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Thursday, December 08, 2005

DEMÉTRIO MAGNOLI O impeachment que não houve

FSP
 O senador tucano Arthur Virgílio classificou a cassação de José Dirceu como "a cassação moral do governo Lula". E completou: "Não adianta o presidente dizer que não tem nada com a história". Lula, realmente, tem tudo a ver com a história. É por isso que a oposição deve explicar à sociedade por que não apresentou um pedido de impeachment.
As CPIs acumularam evidências da existência de uma quadrilha que, agindo no núcleo do poder, dedicava-se à corrupção de parlamentares com as finalidades de estabilizar uma maioria no Congresso e soldar uma coalizão política em torno do governo Lula. A quadrilha associava operadores na direção do PT, com livre circulação na Casa Civil, publicitários sob contrato com o governo, diretores de bancos públicos e privados e, provavelmente, ministros com influência sobre contas de publicidade e fundos de pensão. No centro da rede operacional encontrava-se Delúbio Soares, um "homem de Lula". A coordenação geral, segundo entendimento do Congresso, subordinava-se a José Dirceu, que declarou que jamais agiu sem "o conhecimento e o consentimento" do presidente.
A participação passiva de Lula no sistema de corrupção está demonstrada pelos fatos de que ele dependia da ação coordenada de altas figuras do governo e de que o presidente foi informado por Roberto Jefferson da corrupção de parlamentares e não tomou providências efetivas. Mas, além disso, é fácil provar a participação ativa de Lula na proteção da quadrilha e na obstrução das investigações.
O presidente tentou impedir a instalação da CPI dos Correios, patrocinou a versão fantasiosa do caixa dois de campanha adotada pelos operadores, qualificou as investigações parlamentares como um "complô das elites", não solicitou por atos de ofício um processo do Banco Central contra o banco que forjou empréstimos destinados a esquentar o dinheiro da corrupção. Hoje, enquanto o partido do presidente financia a defesa judicial de Delúbio Soares, o presidente paga, com cargos no Ministério dos Transportes, o silêncio de deputados envolvidos no "mensalão" que renunciaram para escapar à cassação.
Tudo isso está descrito na legislação como crime de responsabilidade. Mas a oposição se recusou a formular a acusação e solicitar o impeachment. Ela não abdicou da sua responsabilidade por temor da exposição de seu envolvimento em ilícitos de caixa dois, embora isso pese entre alguns setores oposicionistas. A abdicação decorreu, antes de tudo, do medo de confrontar um presidente que conserva apoio de organizações de massa caudatárias do governo e da população menos informada, dependente dos programas sociais.
Democracia não é apenas eleição. É o produto de uma teia de instituições e leis que limitam o poder dos governantes, escrutinam os atos do poder, resguardam os direitos dos cidadãos e protegem a expressão da minoria. Ao trocar o seu dever republicano de solicitar o impeachment pela chicana das acusações midiáticas na campanha eleitoral, a oposição imagina produzir o milagre da conversão da sua covardia em esperteza. Essa é uma forma complacente de auto-ilusão. Na verdade, a oposição estabelece um precedente histórico, cancelando a vitória democrática representada pelo impeachment de Collor.
 De agora em diante, os presidentes adquirem o direito tácito de corromper.

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