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Thursday, December 15, 2005

Definição (ao completar 98 anos de idade) OSCAR NIEMEYER

Folha de S Paulo

Uma coisa que me agrada particularmente -quando sozinho passo a rever os velhos tempos- é constatar que essa revolta que sinto ao ver a pobreza crescer e se multiplicar por toda parte não decorre de um amadurecimento político que a leitura e a companhia de amigos progressistas muitas vezes propiciam.
Lembro, com satisfação, de como me incomodou (tinha apenas sete anos!) ouvir a minha avó materna dizer à empregada: "Tira esse pano da cabeça. Negra não usa isso".


Tudo isso explica minha adesão à luta política e essa convicção de que só o comunismo poderá criar um mundo mais justo


E recordo, já arquiteto, um artigo que publiquei no "Diário de Notícias", no qual falava de coisas antigas, inclusive desse episódio, do qual nunca esqueci, e, no dia seguinte, o escritor Tristão de Athayde -pseudônimo de Alceu Amoroso Lima (1893-1983)- a comentar o meu pequeno texto generosamente, se detendo na referência crítica que fiz a minha avó, para ele, pessoa muito boa, conhecida da sua família.
Tinha razão. Minha avó apenas repetia o jeito autoritário a que se habituara em sua fazenda de Maricá, um pouco amiúde, com certeza, levando o meu avô Antônio Augusto Ribeiro de Almeida a intervir: "Valha-me, Deus, Ribeira brava!".
Quantas lembranças guardo daquele tempo!
A velha casa em que morávamos, assobradada, com seis janelas na fachada, a sala de jantar, a longa mesa na qual a família se reunia, a sala de visitas e, depois, a extensa varanda que acompanhava a casa até o fim do terreno, a conversa que se estendia noite adentro a debater os problemas daquela época -mais fácil de viver, com certeza.
O meu nome deveria ser, na verdade, Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares, pois foi na casa do meu avô que nasci e vivi a vida inteira. Ele provinha de Maricá, das fazendas que o seu pai, Manuel Ribeiro de Almeida, lá possuía. Era sóbrio, tranqüilo, incapaz de levantar a voz para quem quer que fosse.
Eu e meus irmãos morávamos no andar de cima daquela casa que o meu avô para nós construíra. Já com 17 ou 18 anos, lembro-me bem, eu, como toda a rapaziada, só pensava em futebol e sacanagem, mas -o que não era comum- me preocupava também com a miséria neste mundo injusto em que vivemos, atuando na coleta de donativos para o Socorro Vermelho, já existente.
Apesar de ter sido ministro do Supremo Tribunal Federal por muitos anos, meu avô morreu pobre, apenas deixando para nós, hipotecada, aquela velha casa da rua Passos Manuel, hoje Ribeiro de Almeida. E passei a compreender, satisfeito, o exemplo que ele me deixara, esse desprezo pelo dinheiro que me acompanha a vida inteira, sempre voltado às obrigações familiares e aos que me cercam, e que procuro atender da melhor maneira possível.
Tudo isso explica a minha adesão à luta política, o meu ingresso no PCB (Partido Comunista Brasileiro), a minha integração àquele ambiente de solidariedade em que encontrei as melhores pessoas que conheci e essa convicção de que só o comunismo poderá criar o mundo mais justo que desejamos.
Nenhuma crítica com relação ao PCB, nenhuma palavra contra os erros cometidos, nenhuma dúvida quanto à vitória final.
A revolução de 1905, de outubro de 1917, a vitória contra o nazismo, a libertação de Cuba, tudo isso vai se repetir depois destes tempos sombrios que o capitalismo brutalmente instituiu e o império de Bush procura manter.
Como o tempo tenta nos enfraquecer! E o pensamento vigoroso de Sartre e, mais longe, a palavra revoltada de Schopenhauer a nos convencer de que a existência não tem sentido, que o homem é precário demais para ser levado a sério.
Mas a vida existe e o ser humano se multiplica com a força da natureza. Dar-lhe uma vida mais justa é o caminho que Marx propunha. Segui-lo de mãos dadas é o que a dignidade e a solidariedade humanas exigem.


Oscar Niemeyer faz 98 anos hoje. Arquiteto, é um dos criadores de Brasília (DF). Tem obras edificadas na Alemanha, na Argélia, nos EUA, na França, em Israel, na Itália, no Líbano e em Portugal, entre outros países.

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