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Tuesday, August 02, 2005

A responsabilidade do PSDB

 
Nota

A responsabilidade do PSDB

Antonio Fernandes (02/08/05 10:50)

É necessário fazer o que tem que ser feito. Mas o PSDB não faz e continua cometendo, inacreditavelmente, um erro atrás do outro.

Já existem evidências suficientes para uma parada total dos reatores. Vejamos:

1 – Já existem evidências suficientes da montagem de um esquema complexo, amplo e profundo, de captação de recursos ilícitos para financiar não apenas campanhas eleitorais (via o chamado Caixa 2), mas, principalmente, uma espécie de Estado paralelo no Brasil, por meio do aparelhamento do governo e da privatização partidária da esfera pública, numa proporção inédita em nossa história, visando a garantir a permanência no poder de um mesmo grupo privado (não o PT como um todo, senão parte de uma tendência dentro do PT, a velha Articulação, a tendência cuja principal liderança é Lula e cujo principal operador é Dirceu).

2 – Já existem evidências suficientes de que esse grupo, montando uma verdadeira quadrilha dentro do governo, colocou em marcha um processo sistemático de compra de votos e de apoio, de parlamentares, de partidos e de outras pessoas e instituições, do governo da sociedade, para fazer maioria em todas as instâncias capazes de assegurar ampla hegemonia ao governo e ao PT em quase todas as áreas.

3 – Já existem evidências suficientes de que Lula: a) ou estava envolvido; b) ou foi conivente; ou c) ficou, dadas as suas responsabilidades, imperdoavelmente alheio ao que se passava em seu próprio Palácio e sob a direção de seus mais íntimos colaboradores.

4 – Já existem evidências suficientes de que Lula, usando o cargo e suas prerrogativas, não apenas tentou "melar" as apurações (dificultando a instalação de CPIs ou manobrando para garantir comissões "chapa branca" de inquérito, onde tivesse ampla maioria), como tentou e continua tentando vender versões falsas para a população, iludindo a opinião pública com várias farsas: a) a de que se trata apenas de crime eleitoral; b) a de que todos os partidos e candidatos cometem esse crime; c) a de que não existe mensalão; d) a de que foi traído por alguns poucos dirigentes do PT; e) a de que não sabia de nada; f) a de que não há corrupção em seu governo; g) a de que tudo não passa de manobra das elites para fazê-lo baixar a cabeça (pelo fato dele ser um operário, um homem de origem humilde); h) a de que é o homem mais ético da humanidade; i) a de que a crise é, na verdade, resultado de um "diz-que-diz" de pessoas invejosas e inconformadas com o seu sucesso (dentre as quais o ex-presidente Fernando Henrique); j) a de que se lhe for cobrada responsabilidade pelos delitos cometidos em seu governo, a economia vai para o ralo; e l) a de que se for investigado ou ameaçado de impedimento, haverá grave instabilidade institucional no país (a farsa do "Lula ou o caos").

5 – Avolumam-se as evidências de que Lula – por intermédio do seu ministro da Justiça, Marcio Thomas Bastos – está influindo diretamente no depoimento dos acusados e de outros depoentes na CPI dos Correios, construindo versões articuladas, em conluio com destacados (e caríssimos) advogados de defesa para dificultar as apurações.

6 – Existem alguns indícios de que Lula está usando o aparato de inteligência e de repressão do Estado para confundir as apurações, manipulando a atuação da Polícia Federal para criar efeitos especiais na opinião pública, com shows pirotécnicos voltados à mistificação das massas pela propaganda política, por meio de ações psico-sociais espetaculares.

7 – Permanecem inexplicados alguns fatos que atingem diretamente Lula e sua família, como o "milagre econômico" do seu filho, o depósito on line para pagar um empréstimo (sem juros) tomado ao PT e a liquidação de certas faturas de cartão de crédito, para não falar das ligações com o seu compadre Roberto Teixeira (reavivadas agora com a nomeação, em circunstâncias complicadas, de um dirigente da Infraero sob investigação).

Por incrível que pareça esse último item – o sétimo da lista acima – é o menos importante do ponto de vista político estratégico. Concentrar exclusivamente a atenção nele significa desviar as atenções do essencial para uma discussão, ociosa e inócua, de se Lula é ou não é pessoalmente honesto. É não ver que não é mais disso que se trata. Apenas as quatro primeiras evidências listadas acima já são suficientes para uma parada total dos reatores.

