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Sunday, December 11, 2005

Entrevista JB : Oscar Niemeyer: 'A gente vem, escreve uma história e vai...'

JB Online - Caderno B

  [11/12/2005]

 

'A gente vem, escreve uma história e vai...'

 

 

Estamos no estúdio de Oscar Niemeyer, num edifício niemeyeriano, com a fachada em curvas. Esta sinuosidade permite que a varanda onde estou se transforme num posto de observação suspenso sobre a Avenida Atlântica, descortinando-se abaixo de mim a curva amarela da praia e para adiante o mar de um azul profundo. A janela envidraçada tem 180 graus de visão. Copacabana em curva parece um traço esboçado por Oscar Niemeyer. As paredes brancas de todo o estúdio atrás de mim estão cobertas destes traços em preto, são mulheres, frases, mais curvas, fachadas, traços finos, velozes, deslizantes... Acabamos de fazer esta entrevista com Niemeyer e penso em como escreverei a sua abertura. Como passar em palavras o sabor desta conversa agradável com um dos maiores gênios brasileiros. Como traduzir em texto a sua arte, arquitetar com o concreto armado dos vocábulos pesados um arco imenso entre o jornal e os leitores, sustentando as vigas do raciocínio, porém tão leve e solto e belo como uma cúpula de Niemeyer, para que a abertura pareça flutuar como um prédio de Niemeyer... Não há uma nuvem no céu de primavera. Desisto e desfio mentalmente o lugar-comum em que pensam aqueles que conversam com o arquiteto: quando crescer quero ser como Niemeyer, quero chegar aos 98 anos, com esta saúde e esta lucidez espantosa, com uma vida plena de realizações, saboreando a fraternidade dos amigos, e consciente de como os seres são pequenos diante do cosmos porém cada um é uma pedra fundamental no projeto do universo. (Ricky Goodwin)

Luís Pimentel - O Festival de Brasília abriu com um documentário sobre sua vida chamado "A Vida é um Sopro". O cineasta disse que o título é em cima de uma frase sua onde diz que a vida é curta e deve ser vivida com alegria.

Oscar Niemeyer - A vida é uma mulher do lado e seja o que Deus quiser! Me lembro de João Saldanha, que dizia sempre: "A gente não pode fazer plano nenhum. Tem sempre alguma coisa que ocorre".

Pimentel - Por isso é que sempre encerrava suas crônicas com "Vida que segue".

Niemeyer - A vida é pouca coisa. A pessoa vem, cada um escreve sua histórinha, e o tempo apaga. Por isso é que digo que a arquitetura não tem importância.

Dermeval Netto - Tem uma frase sua escrita ali na parede: "O mais importante não é a Arquitetura, mas a vida, os amigos, e este mundo injusto que devemos modificar". Ainda dá para modificar?

Niemeyer - Minha vida vai seguindo alguns pensamentos: procuro sempre ser útil para as pessoas. O mais importante é ler. O comunismo é o caminho. O homem precisa arriscar. Lênin disse que é preciso sonhar senão as coisas não acontecem. Gosto de ver, por exemplo, Chávez sonhando que vai mudar a América Latina para que seja mais justa.

Ivan Alves- Você já começou a entrevista citando um amigo. Você sempre viveu cercado de amigos, de intelectuais e artistas de todas as tendências, de políticos que iam de JK a Prestes. A amizade, mais do que o trabalho, é o motor da tua vida?

Niemeyer - A amizade, os bons livros, as poesias do Gullar... Tenho a consciência de que a vida é um minuto e o que vale é a solidariedade. Acho importante não olhar para os outros como se fossem inimigos, descobrindo seus defeitos. Lênin dizia que se um homem tem 10% de qualidades isso já basta. O mundo é cheio de gente boa. Todo mundo tem um lado bom.

Pimentel - Na média, as pessoas com quem o senhor conviveu atingiram esses 10% de qualidades?

Niemeyer - Bom, na vida tem de tudo, né. É importante ser modesto. O sujeito inteligente, quando olha para o céu, sente como é infinito o universo. Tem um físico e filósofo que vem aqui toda terça para conversar sobre o cosmos. A gente se sente tão pequeninho!

Ricky Goodwin - À medida que o senhor vai se sentindo pequeno em relação ao cosmo, esse vazio não vai sendo preenchido por um espírito maior? Mesmo que não tenha um nome de deus? Niemeyer - É claro que alguns procuram uma explicação. A idéia de Deus parece  um momento de devaneio que a ciência logo desfaz. Paula Sack - Você acredita em Deus?

Niemeyer - Acredito em Shopenhauer.

Ivan - Dr. Oscar, o senhor construiu a Igreja da Pampulha e a Catedral de Brasília. Quando as pessoas entram naqueles espaços dizem sentir o espírito de Deus.

Niemeyer - Procurei ser útil para essas pessoas. Quando faço igrejas, as entradas são escuras para quando o sujeito passar para a nave sentir o impacto do contraste de luz. Na catedral fiz uma abertura de modo que a pessoa possa ver o céu e imaginar que o Senhor esteja lá esperando por ele.

Ivan - Além da amizade e do trabalho, que citamos, outro valor que move a sua vida é a coragem. Você tem uma grande admiração pelas pessoas corajosas, Me lembro de você contando do Agildo Barata sendo preso em 1935. Um tenente chegou: "Quem é o FDP do Agildo Barata"? E ele, com as mãos amarradas para trás, falou: "O Agildo Barata sou eu. O FDP é você".

Niemeyer - Quando estava clandestino, Agildo passava aqui e me chamava para almoçar. Ele colocava um chapéu e achava que estava disfarçado. Admiro muito o Agildo, Marighella, teve muita gente boa, pessoal que foi torturada e continuou firme, querendo brigar para mudar as coisas.

Paula - Como você se envolveu com o comunismo?

Niemeyer - Sabe que eu era de família muito católica? Eu morava com meu avô, Ribeiro de Almeida, que era ministro do Supremo Tribunal. A sala de jantar era enorme, com cinco janelas, e uma delas era o oratório que aos domingos minha avó abria e a missa era celebrada em casa. Eu geralmente era expulso da missa, achava graça, começava a dar risada... De modo que fui criado num ambiente de muitos preconceitos mas quando saí de casa e vi como a vida era injusta entrei para o Socorro Vermelho. A gente arranjava roupas e coisas para auxiliar os mais pobres. Depois veio Prestes, o Partido Comunista, a luta que interessa.

Pimentel - O senhor continua achando que as pessoas mais interessantes que conheceu foram as ligadas ao Partido?

Niemeyer - Sim, foi onde conheci as pessoas mais generosas, fraternais, querendo só que o mundo melhore. Tanto aqui quanto no Partido francês. No PC francês aconteceu algo único em minha vida. Quando a sede ficou pronta, o secretário do partido, Jacques Duclos, me chamou: "Está muito bonito, mas eu queria te pedir um favor. Caso o senhor permita, eu colocaria em meu gabinete uma mesa muito antiga que me acompanha a vida inteira". Foi um gesto de respeito pelo trabalho humano.

Zezé Sack - O senhor acompanhou essa história da mala que teria vindo de Cuba cheia de dinheiro?

Niemeyer - Cansei de ouvir essas coisas... É tudo tão ridículo. Vejam essas discussões na Câmera, acabo ficando sempre do lado de quem está sendo interrogado, pois é uma grosseria, uma mania de querer aparecer na televisão, uma m(*).

