Por que acho que Lula não desiste |
Por Reinaldo Azevedo |
Quem lê este site sabe que fui o autor da tese original de que Lula não deveria se candidatar à reeleição. Isso foi lá no começo da crise. Queria evitar esses dramas despudorados todos e até facultar ao Apedeuta o trabalho de limpeza da área, ainda que seja o grande responsável por tudo. Creio que ele autorizou pessoalmente as operações de José Dirceu-Delúbio & Cia. Mas o poder é assim mesmo: os homens de confiança são fusíveis; queimam para preservar o chefe. Ocorre um apagão momentâneo, mas basta trocar a peça. Se Lula tivesse anunciado a disposição de sair de cena, a temperatura teria baixado, é claro. Em vez disso, ele saltou para o centro dela, certo de que nada colava na sua imagem, que seguiria a ser o demiurgo infenso à sua própria obra. O resultado é este aí: está se esfarelando. O que, em si mesmo, é excelente. E, agora, parece tarde para desistir. Por que escrevo isso? Porque é claro que todos vocês já leram, nos últimos dias, dezenas de sugestões de que Lula pode desistir da candidatura. O que antes talvez tivesse até um aspecto virtuoso seria, agora, vicioso — esse particular, já que vício é com o PT, me faz flertar com a possibilidade, embora não acredite nela. Mas vamos adiante. Tivesse feito o que recomendei em junho, a esta altura, já se estaria construindo uma alternativa a seu nome no próprio partido. Eu errei numa coisa: subestimei a República de Ribeirão Preto e sugeri, à época, que fosse Antonio Palocci o substituto. Não pode ser, como se sabe. Se Lula desistir agora, será uma tentativa, obviamente, de melar o jogo, uma demonstração de irresponsabilidade (Santo Deus!, se é assim, estou começando a me convencer de que estou errado...). Bem, vamos ver por que, segundo uma argumentação que considero racional (xiii...), Lula tende, sim, a disputar, embora as pesquisas de opinião apontem que ele está em franco processo de desconstituição eleitoral e de corrosão da imagem. Ainda que o presidente tenha uma propensão a pensar apenas em si mesmo; ainda que esteja mais para um arrivista do sindicalismo do que para um ideólogo de qualquer porcaria — socialismo, nacionalismo, terceiro-mundismo ou o que seja —, o fato é que o PT lhe confere uma identidade e é a máquina que garante a sua boa vida desde 1975. Se vocês pensarem bem, todos, no país, têm alguma ocupação, à qual até pode se juntar a política. A profissão de Lula é ser Lula. Há 30 anos, ele só faz isso. Sempre teve mais votos do que o PT e foi maior do que a legenda, mas é a agremiação que detém o controle de alguns órgãos do Estado, pouco importa quem esteja no governo, e que manipula os fios da institucionalidade. Mesmo que Lula tenha autonomia e uma base social mais ampla, sem o PT, ele nada é além de uma Madre Teresa de hospício. Não há mais tempo para substituí-lo na legenda, e muitos são os interesses a ser preservados. O partido tem como correia de transmissão uma gigantesca rede de sindicatos, comandada pela CUT, e é o virtual dono de nove entre dez entidades de defesa disso e daquilo. Detém ainda parte do controle dos fundos de pensão, está entranhado nas estatais, na Justiça, no Ministério Público e nos órgãos de regulação e de prestação de serviços do Estado: da Comissão de Valores Mobiliários à funerária que distribui caixão para os pobres, lá está um companheiro. É um monstro de mil tentáculos parasitando o país. A atual crise só expôs uma parte desse poder. O PT, entendam bem, é só uma espécie de fachada legal de um Estado paralelo, que sobreviverá, sim, à eventual derrota de Lula. Mas, para tanto, é preciso ter viabilidade eleitoral, ainda que sobrevenha a derrota. Lula terá sempre um terço do eleitorado brasileiro, não importa se chuta a santa, rouba pirulito de criança ou cospe na cruz. Seus fiéis não dão a menor bola. Mesmo corroído, ainda é o líder. O partido precisa dessa fachada legal; precisa fazer uma bancada no Parlamento que tenha algum poder de negociação e de pressão. Contra os planos de Dirceu e companhia, o Estado legal, oficial, sobreviveu. E os petistas terão de negociar com ele. Por isso, acho que Lula não desiste, mesmo que a derrota se afigure como certa. Isso não significa, no entanto, que o partido vá se acomodar e aceitar pacificamente o resultado das urnas. Nunca aceitou. Não seria desta vez. Uma parte, como sempre, vai fazer o jogo legal, fingindo acatar as regras da democracia. Mas a outra, a das sombras, a "ilegal", vai infernizar a vida de quem for eleito. A "firma", com características de máfia, tentará inviabilizar qualquer alternativa de futuro. Dispõe de aparelhos para tanto. O próximo governo do Brasil terá, por exemplo, de fazer uma nova reforma da Previdência. Imaginem Luiz Marinho, atual ministro do Trabalho, esfregando as mãos de satisfação, ameaçando marchar sobre Brasília em companhia de João Pedro Stedile. O que este tem a ver com a área? Nada, ora. E precisa? O que quero dizer, em suma, é que os interesses são amplos demais para que Lula faça uma aposta tão arriscada. Já que falhou o Plano A — tornar a democracia representativa irrelevante —, volta-se ao Plano B: continuar a aparelhá-la e a sabotá-la em nome de supostos interesses coletivos. A nova classe social, de que Lula é o representante máximo, esta "burguesia do capital alheio", subsiste a uma derrota eleitoral. Vejam o exemplo em São Paulo: Marta Suplicy não me deixa mentir. É acintoso que seja considerada uma forte candidata ao governo de São Paulo depois do que fez na capital. O preço da sobrevivência do Estado de Direito será o eterno combate, a eterna vigilância. Está morto? Se querem saber, havendo uma esfriada nos escândalos, há tempo para Lula se recuperar e se tornar, sim, competitivo. O jogo, creio, tende a ser bem mais disputado do que os números atuais estão a indicar. O comportamento das oposições é algo preocupante. Raramente terá acontecido no mundo — no país, que eu me lembre, nunca! — de haver um candidato, como é o caso de José Serra, com 50% da preferência do eleitorado e que não é considerado um favorito. Fala-se muito na "fotografia do momento". Os números de Lula são o quê? Alguém garante que ele só vai piorar, jamais se recuperar? Mas e se desiste? Se Lula abandona a corrida, estará fazendo uma aposta principal: não precisa ser Serra o candidato das oposições. A rigor, seria um esforço para tentar impedir a eleição de um tucano; valeria por um aceno em favor de uma renovação, uma vez que desapareceria a polaridade que toma conta da política desde 1994: PSDB x PT. Não é uma hipótese maluca, sei disso. Até porque o PT tentaria ser o condestável desse "presidente qualquer". A despeito de tudo isso, acho que o Moderno Príncipe prefere se acomodar ao statu quo: um tucano no poder não deixa de ser um conforto. É uma realidade que o PT já conhece. De certo modo, ele o ajudaria a recompor a sua mística. Ah, bem..., sempre resta a hipótese de Lula vencer. Aí será mesmo um deus-nos-acuda. Aí, meus amigos, todos os absolutos serão relativos. Que a Providência tenha, então, piedade de nós. [reinaldo@primeiraleitura.com.br] |
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Friday, December 16, 2005
Por que acho que Lula não desiste
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