Se os problemas enfocados nos quatro primeiro itens da lista acima não forem resolvidos, não podemos continuar caminhando como se nada tivesse acontecido. Alguém, com um mínimo de credibilidade e força política, tem que ter a coragem e decência de dizer isso à nação.

O ator em melhores condições para cumprir esse papel é, obviamente, o PSDB. No entanto, o PSDB não está tendo uma visão clara da problemática como um todo. Imagina que enquanto Lula não for pessoalmente atingido, enquanto não ficar claro, para uma parcela do eleitorado que ainda apóia o presidente, que Lula é desonesto, nada poderá ser feito. Tal o predomínio da lógica eleitoral em seus raciocínios que é como se estivesse esperando que Lula fosse derrotado antecipadamente pelos seus eleitores, quase dois anos antes do pleito e desde que isso ficasse registrado em uma série de incontestáveis pesquisas de opinião.

Ora, em primeiro lugar, isso não acontecerá. Não havendo confissão dos crimes cometidos por ele ou dos quais foi cúmplice, Lula sempre poderá dizer aos seus eleitores que tudo é uma armação ou um golpe dos ricos, dos letrados, das elites, dos invejosos, dos inconformados, para arrancá-lo do poder antes do tempo. Com todo o aparato de inteligência, de repressão e de propaganda nas mãos, com a assessoria, sempre presente, de um exército de criminalistas orientados por seu ministro da Justiça, com muitos recursos para "queimar" em programas de panfletagem de dinheiro e com o apoio de uma parte importante do empresariado (aquelas verdadeiras elites econômicas, sobretudo do setor financeiro, que estão realizando fabulosos lucros no seu governo), Lula tem instrumentos bastantes para ir se safando e conseguir chegar até o início da campanha do ano que vem, quando, então, Inês estará morta.

O tipo de relação, mítica, que Lula construiu com uma parte da população, é meio infensa a argumentações racionais. Dificilmente o "rebanho lulista" – que hoje deve atingir 30% do eleitorado – se convencerá de que Lula é e sempre foi o chefe do esquema. Preferirá acreditar na hipótese de que os "de cima" não se conformam com o sucesso daquele que veio "de baixo" ungido para uma grande revanche de classe. Então, toda a batalha de Lula é para convencer mais 20% do eleitorado de que será muito pior sem ele.

Uns 20% não tomarão qualquer posição a não ser se forem obrigados (como são obrigados, por exemplo, a votar). Os outros 30% - por serem mais sensíveis às visões e aos argumentos das oposições ou por outros motivos – já se convenceram de que Lula é um desastre mesmo, de que ele é a crise. Então sobraram esses 20% que, dada a confusão atual, a avalanche de denúncias e a batalha midiática de versões e interpretações, não estão sabendo bem o que pensar.

Esses 20% que devem ser convencidos não pertencem ao rebanho ansioso por um condutor. Também não são oposição ao governo, não estão sob a influência direta do PSDB, do PFL, do PDT, do PPS e do PV. Mas são capazes de se sensibilizar com evidências fundadas e com argumentações inteligentes de outros líderes, sobretudo do PSDB.

As porcentagens podem não ser exatamente essas. Mas sejam quais forem, não invalidam o raciocínio.

Pois bem. Se o PSDB abre mão de falar para a população como um todo, sobretudo para esses 20% e de mostrar que – dadas as evidências que já temos – é insustentável continuar trilhando o mesmo caminho e que, se isso for feito, a crise será muito maior; enfim, se o PSDB e, em certa medida, também o PFL (os dois maiores partidos oposicionistas) abrem mão de fazer isso, quer dizer, de fazer oposição, agora e não nas vésperas do pleito de 2006, então é quase certo que Lula conseguirá o seu intento. A menos que fique "provado" que Lula é desonesto pessoalmente, o que – todo mundo sabe – é quase impossível sem uma confissão.

Para assumir esse papel (histórico, como se dizia antigamente), o PSDB tem que parar de vacilar. A sua demora em tomar uma posição em relação às denúncias que envolvem Eduardo Azeredo, foi, simplesmente, um desastre.

Está certo que, ao que tudo indica, Azeredo é um homem de bem. Mas as evidências de que ele praticou o chamado Caixa 2 de campanha são muito fortes. Enquanto o PSDB não se posiciona inequívoca e firmemente sobre isso, fica pairando a suspeição de que todos os políticos são iguais e uma parte da população não conseguirá tomar uma posição clara. Não conseguirá ver que Caixa 2 é uma coisa muito diferente de Mensalão. Não conseguirá ver a diferença, brutal, entre organizar uma quadrilha para financiar um Estado paralelo visando reter o poder por tempo indeterminado nas mãos de um mesmo grupo e aceitar doações de recursos "não-contabilizados" para uma campanha eleitoral.