Dermeval - E Fidel Castro?

Niemeyer - Uma grande figura, com a coragem de tentar melhorar as coisas. Uma vez ele veio aqui, falamos durante horas, e quando ia embora o elevador enguiçou. Tivemos que bater à porta de um apartamento para pedir que ele passasse por ali. Quando o sujeito abriu a porta e deu de cara com Fidel... que susto!

Ivan - "A revolução chegou!"

Niemeyer - Depois ficou todo orgulhoso de ter recebido Fidel Castro em sua casa.

Pimentel - Cuba sobreviverá bem sem ele?

Niemeyer - Cuba está ótima. Os cubanos estão todos nas escolas, onde aprendem não só uma profissão mas a serem decentes, gostarem do país e dos amigos. Um cubano formado é uma pessoa com respeito cívico. A pessoa que sai da escola preocupado em ganhar dinheiro, vencer na vida, vai ser uma m(*). Também, essa pessoa passa pela escola sem ler um livro que não seja os da sua profissão, vai ser o que? Como vai lutar contra esse mundo perverso em que vivemos? Como vai defender o seu país?

Maria Lúcia Dahl - O que vai acontecer depois do Lula?

Niemeyer - É difícil adivinhar. Lula quer melhorar o capitalismo, o que para mim é impossível. O importante agora é lutarmos contra o império de Bush e nos unirmos na defesa da América Latina. Nada de concessões.

Regina Zappa - Daqui a pouco o senhor está fazendo cem anos.

Niemeyer - Ah, ainda falta muito...

Regina - Já viveu tanta coisa, conheceu tanta gente, passou por tantos pensamentos. Quem está pensando direito no Brasil?

Niemeyer - Os que compreendem que enquanto a violência e a miséria estiverem aí o Brasil será ruim. Cidades feito o Rio estão divididas entre pobres e ricos. A burguesia fica olhando os garotinhos negros das favelas como futuros inimigos e assim surge um pensamento racista. Isso tem que acabar. Não vai ser como o Lula está fazendo, só vai acabar quando fizerem como Chávez: brigando. Não é que a gente queira fazer a revolução de hoje para amanhã, mas temos que pensar em como resolver esses problemas. Temos que sonhar com soluções senão nada acontece. Agora, não vai dar para resolver o ser humano. Esse está ferrado.

Regina - Está faltando pensamento no Brasil?

Niemeyer - Quando converso com estudantes, eu lembro sempre que não basta sair da escola como um bom profissional. É preciso ler mais, conhecer os grandes escritores, estrangeiros inclusive, como Dostoievski, Proust, Camus, ter uma noção dos movimentos intelectuais que vêm surgindo... o iluminismo, o surrealismo, o existencialismo de Sartre.  Ouvi duas estudantes conversando e uma perguntou: "Você já leu Eça de Queiroz"? A outra disse: "É filho da Raquel de Queiroz"? Aí não dá, né.

Ricky - O senhor deu sorte de encontrar quem conhecesse Raquel de Queiroz.

Pimentel - O senhor conviveu muito com Sartre na França?

Niemeyer - Estive na casa dele e de Simone de Beauvoir. Haviam divergências entre ele e o Partido, mas era respeitado por ser muito inteligente. Mas quem exerceu a maior influencia intelectual sobre mim foi Rodrigo de Mello Franco. Outra pessoa de quem me lembro com entusiasmo é Gustavo Capanema. Que sujeito fantástico! Chamou Drummond, Portinari... foi quem me levou para Brasília. Me indicou para fazer a Pampulha, que foi o começo de Brasília.

Zezé - Foi o seu marco inicial na Arquitetura?

Niemeyer - Foi meu primeiro grande projeto, a primeira grande obra de JK, e o primeiro trabalho do engenheiro Marco Paulo Rabelo. Foi uma Brasília em escala menor: a mesma correria, a mesma paixão, a mesma preocupação com o dinheiro acabar antes do término da obra... Quando ficou pronta, foi minha primeira oportunidade de mostrar uma arquitetura diferente, baseada no concreto, usando as curvas. Tendo um espaço grande para cobrir, a curva é a solução. Sempre digo: você pode ir ao passado, ver a primeira viga, o primeiro arco, a primeira cúpula, as grandes catedrais... mas o concreto armado é tão importante que tudo isso não tem mais significado. Pampulha mostrou o caminho para a arquitetura de hoje.

Dermeval - Mas o cardeal não quis consagrar a Igreja de São Francisco porque as curvas seriam profanas.

Niemeyer - Que bobagem... A Igreja ficou parada por cinco anos até que apareceu um bispo de São Paulo que era mais inteligente. Hoje tem igreja de tudo quanto é jeito.

Ivan - O que impressiona no JK é ele ser de uma cidade histórica, Diamantina, de um passado colonial, mas ele ter apostado na modernização da arquitetura.

Niemeyer - O cassino que Benedito Valladares queria fazer era totalmente tradicional. JK era homem inteligente, sensível, cercou-se dos melhores nomes possíveis, e, de tanto conversar conosco, passou a entender quando eu dizia que arquitetura era invenção, que a arquitetura tem que criar surpresas, que a arquitetura como qualquer obra de arte tem que ser diferente, senão vira repetição. Me apoiou muito. Brasília foi feita sem nenhum programa. Nunca me disseram qual o número de deputados e senadores que haveria no novo Congresso. Quando veio o parlamentarismo, de um dia para o outro, o Congresso se encheu de divisões de madeira, criando novas salas que o regime exigiria. Para não quebrar então a arquitetura, fiz uma coisa que ninguém percebeu: alarguei o prédio em 15 cm. Se olhar de cima verá que as cúpulas fugiram do eixo. Fico espantado com Brasília! Considerando o tempo curto que tínhamos, o normal seria fazer algo mais simples, com colunas em retângulos, mas o Alvorada, por exemplo, eu fiz da forma mais complicada possível. A Catedral, as cúpulas do Congresso, a gente queria fazer coisas novas. Quando subimos a rampa do Congress, JK disse: "Aqui tem invenção". Vejam os palácios de Brasília; como são diferentes de tudo que se fazia até àquela época! E as colunas do Alvorada... até na Líbia as vi repetidas num prédio junto à praia.

Paula - Sua militância comunista teve influência sobre Brasília?

Niemeyer - Não, a única influência foi eu ter chamado outras pessoas de esquerda para trabalhar comigo.

Ricky - Mas existem estudiosos que lêem no resultado final da sua arquitetura influências do ideário comunista.

Niemeyer - Isso é frescura. Quem sabe faz, quem não sabe começa a imaginar coisas. Minha única preocupação era a de fazer coisas diferentes. Vejam a colunata do Edifício Mondadori, na Itália: cada vão é diferente. Tem um de 15, um de seis, um de nove, criando assim um ritmo musical diferente. Não só as colunas são diferentes como também as vigas longitudinais que sustentam cinco andares. Foi uma ginástica estrutural. Nunca se viu um prédio assim.

Ivan - Parece que o prédio flutua!

Ricky - O senhor tem uma obsessão pela leveza e pela contradição entre o concreto que é pesado mas parece flutuar.

Niemeyer - Gosto das coisas soltas. Mais simples. Por isso procuro reduzir ao máximo os apoios. Fiz um prédio agora em Belo Horizonte que é um exemplo da utilização da técnica em toda a sua plenitude: em 150 metros só há quatro colunas.

