulgou ontem manifesto que defende a investigação rigorosa dos casos de corrupção, mesmo que leve ao impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Exigimos que as investigações prossigam até o fim, inclusive aquelas que apontem em direção à Presidência da República e possam redundar na instauração de um processo de impeachment", diz o texto, produzido por professores da Unicamp e divulgado ontem no site da universidade.
De acordo com o manifesto -entre os quase 150 signatários estão o filósofo Paulo Arantes (USP) e os sociólogos Francisco de Olveira (USP) e Laymert Garcia dos Santos (Unicamp)-, há em curso um acordo para salvar Lula, parte do governo e parlamentares envolvidos no escândalo do "mensalão".
"Há um grande acordo tácito para preservar o Planalto. Nenhum dos fatos importantes em relação ao presidente e ao Palocci são investigados", afirma um dos idealizadores do texto, o cientista político da Unicamp Armando Boito. Ele cita como frentes não exploradas pelas CPIs a Gamecorp, empresa de um dos filhos do presidente que recebeu R$ 5 milhões da Telemar, e a compra de passagens pelo PT para familiares de Lula e do ministro da Fazenda, Antonio Palocci.
O ex-petista Francisco de Oliveira reforça as críticas a Lula: "Que ele não é inocente, não é. A não ser que ele seja mentecapto. Presidir um partido, chefiar um governo onde o partido dele está metido até a tampa e atuar como se nada acontecesse... Não sei se ele está metido, mas ingênuo nem ignorante dessas questões ele é".
O manifesto aponta uma atuação "oportunista" da oposição, de cálculo simplesmente eleitoral, que quer golpear o governo, mas manter Lula e a política econômica, com a qual são comprometidos: "[PSDB e PFL] não estão empenhados, de fato, em levar a investigação até o fim e em todas as direções". Eles também defendem apuração para casos de corrupção levantados na oposição.
"Eles querem acabar com o pouco de democracia que construímos. A corrupção investigada não é uma corrupção qualquer. É o Executivo que compra o Legislativo, é a corrupção da democracia", afirma Boito.
É papel dos intelectuais, dizem os signatários, pôr essas questões em debate público: "A única unanimidade que existe nesta crise toda -esquerda, direita, mídia, televisão e jornal- é não tocar na política econômica. Então certamente essa é a motivação da blindagem", explica Oliveira.
A economista e professora da USP Leda Paulani, que também assina o documento, concorda. Segundo ela, ficou claro o "pavor" dos analistas econômicos quando as investigações esbarraram no Ministério da Fazenda.

Eleição no PT
O lançamento simbólico do manifesto será na terça-feira um auditório na Unicamp, em Campinas (SP), durante o debate "A esquerda e a crise política no governo Lula: que crise é essa", do qual participarão o economista Ricardo Carneiro, Armando Boito e economista Plínio de Arruda Sampaio Jr., filho do candidato a presidente nas eleições internas do PT pela corrente de esquerda Ação Popular Socialista.
O manifesto, aliás, é claro ao circunscrever a crítica ao Campo Majoritário petista. Mas signatários do texto, como Laymert Garcia dos Santos, porém, não vêem possibilidade de recuperação do partido:
"Não acredito em reforma desse partido. Nós estamos numa situação muito complicada. O PT durante 25 anos se apresentou como uma alternativa aos partidos tradicionais. De certo modo, o PT destruiu a construção de uma alternativa à esquerda por uns 20 anos", diz o professor.

Leia a seguir a íntegra do manifesto a ser lançado por intelectuais na próxima terça-feira na Unicamp (SP).
 