Assim, o PSDB está cometendo muitos erros. E erros tão graves que podem levar à supressão artificial da crise pelo abafamento ou esfriamento das apurações, à manutenção do esquema de poder montado pelo PT (e inclusive a manutenção da quadrilha instalada no governo, sob nova direção e com outros operadores) e, finalmente, à reeleição de Lula – o que, nessas circunstâncias, significará uma crise institucional de enormes proporções e conseqüências imprevisíveis.

Vejamos um resumo dos principais erros do PSDB:

1 - O primeiro erro é avaliar a situação a partir de um calculismo eleitoral, às vezes até eleitoreiro e imaginar que a dinâmica democrática deve se restringir às escolhas periódicas do eleitorado. Exigir que a maioria do eleitorado se posicione pela saída de Lula com tanta antecipação ou o obrigue a mudar de comportamento corrigindo os crimes cometidos sob sua responsabilidade (e sem uma liderança nacional que polarize as atenções e verbalize as críticas) é, de certo modo, desconhecer a realidade institucional mais perene da República e desprezar as virtudes dos procedimentos democráticos no dia-a-dia, em períodos não-eleitorais.

2 – O segundo erro é deixar de fazer a disputa política na opinião pública, deixar de esclarecer a população sobre a gravidade do que já foi evidenciado e deixar de dizer que os motivos já são suficientes para uma parada total dos reatores: ou consertamos agora os defeitos da máquina, ou não podemos continuar a viagem. Isso não significa, necessariamente, o impeachment de Lula e sim uma mudança de comportamento de sua parte, com a desmontagem tanto da quadrilha quanto do Estado paralelo.

3 – O terceiro erro é tentar poupar Lula em nome da blindagem da economia, da preservação da normalidade institucional ou da governabilidade. Ao cometer esse erro, o PSDB cai na armadilha do governo, compra e vende a falsa idéia de que é "Lula ou o caos". Erro crasso, nesta linha, foi cometido por alguns líderes do PSDB e do PFL na semana passada, quando vieram a público combater uma proposta de impeachment que, embora cogitada, como é natural em um momento como este, não foi apresentada por nenhuma força política significativa do país e, muito menos, encontrava eco suficiente na opinião pública. Sinalizou para a opinião pública e, sobretudo, para os mercados, que existem condições adequadas para continuar caminhando no mesmo rumo, para ir tocando o bonde, pelo menos até o final de 2006.

4 – O quarto erro foi demorar demais para dar uma resposta contundente e convincente sobre as acusações de Caixa 2 que envolvem o presidente nacional do partido. Na verdade, até agora, ainda não deu – o que é espantoso e i-na-cre-di-tá-vel! Ora, se o PSDB, que está cobrando (ainda que timidamente) as apurações dos crimes e irregularidades cometidos por Lula, ou pelo governo, ou pelo PT, também não se dispõe a investigar e punir o que ocorre dentro de sua casa, como poderá se credenciar para continuar cumprindo o seu papel oposicionista? Não interessa se as coisas são ou não são assim: é assim que pensa, com bastante razão, o homem comum, a mulher comum, enfim, a maioria da população.

Os erros cometidos pelo PSDB estão mostrando que, conquanto esse partido reúna estadistas brilhantes e importantes lideranças políticas regionais e nacionais, parece que não estava à altura da missão que lhe foi conferida pelas urnas de 2002. Não a missão de ser governo (ou de ser o principal responsável pela boa governança – a despeito de ter sido apeado pelos eleitores do poder de Estado – como ainda acreditam muitos de seus próceres) e sim a missão de ser oposição. O que não é menos importante e sim tão importante quanto ser governo em um regime democrático, como, aliás, estamos vendo agora.

Sem oposição, sobretudo sem a sua parte mais expressiva, esclarecida e convertida à democracia (o PSDB), será um desastre. Vamos "cantar" o que, na pior hipótese, pode acontecer: os erros do governo não serão corrigidos, os delitos não serão punidos, a quadrilha não será totalmente desbaratada, o esquema de poder não será desmontado e Lula terá grandes chances de ser reeleito sem mudar uma vírgula no seu comportamento. Como conseqüência, o Brasil entrará em um período de instabilidade sem paralelo em nossa história. E o grande responsável por tudo isso, ao menos por omissão, será o PSDB.



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