Ricky - Como o senhor concebe um projeto arquitetônico? Vem a forma toda de uma vez, ou o senhor começa pelos detalhes?

Niemeyer - Sento e penso, penso, penso... Imagino o prédio, o terreno, como posso fazer... A Arquitetura está toda na cabeça. A mão é o veículo. O interessante é que quando penso num projeto vejo a coisa como se estivesse pronta. Penso em todo o ambiente: os móveis, a luz.... Penso, penso, quando estou cheio de idéias começo a desenhar. Quando a idéia se fixa no papel, me preocupo em fazer o texto explicativo. Descrevo como se fosse uma pessoa chegando no prédio pela primeira vez, vendo como vai ser... O texto explicativo é que decide a aceitação do projeto. Quem vai ler esse texto não entende de arquitetura. Por exemplo: na entrada do Itamarati, para a arquitetura ficar mais leve, introduzi uma viga fininha na sobreloja - algo que deu muito trabalho - mas ninguém percebeu. Realmente, aquilo é muito fino! Tive que somar uma série de princípios para conseguir fazer aquilo tão leve. Foi assim que fui criando a minha arquitetura diferente.

Dermeval - O senhor é incensado por intelectuais em todo o mundo. André Malraux escreveu que depois das colunas gregas, só as colunas do Niemeyer. Como o senhor se sente diante da tantas homenagens?

Niemeyer - Tive a oportunidade de fazer as coisas... A vida é feita de chances. Se Pampulha tivesse saído como algo sem expressão eu teria perdido a minha chance. Não tenho do que me queixar.

Ricky - Existe algum arquiteto moderno que o senhor admire?

Niemeyer - Não existe arquitetura clássica ou moderna: existe a boa e a má arquitetura. Há prédios antigos com uma concepção ousada e fantástica. Não existe uma arquitetura ideal: seria a monotonia, a repetição. Cada arquiteto é que cria sua própria arquitetura. Eu não discuto a arquitetura dos outros. Nunca critiquei uma obra de outro arquiteto. Nem adianta me perguntar. Cada um deve saber defender a sua arquitetura. Eu defendo a minha e por isso faço absolutamente o que eu quero. Me chamaram para fazer uma praça em Le Havre, na França. Olhei o local, olhei o mar, vi que era um lugar muito frio, que o vento correria pela praça, então disse: "Quero abaixar a praça quatro metros". Já viram algum arquiteto chegar num lugar e pedir para abaixar uma praça quatro metros? Sairia de lá esculhambado! Le Havre tem a única praça rebaixada do mundo, com umas rampas descendo das calçadas para a praça. Tem um crítico de arte italiano que é o maior crítico mundial da arquitetura moderna, mas ele coloca a praça de Le Havre entre as dez melhores obras da arquitetura contemporânea. Então o importante é o arquiteto se impor, e, quando possível, por sorte ou outro motivo, fazer algo diferente.

Ricky - Nesse caso o encomandante aceitou suas exigências, mas no decorrer da sua vida deve ter sido frustrante, para o seu gênio, com sua ousadia, lidar com os burocratas das obras.

Niemeyer - Não, quando me chamam é porque esperam algo diferente. Aécio Neves me pediu um projeto que transformasse uma praça num centro administrativo. Eu teria que fazer 23 prédios correspondentes às 23 secretarias do Estado. Projetei sete. A construção ficou mais fácil e o terreno mais bonito. Na Universidade da Argélia queriam um prédio para cada faculdade. Fiz apenas dois prédios, enormes, um para os laboratórios e outro para as salas de aula. Quis seguir Darcy Ribeiro, que reclamava maior intercâmbio entre os alunos das diversas áreas. O sujeito especializado é uma m(*). Não dá para conversar com uma pessoa que só sabe de Arquitetura. Ou com outro que só sabe de Literatura.

Paula - Os Cieps foram outro projeto seu com Darcy que visava integrar os alunos na comunidade.

Antonia Leite Barbosa - Por que na sua arquitetura a natureza é secundária?

Niemeyer - Essa é a pergunta mais estranha que já me fizeram! Pelo contrário, o espaço sempre faz parte do meu projeto. O desenho do MAC surgiu pelo fato de ser num platô, de ter o mar, a vista para as montanhas do Rio, coisas que tinham que ser preservadas em sua plenitude.

Ricky - Há os que dizem que suas obras são muito bonitas e pouco práticas. Que o ser humano fica esmagado pela grandiosidade de sua arquitetura.

Niemeyer - Dou um exemplo. Quando terminou a construção da sede da Editora Mondadori em Milão, eles me pediram outro projeto no centro da cidade. Se o prédio construído não fosse funcional, não teriam me procurado outra vez. O mesmo ocorreu no caso da sede do Partido Comunista Francês em Paris e em outras ocasiões, que não vou perder tempo em citar.

Maria Lúcia - E como se pode impedir a deturpação de seus projetos? Lúcio Costa projetou algo maravilhoso para a Barra que hoje virou uma terra de ninguém.

Niemeyer - Temos que brigar, reclamar... Agora estou com uma briga em SP por causa de uma marquise do Ibirapuera. Uma marquise que projetei e tenho o direito de modificar. Mas essa é uma questão tão ridícula que espero será resolvida favoravelmente.

Pimentel - Mas tem como o arquiteto ficar controlando depois que a obra ficou pronta?

Zezé - Quiseram fazer uma modificação no Sambódromo.

Niemeyer - Darcy me falou: "Você tem que fazer algum detalhe que marque o Sambódromo". Então fiz aquele arco enorme na Praça da Apoteose. César Maia não levou em conta que existe um autor para aquele projeto, que deve ser respeitado, que aquilo é uma obra importante, e que ao mexer com o Sambódromo está mexendo com Darcy Ribeiro e com Brizola. Colocou um anúncio lá e não quer tirar. Falei com o Patrimônio, que escreveu para ele dizendo que eu tinha razão, e até hoje ele não tirou. O IAB protestou, o Clube de Engenharia protestou, mas ele está inflexível. Por que colocar um anúncio logo no fecho do Sambódromo?

Ivan - Brasília está sendo bem cuidada?

Niemeyer - No momento só posso bater palmas. Faltava fazer o museu, a biblioteca, a zona esportiva e de lazer, e isso o Roriz está fazendo agora, seguindo o meu projeto. O museu é uma coisa fantástica, a cúpula tem 80 metros de vão, parece que você está sob o céu. O emblema da praça em frente é uma escultura sobre a paz.

Regina - Você continua apaixonado pelas esculturas?

Niemeyer - As esculturas que faço são como croquis no ar. (traceja uma forma no ar com os dedos) Fiz uma agora para Cuba e outra para Paris. A de Paris tem oito metros e é uma mão com uma flor. A gente se diverte, né. Gosto de desenhar linhas que vem, sobem, descem e tal e se transformam numa mulher.

Ricky - E, inspirado nas mulheres, o senhor é obcecado pelas curvas.

Niemeyer - A mulher é fundamental, mas quando faço algo não me inspiro numa coisa só. Malraux dizia que guarda dentro de si tudo o que amou. O que sei é que quanto maior o espaço, mais as curvas estão presentes. Minha preocupação é reduzir as colunas de apoio, de modo que a arquitetura fique mais audaciosa. A construção fica mais fácil de fazer, não tem tanta fundação, mas tem que ter um bom calculista, alguém que compreenda que o sentido da arquitetura é fazer algo mais bonito e mais solto.

