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Tuesday, December 06, 2005

IMPEACHMENT: POR QUE COLLOR SIM E LULA NÃO?

Tá meio exagerado e unilateral na análise - mas cheio de verdades.


IMPEACHMENT: POR QUE COLLOR SIM E LULA NÃO?

por Paulo Moura, cientista político

O alto índice de rejeição de Lula na última pesquisa CNT/Sensus; a queda do PIB no último trimestre e a cassação de José Dirceu somam-se para reforçar a posição dos que defendem a idéia de que, mesmo com tudo o que já se descobriu sobre o esquema de corrupção montado pelo PT – e os oposicionistas não se cansam de repetir que Lula é o chefe e sabia de tudo – é melhor deixar Lula sangrar no cargo para derrotá-lo nas urnas. O argumento para defender essa posição é o de que, derrotado nas urnas, Lula estará definitivamente liquidado e os petistas jamais poderão usar em seu favor o argumento de que o impeachment teria sido um golpe da direita preconceituosa contra o presidente operário.

Ou seja, mesmo considerando que Lula tem responsabilidade sobre a corrupção sob seu governo, e mesmo tendo cassado José Dirceu por essa razão, a oposição, com apoio de importantes setores da mídia e do empresariado, decidiu não remover Lula do poder pelo democrático processo de impeachment. O assunto desapareceu do noticiário e do colunismo político. Nenhum instituto de pesquisa pergunta ao povo se Lula merece ou não ser impichado.

Quando o presidente da República era Collor, no entanto, não foi isso que se viu. Pelo contrário, em determinado momento Collor ficou isolado e foi cercado por uma santa-aliança que colocou na mesma trincheira, o PT e a forças sociais que lhe dão (ou davam) sustentação (Igreja, ONGs, sindicatos, etc.); a mídia, a nata do PIB, as Forças Armadas, a elite dos partidos tradicionais e quem mais possa se imaginar que não tivesse carteirinha de sócio da chamada "república das alagoas". O pretexto para o impeachment de Collor foi a corrupção, o que, a rigor, também justifica o impeachment de Lula. O julgamento que determina o impedimento de um governante é político, como defendiam os petistas à época. Ao contrário daquilo que dizem hoje ao alegarem que José Dirceu foi cassado sem provas e que Lula não deve ser cassado.

Se as situações de Collor e Lula se assemelham e se os pretextos para a cassação de um e outro são análogos, como se explicam as barreiras invisíveis ao impeachment de Lula?

A primeira explicação está na conveniência do PSDB e do PFL. Tucanos e pefelistas calculam que, se a correnteza seguir na direção que vai, o trono de Lula fatalmente está destinado a encaixar-se sob suas nádegas. Isto é, PSDB e PFL precisam de Lula lá, como o diabo precisa da cruz (ou seria o contrário?) para existir.

Mas, há outra explicação menos óbvia subjacente à lógica dos acontecimentos. A comparação entre as situações de Collor e Lula é o que permite desvendar esse mistério. Afinal, se corrupção apenas fosse motivo para remover governantes do poder, o Brasil integraria o Guinness Book of Records de impeachments e cassações.

A corrupção foi o pretexto para cassar Collor, mas os reais motivos políticos para removê-lo do poder foram os interesses que ele contrariou. Não me entenda mal, leitor. Não pretendo anistiar Collor. Aliás, quem deveria anistiá-lo e devolver-lhe o cargo é José Dirceu e sua turma, com essa conversa sobre a falta de provas. Mas isso é outro assunto. É consenso entre analistas que foi Collor quem inaugurou a agenda da modernização da economia e do Estado no país. Goste-se ou não dele, foi por sua iniciativa que a agenda de reformas liberalizantes é aplicada no Brasil desde o início dos anos 90, não obstante os sucessivos presidentes de perfis políticos-ideológicos e pessoais distintos que têm se revezado no poder. E sob que circunstâncias Collor chegou ao poder, governou por dois anos e começou essas reformas?