"Pela investigação rigorosa da corrupção, pela punição dos envolvidos e pela democracia.
A crise atual revelou os limites da democracia brasileira, e as manobras em curso, que visam poupar os corruptos, podem estreitá-la ainda mais.
Depois de muitos anos de luta contra uma violenta ditadura militar, chegamos a um regime democrático esquálido, que não rompeu claramente com o passado ditatorial. Sob forma nova, permanecem alguns dos instrumentos espúrios da ditadura, dos quais são exemplos o açambarcamento da função legislativa pelo Executivo, a multiplicação de foros privilegiados para julgar mandatários e burocratas, a ação subterrânea das forças de segurança militarizadas no seio do Estado, a ausência da plena liberdade de organização para os trabalhadores e a prática de tortura e do assassinato pelos órgãos policiais. Desenvolveram-se também, sem nenhum freio, alguns dos instrumentos pelos quais o poder econômico e as instituições do Estado podem distorcer os mecanismos de expressão da vontade popular, como a intervenção direta dos organismos econômicos internacionais na definição da política econômica do Estado brasileiro, o monopólio exercido por um reduzido número de grandes grupos econômicos sobre os meios de comunicação, o sistema de financiamento de campanhas eleitorais que nada mais é que um sistema para comprar candidatos e candidaturas, a conversão dos votos de deputados e senadores em mercadoria que é negociada quase que à luz do dia com vultosos recursos de origem escusa, a total falta de controle dos representantes pelos supostos representados e a consolidação de um presidencialismo que se parece com o poder imperial. Esse tipo de democracia tem sido útil para preservar o modelo econômico neoliberal, mas não para atender aos interesses da maioria da população brasileira.
Depois de conquistarem o voto popular na eleição de 2002, o governo Lula e o PT, sob a direção do Campo Majoritário, aderiram àquelas práticas. Chegamos a uma situação em que, dentre os grandes partidos políticos, ninguém pode atirar a primeira pedra. Desde que surgiram as denúncias sobre a compra de deputados para que votassem com o governo, o PT e o governo Lula têm dificultado as investigações, enquanto o PFL e o PSDB agem sob medida com o único objetivo de usar eleitoralmente as denúncias, zelando para que a corrupção praticada por tucanos e pefelistas permaneça ignorada e não apurada.
Há também os interesses econômicos aos quais estão ligados o PFL e o PSDB. Estes partidos sacrificam as investigações quando elas apontam na direção do Ministério da Fazenda, de modo a preservar a política econômica do governo com a qual concordam. Não estão empenhados, de fato, em levar a investigação até o fim e em todas as direções; não estão empenhados em preservar e em ampliar o pouco de democracia política que conquistamos no Brasil. Colher depoimentos espetaculares sem proceder a investigações rigorosas pode ser um caminho para simular que se está investigando e, ao mesmo tempo, viabilizar um grande acordo que salve quase todos: o governo, a oposição liberal e até mesmo os deputados cujos nomes estão na lista de sacadores das contas de Marcos Valério.
É este acordo contra a democracia que não podemos aceitar! Investigação pela metade e punições meramente protocolares estimularão a continuidade da ação dissolvente do poder econômico sobre a democracia brasileira e reforçarão a autonomia e a presunção de impunidade de parlamentares, de mandatários do poder executivo, de juízes e de burocratas do Estado. Campanhas eleitorais e deputados continuarão sendo comprados, a política continuará sendo meio para o enriquecimento pessoal e a democracia representativa, uma falsa representação da vontade da maioria. Passado o momento espetacular da crise, regressaríamos à normalidade de nossa democracia estiolada pela herança da ditadura, pela corrupção do poder econômico e pela arrogância dos políticos profissionais e dos burocratas.
Exigimos que as investigações prossigam até o fim, inclusive aquelas que apontem em direção à Presidência da República e possam redundar na instauração de um processo de impeachment.
Todos os culpados, corruptos e corruptores devem ser punidos, inclusive os bancos e empresas, nacionais e estrangeiras, que financiaram essa ultrajante operação de compra de votos e apoio político.
É hora de lutar pela preservação das conquistas democráticas e pela criação e ampliação dos mecanismos de controle popular sobre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. A luta contra a corrupção e pela ampliação da democracia é parte da luta contra o modelo econômico neoliberal e pela melhoria das condições de vida da população brasileira.
Setembro de 2005."

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