Ricky - Já criou um projeto tão ousado que seria fisicamente impossível de executar?

Niemeyer - Quando faço uma coisa saliente assim não penso se a técnica vai permitir. Penso no que vai ficar bonito. Tenho que pensar no espetáculo da arquitetura. A técnica depois corrige. Com tantos trabalhos feitos, a gente sabe o que é possível. Agora, eu ouso cada vez mais e sempre acabam conseguindo executar os projetos. Nesse museu em Brasília tem uma rampa que vem de dentro da cúpula de 80 metros, sai no ar, e entra no andar de cima. Tem um vão de 30 metros solto no ar. O engenheiro é da maior eficiência. No dia em que estiver pronto o pessoal vai ficar espantado. Para conseguir isso a base da rampa entrou para dentro do prédio. Isso é a arquitetura criando espanto. O sujeito não pode usar a arquitetura para mudar a vida da maioria das pessoas, mas pode pelo menos fazer com elas parem e tenham um momento de emoção.

Paula - Você tem alguma obra predileta?

Niemeyer - Gosto das obras que apresentam grandes desafios, como a praça em Le Havre. Mas a obra de que goste mais talvez seja a Universidade da Argélia.

Ivan - Suas obras na Argélia são quase que uma extensão de Brasília.

Zezé - Você criou há pouco um projeto para o MST.

Niemeyer - Um auditório para mil pessoas. O MST é muito mais importante do que as pessoas conhecem, está educando pessoas, mandando gente para o exterior, criando equipes técnicas. Quando as pessoas me chateiam muito, eu ponho o boné que o Stédile me deu.

Dermeval - Eu queria que você falasse do MAC e do Caminho Niemeyer em Niterói.

Niemeyer - Niemeyer - Niemeyer - O MAC é um prédio que me agrada muito, pela importância que conferiu a Niterói. E o Caminho Niemeyer, ainda em construção, vai integrar esse conjunto, que o ex-prefeito Jorge Roberto Silveira iniciou e o prefeito atual, Godofredo Pinto, completa com o maior entusiasmo. O Caminho Niemeyer compreende uma grande praça, com um teatro e a Fundação Oscar Niemeyer do outro lado. E, como o palco do teatro abre para a praça, espetáculos populares de dança, música, etc, irão ter lugar. O mesmo eu fiz no auditório do Parque do Ibirapuera, há pouco inaugurado com muito sucesso. Outros edifícios farão parte do Caminho Niemeyer, como a Catedral e o centro de convenções. Gostei muito de fazer o teatro, com a fachada lateral em azulejos (desenha a forma do teatro no ar com os dedos). Eu queria algo feito a Igreja da Pampulha, que tem os desenhos do Portinari, mas não havia dinheiro e eu mesmo fiz os desenhos, com mulheres saltando, ficou bonito. Me deu prazer de mostrar que mesmo quando não existem condições a gente tenta aproximar a arquitetura das artes plásticas. Esse é o momento mais importante da arquitetura. Se os palácios de Veneza não tivessem tido a colaboração dos grandes pintores não seriam tão importantes. A arquitetura naquele tempo não era bom, havia sempre uma coluna grega na fachada, não conseguiam se libertar do passado. No palácio dos Doges é que tem início a arquitetura moderna. Antonio Rizzo pensava em criar espaços grandes para o salão e não queria as colunas. Projetou uma viga fantástica de madeira que permitiu conseguir isso. Para a fachada criou contrastes entre colunas trabalhadas e superfícies lisas. É por isso que a arquitetura tem que ser bonita, pois vendo as construções as pessoas podem se interessar pela arte. Quando um museu é bonito, como este de Niterói, provoca as pessoas a verem o que tem dentro do museu.

Ivan - Você viajou por grande parte do mundo. Qual a cidade mais bonita?

Niemeyer - O Rio de Janeiro é ótimo. Gosto dessa esculhambação. Gosto de ver as pessoas passando e indo para a praia. Gosto de entrar no Marimbás e sentir o tempo andando para trás, lembrar de há 40 anos, eu batendo papo com os amigos, pensando que a vida seria melhor....

Ricky - As mudanças que vão modificando as cidades são para o senhor tristezas ou a transformação é inexorável?

Niemeyer - Realmente, é triste, mas as cidades vão se degradando. Gente demais. Burrice ativa.

Ricky - Por falar em burrice, o senhor às vezes não pensa: "Puxa, em Brasília fiz uma obra tão revolucionária para ser ocupada por pessoas tão retrógradas"?

Niemeyer - Fico irritado. As pessoas que estão realmente fazendo algo pelo Brasil não estão no Congresso. Mas em toda a parte tem gente progressista e retrógrada. Esse é um problema social, para mim mais importante do que a arquitetura. 

Regina - Qual o conselho que o senhor daria hoje ao Brasil?

Niemeyer - O patriotismo anda esquecido e precisa ser recuperado. Temos que pensar no Brasil. Temos que pensar na Amazônia. Pensar principalmente no povo que é pobre. Temos que pensar na América Latina que está tão ameaçada. Pensar que não podemos ficar à margem da História.

Paula - Dos seus projetos que estão ainda no papel, tem algum que o senhor gostaria especialmente de ver realizado?

Niemeyer - O museu e auditório que estou fazendo para a Espanha, numa praça de Oviedo que tem 100 x 200 metros. Na Alemanha estou fazendo um conjunto de piscinas com algumas cúpulas. Tudo isso é bom porque divulga o trabalho brasileiro no exterior.

Pimentel - Está com algum projeto literário em andamento?

Niemeyer - Estou escrevendo algumas opiniões que possam ser úteis para os mais jovens, mas sem nenhuma pretensão literária. Gosto de escrever. Li muito na vida.

Regina - No momento, qual é a coisa que te dá mais prazer?

Niemeyer - Frequentar bons ambientes e sentir como as pessoas são fraternais. A gente quando vem para a vida tem que brincar, tem que se distrair... Há espetáculos bonitos - bons filmes, bons livros, boas músicas - que nos ajudam a viver. Sei que nada é importante. Tudo desaparece. A gente vem, escreve uma historinha, e vai. Por isso temos que viver bem cada momento. O sujeito nasce, cresce, faz seus planos, acontecem coisas que mudam tudo. O inesperado é que conduz o mundo.

Ricky - As pessoas desaparecem mas seus feitos continuam. Brasília vai ficar como as pirâmides do nosso tempo.

Niemeyer - Daqui a milhões de anos nada disso existirá mais.

Ivan - Apesar disso, o senhor continua acreditando no homem, né. Gramsci escreveu: "Ao pessimismo da razão devemos contrapor o otimismo da vontade".

Niemeyer - Vejo a vida da forma realista. Como tenho dito, a gente chega, cada um conta a sua historinha, que o tempo apaga, implacável. A principal qualidade do homem é a modéstia. Mas é preciso viver, lutar contra a miséria, dar à nossa existência um sentido mais digno - todos iguais, sem discriminação.