Em primeiro lugar, a candidatura Collor foi "adotada" pelo establishment, sob o pavor de que o então "bicho papão", Lula, sucedesse Sarney. Para vencer, Collor usou o PRN, cuja bancada federal era de 16 deputados. O ex-enfant terrible das noites brasilienses elegeu-se sem fazer concessões aos partidos tradicionais da política brasileira. Ao montar seu ministério, Collor fechou-lhes a porta do poder. Como diria Roberto Jefferson, ficaram no gargarejo como filhotes de passarinho piando excitados e famintos, a espera de que a mãe lhes botasse o alimento na boca. E Collor, nada.

Em segundo lugar, Collor fechou empresas estatais na canetada, e, na impossibilidade de demitir funcionários públicos estáveis por desígnio constitucional, mandou milhares deles para casa, recebendo apenas o soldo básico, sem as gordas gratificações e privilégios adquiridos que terminam quadruplicando, senão mais, seus contracheques.

Em terceiro lugar, estávamos saindo da era pós-cruzado. A hiperinflação levara à CUT às ruas reivindicar 147% de aumento das aposentadorias. E Collor negou-se a aumentá-las até o último dia de seu breve mandato. Não havia lugar onde Collor pusesse os pés que não fosse recebido por uma horda de velhinhos teatralmente instrumentalizados pelo PT e pela CUT para infernizar o precursor de Berzoini na arte de infernizar aposentados.

Em quarto lugar, Collor extinguiu o SNI, sepultou o projeto nuclear-militar brasileiro e estrangulou o orçamento das Forças Armadas, como parte de sua política de saneamento das contas públicas e obediência às exigências da comunidade internacional sobre questões de uso militar da energia nuclear.

Em quinto lugar, Collor começou a abrir a economia brasileira aos investidores internacionais, impondo às empresas aqui instaladas - mal acostumadas à proteção estatal e a lucrar com a inflação, e cujos donos haviam patrocinado sua eleição - a necessidade de enfrentar, em condições desfavoráveis, os competidores agressivos da economia globalizada.

E, se a memória não me trai, em sexto e último lugar, Collor – dono das organizações de mídia Arnon de Mello – em parceria com o falecido José Carlos Martinez, ex-presidente do PTB e proprietário de Rede Gazeta do Paraná, tinha intenção de comprar a falida Rede Manchete, para montar uma rede de telecomunicações e tentar desbancar a hegemonia da Rede Globo (que havia apadrinhado sua chegada ao poder) nesse mercado.

Aí foi demais. Collor conseguiu a proeza de unir contra si: a Rede Globo; a nata do PIB; as Forças Armadas; os partidos políticos tradicionais; a mão invisível do estamento patrimonialista, liderada pelas corporações sindicais do funcionalismo público; a esquerda; a sopa de letrinhas que gravitava em torno do PT (CNBB, CUT, UNE, OAB, ABI, etc.). Essa santa-aliança, manipulando imbecis de caras pintadas e velhinhos indignados, foi quem apeou o jovem pretensioso e arrogante do poder. Só mesmo um ex-adolescente brasiliense que passara a juventude aprontando impunemente nas noites entorpecentes da capital federal, para imaginar que conseguiria trombar de frente com 500 anos de patrimonialismo sem pagar o preço da ousadia.

Frente a esse breve inventário do impeachment de Collor, pergunto: O interesse de quem Lula está contrariando? De ninguém relevante. Enquanto não contrariar os interesses dos integrantes da seleta lista acima - e o interesse do capital financeiro - Lula não corre risco de impeachment. No máximo, esse governo contraria os interesses eleitorais do PSDB e do PFL, que avaliam ser os herdeiros naturais do trono nas urnas de 2006. E, é claro, a visão de mundo de uma minoria de brasileiros (e bota minoria nisso), que preza os direitos individuais, a democracia e a liberdade, e entende que, na cabeça de gente como José Dirceu e Lula escondem-se perigosos sonhos totalitários que, se possível, devem ser mantidos sob confinamento eterno, no mundo dos devaneios stalinistas do petismo.
BLOG Casagrande

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