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From: Roberto Ricardo <robertoricardo@superig.com.br>
Date: Dec 11, 2005 3:49 PM
Subject: ENC: 'A gente vem, escreve uma história e vai...'
To: robertoricardo@superig.com.br

SEI QUE MUITOS NÃO LERÃO (O TEXTO É LONGO, FALTA TEMPO, FALTA SACO, ETC), MAS NÃO POSSO DEIXAR DE TENTAR COMPARTILHAR ESTA ENTREVISTA DO OSCAR NIEMEYER, UMA DAS PESSOAS MAIS GENIAIS, LÚCIDAS E INTERESSANTES DO NOSSO TEMPO.

 

Roberto Ricardo

 

 

(Íntegra da entrevista abaixo)


JB Online - Caderno B

  [11/12/2005]

 

'A gente vem, escreve uma história e vai...'

Entrevista: Oscar Niemeyer

 

Estamos no estúdio de Oscar Niemeyer, num edifício niemeyeriano, com a fachada em curvas. Esta sinuosidade permite que a varanda onde estou se transforme num posto de observação suspenso sobre a Avenida Atlântica, descortinando-se abaixo de mim a curva amarela da praia e para adiante o mar de um azul profundo. A janela envidraçada tem 180 graus de visão. Copacabana em curva parece um traço esboçado por Oscar Niemeyer. As paredes brancas de todo o estúdio atrás de mim estão cobertas destes traços em preto, são mulheres, frases, mais curvas, fachadas, traços finos, velozes, deslizantes... Acabamos de fazer esta entrevista com Niemeyer e penso em como escreverei a sua abertura. Como passar em palavras o sabor desta conversa agradável com um dos maiores gênios brasileiros. Como traduzir em texto a sua arte, arquitetar com o concreto armado dos vocábulos pesados um arco imenso entre o jornal e os leitores, sustentando as vigas do raciocínio, porém tão leve e solto e belo como uma cúpula de Niemeyer, para que a abertura pareça flutuar como um prédio de Niemeyer... Não há uma nuvem no céu de primavera. Desisto e desfio mentalmente o lugar-comum em que pensam aqueles que conversam com o arquiteto: quando crescer quero ser como Niemeyer, quero chegar aos 98 anos, com esta saúde e esta lucidez espantosa, com uma vida plena de realizações, saboreando a fraternidade dos amigos, e consciente de como os seres são pequenos diante do cosmos porém cada um é uma pedra fundamental no projeto do universo. (Ricky Goodwin)

Luís Pimentel - O Festival de Brasília abriu com um documentário sobre sua vida chamado "A Vida é um Sopro". O cineasta disse que o título é em cima de uma frase sua onde diz que a vida é curta e deve ser vivida com alegria.

Oscar Niemeyer - A vida é uma mulher do lado e seja o que Deus quiser! Me lembro de João Saldanha, que dizia sempre: "A gente não pode fazer plano nenhum. Tem sempre alguma coisa que ocorre".

Pimentel - Por isso é que sempre encerrava suas crônicas com "Vida que segue".

Niemeyer - A vida é pouca coisa. A pessoa vem, cada um escreve sua histórinha, e o tempo apaga. Por isso é que digo que a arquitetura não tem importância.

Dermeval Netto - Tem uma frase sua escrita ali na parede: "O mais importante não é a Arquitetura, mas a vida, os amigos, e este mundo injusto que devemos modificar". Ainda dá para modificar?

Niemeyer - Minha vida vai seguindo alguns pensamentos: procuro sempre ser útil para as pessoas. O mais importante é ler. O comunismo é o caminho. O homem precisa arriscar. Lênin disse que é preciso sonhar senão as coisas não acontecem. Gosto de ver, por exemplo, Chávez sonhando que vai mudar a América Latina para que seja mais justa.

Ivan Alves- Você já começou a entrevista citando um amigo. Você sempre viveu cercado de amigos, de intelectuais e artistas de todas as tendências, de políticos que iam de JK a Prestes. A amizade, mais do que o trabalho, é o motor da tua vida?

Niemeyer - A amizade, os bons livros, as poesias do Gullar... Tenho a consciência de que a vida é um minuto e o que vale é a solidariedade. Acho importante não olhar para os outros como se fossem inimigos, descobrindo seus defeitos. Lênin dizia que se um homem tem 10% de qualidades isso já basta. O mundo é cheio de gente boa. Todo mundo tem um lado bom.

Pimentel - Na média, as pessoas com quem o senhor conviveu atingiram esses 10% de qualidades?

Niemeyer - Bom, na vida tem de tudo, né. É importante ser modesto. O sujeito inteligente, quando olha para o céu, sente como é infinito o universo. Tem um físico e filósofo que vem aqui toda terça para conversar sobre o cosmos. A gente se sente tão pequeninho!

Ricky Goodwin - À medida que o senhor vai se sentindo pequeno em relação ao cosmo, esse vazio não vai sendo preenchido por um espírito maior? Mesmo que não tenha um nome de deus? Niemeyer - É claro que alguns procuram uma explicação. A idéia de Deus parece  um momento de devaneio que a ciência logo desfaz. Paula Sack - Você acredita em Deus?

Niemeyer - Acredito em Shopenhauer.

Ivan - Dr. Oscar, o senhor construiu a Igreja da Pampulha e a Catedral de Brasília. Quando as pessoas entram naqueles espaços dizem sentir o espírito de Deus.

Niemeyer - Procurei ser útil para essas pessoas. Quando faço igrejas, as entradas são escuras para quando o sujeito passar para a nave sentir o impacto do contraste de luz. Na catedral fiz uma abertura de modo que a pessoa possa ver o céu e imaginar que o Senhor esteja lá esperando por ele.

Ivan - Além da amizade e do trabalho, que citamos, outro valor que move a sua vida é a coragem. Você tem uma grande admiração pelas pessoas corajosas, Me lembro de você contando do Agildo Barata sendo preso em 1935. Um tenente chegou: "Quem é o FDP do Agildo Barata"? E ele, com as mãos amarradas para trás, falou: "O Agildo Barata sou eu. O FDP é você".

Niemeyer - Quando estava clandestino, Agildo passava aqui e me chamava para almoçar. Ele colocava um chapéu e achava que estava disfarçado. Admiro muito o Agildo, Marighella, teve muita gente boa, pessoal que foi torturada e continuou firme, querendo brigar para mudar as coisas.

Paula - Como você se envolveu com o comunismo?

Niemeyer - Sabe que eu era de família muito católica? Eu morava com meu avô, Ribeiro de Almeida, que era ministro do Supremo Tribunal. A sala de jantar era enorme, com cinco janelas, e uma delas era o oratório que aos domingos minha avó abria e a missa era celebrada em casa. Eu geralmente era expulso da missa, achava graça, começava a dar risada... De modo que fui criado num ambiente de muitos preconceitos mas quando saí de casa e vi como a vida era injusta entrei para o Socorro Vermelho. A gente arranjava roupas e coisas para auxiliar os mais pobres. Depois veio Prestes, o Partido Comunista, a luta que interessa.

Pimentel - O senhor continua achando que as pessoas mais interessantes que conheceu foram as ligadas ao Partido?

Niemeyer - Sim, foi onde conheci as pessoas mais generosas, fraternais, querendo só que o mundo melhore. Tanto aqui quanto no Partido francês. No PC francês aconteceu algo único em minha vida. Quando a sede ficou pronta, o secretário do partido, Jacques Duclos, me chamou: "Está muito bonito, mas eu queria te pedir um favor. Caso o senhor permita, eu colocaria em meu gabinete uma mesa muito antiga que me acompanha a vida inteira". Foi um gesto de respeito pelo trabalho humano.

Zezé Sack - O senhor acompanhou essa história da mala que teria vindo de Cuba cheia de dinheiro?

Niemeyer - Cansei de ouvir essas coisas... É tudo tão ridículo. Vejam essas discussões na Câmera, acabo ficando sempre do lado de quem está sendo interrogado, pois é uma grosseria, uma mania de querer aparecer na televisão, uma m(*).

Dermeval - E Fidel Castro?

Niemeyer - Uma grande figura, com a coragem de tentar melhorar as coisas. Uma vez ele veio aqui, falamos durante horas, e quando ia embora o elevador enguiçou. Tivemos que bater à porta de um apartamento para pedir que ele passasse por ali. Quando o sujeito abriu a porta e deu de cara com Fidel... que susto!

Ivan - "A revolução chegou!"

Niemeyer - Depois ficou todo orgulhoso de ter recebido Fidel Castro em sua casa.

Pimentel - Cuba sobreviverá bem sem ele?

Niemeyer - Cuba está ótima. Os cubanos estão todos nas escolas, onde aprendem não só uma profissão mas a serem decentes, gostarem do país e dos amigos. Um cubano formado é uma pessoa com respeito cívico. A pessoa que sai da escola preocupado em ganhar dinheiro, vencer na vida, vai ser uma m(*). Também, essa pessoa passa pela escola sem ler um livro que não seja os da sua profissão, vai ser o que? Como vai lutar contra esse mundo perverso em que vivemos? Como vai defender o seu país?

Maria Lúcia Dahl - O que vai acontecer depois do Lula?

Niemeyer - É difícil adivinhar. Lula quer melhorar o capitalismo, o que para mim é impossível. O importante agora é lutarmos contra o império de Bush e nos unirmos na defesa da América Latina. Nada de concessões.

Regina Zappa - Daqui a pouco o senhor está fazendo cem anos.

Niemeyer - Ah, ainda falta muito...

Regina - Já viveu tanta coisa, conheceu tanta gente, passou por tantos pensamentos. Quem está pensando direito no Brasil?

Niemeyer - Os que compreendem que enquanto a violência e a miséria estiverem aí o Brasil será ruim. Cidades feito o Rio estão divididas entre pobres e ricos. A burguesia fica olhando os garotinhos negros das favelas como futuros inimigos e assim surge um pensamento racista. Isso tem que acabar. Não vai ser como o Lula está fazendo, só vai acabar quando fizerem como Chávez: brigando. Não é que a gente queira fazer a revolução de hoje para amanhã, mas temos que pensar em como resolver esses problemas. Temos que sonhar com soluções senão nada acontece. Agora, não vai dar para resolver o ser humano. Esse está ferrado.

Regina - Está faltando pensamento no Brasil?

Niemeyer - Quando converso com estudantes, eu lembro sempre que não basta sair da escola como um bom profissional. É preciso ler mais, conhecer os grandes escritores, estrangeiros inclusive, como Dostoievski, Proust, Camus, ter uma noção dos movimentos intelectuais que vêm surgindo... o iluminismo, o surrealismo, o existencialismo de Sartre.  Ouvi duas estudantes conversando e uma perguntou: "Você já leu Eça de Queiroz"? A outra disse: "É filho da Raquel de Queiroz"? Aí não dá, né.

Ricky - O senhor deu sorte de encontrar quem conhecesse Raquel de Queiroz.

Pimentel - O senhor conviveu muito com Sartre na França?

Niemeyer - Estive na casa dele e de Simone de Beauvoir. Haviam divergências entre ele e o Partido, mas era respeitado por ser muito inteligente. Mas quem exerceu a maior influencia intelectual sobre mim foi Rodrigo de Mello Franco. Outra pessoa de quem me lembro com entusiasmo é Gustavo Capanema. Que sujeito fantástico! Chamou Drummond, Portinari... foi quem me levou para Brasília. Me indicou para fazer a Pampulha, que foi o começo de Brasília.

Zezé - Foi o seu marco inicial na Arquitetura?

Niemeyer - Foi meu primeiro grande projeto, a primeira grande obra de JK, e o primeiro trabalho do engenheiro Marco Paulo Rabelo. Foi uma Brasília em escala menor: a mesma correria, a mesma paixão, a mesma preocupação com o dinheiro acabar antes do término da obra... Quando ficou pronta, foi minha primeira oportunidade de mostrar uma arquitetura diferente, baseada no concreto, usando as curvas. Tendo um espaço grande para cobrir, a curva é a solução. Sempre digo: você pode ir ao passado, ver a primeira viga, o primeiro arco, a primeira cúpula, as grandes catedrais... mas o concreto armado é tão importante que tudo isso não tem mais significado. Pampulha mostrou o caminho para a arquitetura de hoje.

Dermeval - Mas o cardeal não quis consagrar a Igreja de São Francisco porque as curvas seriam profanas.

Niemeyer - Que bobagem... A Igreja ficou parada por cinco anos até que apareceu um bispo de São Paulo que era mais inteligente. Hoje tem igreja de tudo quanto é jeito.

Ivan - O que impressiona no JK é ele ser de uma cidade histórica, Diamantina, de um passado colonial, mas ele ter apostado na modernização da arquitetura.

Niemeyer - O cassino que Benedito Valladares queria fazer era totalmente tradicional. JK era homem inteligente, sensível, cercou-se dos melhores nomes possíveis, e, de tanto conversar conosco, passou a entender quando eu dizia que arquitetura era invenção, que a arquitetura tem que criar surpresas, que a arquitetura como qualquer obra de arte tem que ser diferente, senão vira repetição. Me apoiou muito. Brasília foi feita sem nenhum programa. Nunca me disseram qual o número de deputados e senadores que haveria no novo Congresso. Quando veio o parlamentarismo, de um dia para o outro, o Congresso se encheu de divisões de madeira, criando novas salas que o regime exigiria. Para não quebrar então a arquitetura, fiz uma coisa que ninguém percebeu: alarguei o prédio em 15 cm. Se olhar de cima verá que as cúpulas fugiram do eixo. Fico espantado com Brasília! Considerando o tempo curto que tínhamos, o normal seria fazer algo mais simples, com colunas em retângulos, mas o Alvorada, por exemplo, eu fiz da forma mais complicada possível. A Catedral, as cúpulas do Congresso, a gente queria fazer coisas novas. Quando subimos a rampa do Congress, JK disse: "Aqui tem invenção". Vejam os palácios de Brasília; como são diferentes de tudo que se fazia até àquela época! E as colunas do Alvorada... até na Líbia as vi repetidas num prédio junto à praia.

Paula - Sua militância comunista teve influência sobre Brasília?

Niemeyer - Não, a única influência foi eu ter chamado outras pessoas de esquerda para trabalhar comigo.

Ricky - Mas existem estudiosos que lêem no resultado final da sua arquitetura influências do ideário comunista.

Niemeyer - Isso é frescura. Quem sabe faz, quem não sabe começa a imaginar coisas. Minha única preocupação era a de fazer coisas diferentes. Vejam a colunata do Edifício Mondadori, na Itália: cada vão é diferente. Tem um de 15, um de seis, um de nove, criando assim um ritmo musical diferente. Não só as colunas são diferentes como também as vigas longitudinais que sustentam cinco andares. Foi uma ginástica estrutural. Nunca se viu um prédio assim.

Ivan - Parece que o prédio flutua!

Ricky - O senhor tem uma obsessão pela leveza e pela contradição entre o concreto que é pesado mas parece flutuar.

Niemeyer - Gosto das coisas soltas. Mais simples. Por isso procuro reduzir ao máximo os apoios. Fiz um prédio agora em Belo Horizonte que é um exemplo da utilização da técnica em toda a sua plenitude: em 150 metros só há quatro colunas.

Ricky - Como o senhor concebe um projeto arquitetônico? Vem a forma toda de uma vez, ou o senhor começa pelos detalhes?

Niemeyer - Sento e penso, penso, penso... Imagino o prédio, o terreno, como posso fazer... A Arquitetura está toda na cabeça. A mão é o veículo. O interessante é que quando penso num projeto vejo a coisa como se estivesse pronta. Penso em todo o ambiente: os móveis, a luz.... Penso, penso, quando estou cheio de idéias começo a desenhar. Quando a idéia se fixa no papel, me preocupo em fazer o texto explicativo. Descrevo como se fosse uma pessoa chegando no prédio pela primeira vez, vendo como vai ser... O texto explicativo é que decide a aceitação do projeto. Quem vai ler esse texto não entende de arquitetura. Por exemplo: na entrada do Itamarati, para a arquitetura ficar mais leve, introduzi uma viga fininha na sobreloja - algo que deu muito trabalho - mas ninguém percebeu. Realmente, aquilo é muito fino! Tive que somar uma série de princípios para conseguir fazer aquilo tão leve. Foi assim que fui criando a minha arquitetura diferente.

Dermeval - O senhor é incensado por intelectuais em todo o mundo. André Malraux escreveu que depois das colunas gregas, só as colunas do Niemeyer. Como o senhor se sente diante da tantas homenagens?

Niemeyer - Tive a oportunidade de fazer as coisas... A vida é feita de chances. Se Pampulha tivesse saído como algo sem expressão eu teria perdido a minha chance. Não tenho do que me queixar.

Ricky - Existe algum arquiteto moderno que o senhor admire?

Niemeyer - Não existe arquitetura clássica ou moderna: existe a boa e a má arquitetura. Há prédios antigos com uma concepção ousada e fantástica. Não existe uma arquitetura ideal: seria a monotonia, a repetição. Cada arquiteto é que cria sua própria arquitetura. Eu não discuto a arquitetura dos outros. Nunca critiquei uma obra de outro arquiteto. Nem adianta me perguntar. Cada um deve saber defender a sua arquitetura. Eu defendo a minha e por isso faço absolutamente o que eu quero. Me chamaram para fazer uma praça em Le Havre, na França. Olhei o local, olhei o mar, vi que era um lugar muito frio, que o vento correria pela praça, então disse: "Quero abaixar a praça quatro metros". Já viram algum arquiteto chegar num lugar e pedir para abaixar uma praça quatro metros? Sairia de lá esculhambado! Le Havre tem a única praça rebaixada do mundo, com umas rampas descendo das calçadas para a praça. Tem um crítico de arte italiano que é o maior crítico mundial da arquitetura moderna, mas ele coloca a praça de Le Havre entre as dez melhores obras da arquitetura contemporânea. Então o importante é o arquiteto se impor, e, quando possível, por sorte ou outro motivo, fazer algo diferente.

Ricky - Nesse caso o encomandante aceitou suas exigências, mas no decorrer da sua vida deve ter sido frustrante, para o seu gênio, com sua ousadia, lidar com os burocratas das obras.

Niemeyer - Não, quando me chamam é porque esperam algo diferente. Aécio Neves me pediu um projeto que transformasse uma praça num centro administrativo. Eu teria que fazer 23 prédios correspondentes às 23 secretarias do Estado. Projetei sete. A construção ficou mais fácil e o terreno mais bonito. Na Universidade da Argélia queriam um prédio para cada faculdade. Fiz apenas dois prédios, enormes, um para os laboratórios e outro para as salas de aula. Quis seguir Darcy Ribeiro, que reclamava maior intercâmbio entre os alunos das diversas áreas. O sujeito especializado é uma m(*). Não dá para conversar com uma pessoa que só sabe de Arquitetura. Ou com outro que só sabe de Literatura.

Paula - Os Cieps foram outro projeto seu com Darcy que visava integrar os alunos na comunidade.

Antonia Leite Barbosa - Por que na sua arquitetura a natureza é secundária?

Niemeyer - Essa é a pergunta mais estranha que já me fizeram! Pelo contrário, o espaço sempre faz parte do meu projeto. O desenho do MAC surgiu pelo fato de ser num platô, de ter o mar, a vista para as montanhas do Rio, coisas que tinham que ser preservadas em sua plenitude.

Ricky - Há os que dizem que suas obras são muito bonitas e pouco práticas. Que o ser humano fica esmagado pela grandiosidade de sua arquitetura.

Niemeyer - Dou um exemplo. Quando terminou a construção da sede da Editora Mondadori em Milão, eles me pediram outro projeto no centro da cidade. Se o prédio construído não fosse funcional, não teriam me procurado outra vez. O mesmo ocorreu no caso da sede do Partido Comunista Francês em Paris e em outras ocasiões, que não vou perder tempo em citar.

Maria Lúcia - E como se pode impedir a deturpação de seus projetos? Lúcio Costa projetou algo maravilhoso para a Barra que hoje virou uma terra de ninguém.

Niemeyer - Temos que brigar, reclamar... Agora estou com uma briga em SP por causa de uma marquise do Ibirapuera. Uma marquise que projetei e tenho o direito de modificar. Mas essa é uma questão tão ridícula que espero será resolvida favoravelmente.

Pimentel - Mas tem como o arquiteto ficar controlando depois que a obra ficou pronta?

Zezé - Quiseram fazer uma modificação no Sambódromo.

Niemeyer - Darcy me falou: "Você tem que fazer algum detalhe que marque o Sambódromo". Então fiz aquele arco enorme na Praça da Apoteose. César Maia não levou em conta que existe um autor para aquele projeto, que deve ser respeitado, que aquilo é uma obra importante, e que ao mexer com o Sambódromo está mexendo com Darcy Ribeiro e com Brizola. Colocou um anúncio lá e não quer tirar. Falei com o Patrimônio, que escreveu para ele dizendo que eu tinha razão, e até hoje ele não tirou. O IAB protestou, o Clube de Engenharia protestou, mas ele está inflexível. Por que colocar um anúncio logo no fecho do Sambódromo?

Ivan - Brasília está sendo bem cuidada?

Niemeyer - No momento só posso bater palmas. Faltava fazer o museu, a biblioteca, a zona esportiva e de lazer, e isso o Roriz está fazendo agora, seguindo o meu projeto. O museu é uma coisa fantástica, a cúpula tem 80 metros de vão, parece que você está sob o céu. O emblema da praça em frente é uma escultura sobre a paz.

Regina - Você continua apaixonado pelas esculturas?

Niemeyer - As esculturas que faço são como croquis no ar. (traceja uma forma no ar com os dedos) Fiz uma agora para Cuba e outra para Paris. A de Paris tem oito metros e é uma mão com uma flor. A gente se diverte, né. Gosto de desenhar linhas que vem, sobem, descem e tal e se transformam numa mulher.

Ricky - E, inspirado nas mulheres, o senhor é obcecado pelas curvas.

Niemeyer - A mulher é fundamental, mas quando faço algo não me inspiro numa coisa só. Malraux dizia que guarda dentro de si tudo o que amou. O que sei é que quanto maior o espaço, mais as curvas estão presentes. Minha preocupação é reduzir as colunas de apoio, de modo que a arquitetura fique mais audaciosa. A construção fica mais fácil de fazer, não tem tanta fundação, mas tem que ter um bom calculista, alguém que compreenda que o sentido da arquitetura é fazer algo mais bonito e mais solto.

Ricky - Já criou um projeto tão ousado que seria fisicamente impossível de executar?

Niemeyer - Quando faço uma coisa saliente assim não penso se a técnica vai permitir. Penso no que vai ficar bonito. Tenho que pensar no espetáculo da arquitetura. A técnica depois corrige. Com tantos trabalhos feitos, a gente sabe o que é possível. Agora, eu ouso cada vez mais e sempre acabam conseguindo executar os projetos. Nesse museu em Brasília tem uma rampa que vem de dentro da cúpula de 80 metros, sai no ar, e entra no andar de cima. Tem um vão de 30 metros solto no ar. O engenheiro é da maior eficiência. No dia em que estiver pronto o pessoal vai ficar espantado. Para conseguir isso a base da rampa entrou para dentro do prédio. Isso é a arquitetura criando espanto. O sujeito não pode usar a arquitetura para mudar a vida da maioria das pessoas, mas pode pelo menos fazer com elas parem e tenham um momento de emoção.

Paula - Você tem alguma obra predileta?

Niemeyer - Gosto das obras que apresentam grandes desafios, como a praça em Le Havre. Mas a obra de que goste mais talvez seja a Universidade da Argélia.

Ivan - Suas obras na Argélia são quase que uma extensão de Brasília.

Zezé - Você criou há pouco um projeto para o MST.

Niemeyer - Um auditório para mil pessoas. O MST é muito mais importante do que as pessoas conhecem, está educando pessoas, mandando gente para o exterior, criando equipes técnicas. Quando as pessoas me chateiam muito, eu ponho o boné que o Stédile me deu.

Dermeval - Eu queria que você falasse do MAC e do Caminho Niemeyer em Niterói.

Niemeyer - Niemeyer - Niemeyer - O MAC é um prédio que me agrada muito, pela importância que conferiu a Niterói. E o Caminho Niemeyer, ainda em construção, vai integrar esse conjunto, que o ex-prefeito Jorge Roberto Silveira iniciou e o prefeito atual, Godofredo Pinto, completa com o maior entusiasmo. O Caminho Niemeyer compreende uma grande praça, com um teatro e a Fundação Oscar Niemeyer do outro lado. E, como o palco do teatro abre para a praça, espetáculos populares de dança, música, etc, irão ter lugar. O mesmo eu fiz no auditório do Parque do Ibirapuera, há pouco inaugurado com muito sucesso. Outros edifícios farão parte do Caminho Niemeyer, como a Catedral e o centro de convenções. Gostei muito de fazer o teatro, com a fachada lateral em azulejos (desenha a forma do teatro no ar com os dedos). Eu queria algo feito a Igreja da Pampulha, que tem os desenhos do Portinari, mas não havia dinheiro e eu mesmo fiz os desenhos, com mulheres saltando, ficou bonito. Me deu prazer de mostrar que mesmo quando não existem condições a gente tenta aproximar a arquitetura das artes plásticas. Esse é o momento mais importante da arquitetura. Se os palácios de Veneza não tivessem tido a colaboração dos grandes pintores não seriam tão importantes. A arquitetura naquele tempo não era bom, havia sempre uma coluna grega na fachada, não conseguiam se libertar do passado. No palácio dos Doges é que tem início a arquitetura moderna. Antonio Rizzo pensava em criar espaços grandes para o salão e não queria as colunas. Projetou uma viga fantástica de madeira que permitiu conseguir isso. Para a fachada criou contrastes entre colunas trabalhadas e superfícies lisas. É por isso que a arquitetura tem que ser bonita, pois vendo as construções as pessoas podem se interessar pela arte. Quando um museu é bonito, como este de Niterói, provoca as pessoas a verem o que tem dentro do museu.

Ivan - Você viajou por grande parte do mundo. Qual a cidade mais bonita?

Niemeyer - O Rio de Janeiro é ótimo. Gosto dessa esculhambação. Gosto de ver as pessoas passando e indo para a praia. Gosto de entrar no Marimbás e sentir o tempo andando para trás, lembrar de há 40 anos, eu batendo papo com os amigos, pensando que a vida seria melhor....

Ricky - As mudanças que vão modificando as cidades são para o senhor tristezas ou a transformação é inexorável?

Niemeyer - Realmente, é triste, mas as cidades vão se degradando. Gente demais. Burrice ativa.

Ricky - Por falar em burrice, o senhor às vezes não pensa: "Puxa, em Brasília fiz uma obra tão revolucionária para ser ocupada por pessoas tão retrógradas"?

Niemeyer - Fico irritado. As pessoas que estão realmente fazendo algo pelo Brasil não estão no Congresso. Mas em toda a parte tem gente progressista e retrógrada. Esse é um problema social, para mim mais importante do que a arquitetura. 

Regina - Qual o conselho que o senhor daria hoje ao Brasil?

Niemeyer - O patriotismo anda esquecido e precisa ser recuperado. Temos que pensar no Brasil. Temos que pensar na Amazônia. Pensar principalmente no povo que é pobre. Temos que pensar na América Latina que está tão ameaçada. Pensar que não podemos ficar à margem da História.

Paula - Dos seus projetos que estão ainda no papel, tem algum que o senhor gostaria especialmente de ver realizado?

Niemeyer - O museu e auditório que estou fazendo para a Espanha, numa praça de Oviedo que tem 100 x 200 metros. Na Alemanha estou fazendo um conjunto de piscinas com algumas cúpulas. Tudo isso é bom porque divulga o trabalho brasileiro no exterior.

Pimentel - Está com algum projeto literário em andamento?

Niemeyer - Estou escrevendo algumas opiniões que possam ser úteis para os mais jovens, mas sem nenhuma pretensão literária. Gosto de escrever. Li muito na vida.

Regina - No momento, qual é a coisa que te dá mais prazer?

Niemeyer - Frequentar bons ambientes e sentir como as pessoas são fraternais. A gente quando vem para a vida tem que brincar, tem que se distrair... Há espetáculos bonitos - bons filmes, bons livros, boas músicas - que nos ajudam a viver. Sei que nada é importante. Tudo desaparece. A gente vem, escreve uma historinha, e vai. Por isso temos que viver bem cada momento. O sujeito nasce, cresce, faz seus planos, acontecem coisas que mudam tudo. O inesperado é que conduz o mundo.

Ricky - As pessoas desaparecem mas seus feitos continuam. Brasília vai ficar como as pirâmides do nosso tempo.

Niemeyer - Daqui a milhões de anos nada disso existirá mais.

Ivan - Apesar disso, o senhor continua acreditando no homem, né. Gramsci escreveu: "Ao pessimismo da razão devemos contrapor o otimismo da vontade".

Niemeyer - Vejo a vida da forma realista. Como tenho dito, a gente chega, cada um conta a sua historinha, que o tempo apaga, implacável. A principal qualidade do homem é a modéstia. Mas é preciso viver, lutar contra a miséria, dar à nossa existência um sentido mais digno - todos iguais, sem discriminação.



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