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Thursday, January 05, 2006

O bruxo e o feiticeiro - Monica Bergamo folha 03/01






Marlene Bergamo / Folha Imagem

O escritor Paulo Coelho guia José Dirceu em Betharram, cidadezinha do sul da França



Marlene Bergamo / Folha Imagem

O escritor Paulo Coelho guia José Dirceu em Betharram, cidadezinha do sul da França

O bruxo e o feiticeiro

Na igreja de Notre Dame de Betharram, no sul da França, aos pés de uma ladeira de um quilômetro que reproduz a via-crúcis, o escritor Paulo Coelho sentou e chorou. "Olha o milagre! Uma porta que estava fechada se abriu, no primeiro dia do ano!" Era a porta da igreja, que se abriu porque Coelho interceptou um religioso betharramita passeando no pátio interno. Mais um minuto e o padre Firmino, que estava se retirando para seus aposentos, já estaria dentro de sua casa. Coelho não o encontraria, a porta não se abriria e então... sabe-se lá!

 

Nada é por acaso, repete sempre o mago-escritor. E aquela porta se abrir, no dia 1º de janeiro, em que ele está recebendo José Dirceu na França e levando-o para conhecer justamente o complexo de Betharram -ordem religiosa que instalou um colégio em Passa Quatro, interior de MG, no Brasil, onde o ex-ministro de Lula estudou -só pode ser um sinal de Deus.
 

Aflito, o escritor procura Dirceu para que ele entre na igreja. Mas o ex-ministro desapareceu na ladeira da via-crúcis. Sozinho, subiu o caminho de um quilômetro, cumprindo o calvário de Cristo. Parou em 13 das estações, representadas por capelas - e terminou num cemitério. Agnóstico desde os 13 anos, rezou.
 

Depois de alguns minutos, Dirceu desponta no horizonte. Já chega "governando". "Vou mandar instalar uma lápide para os padres de Passa Quatro", diz. Critica a má-conservação do lugar. Conta que parou na estação da traição de Judas. "E vi ele lá." E como era esse Judas? Barbudo? Dirceu solta uma gargalhada. Chamava-se Judas Lula da Silva? Dirceu ri mais ainda. Não responde.
 

O pequeno grupo -Coelho, sua mulher, Cristina Oiticica, Dirceu, o escritor Fernando Morais, o escritor Mario Rosa e sua mulher, Dayana -visita a igreja. Coelho reza. Dirceu compra uma imagem de Nossa Senhora de Betharram para a mãe. Faz uma doação de 50 (cerca de R$ 138) para a igreja. O padre tira fotos. Abençoa o grupo. "Viva Passa Quatro!", diz. "Viva Passa Quatro!", repetem todos.
 

Dirceu e Morais entram no Audi de Coelho para pegar a estrada rumo a Tarbes, cidadezinha do sul da França onde todos estão hospedados. Ela é vizinha de Saint Martin, vilarejo de 300 habitantes onde Coelho vive com Cristina, aos pés dos Pirineus.
 

Coelho está no auge da vida -e isso há quase duas décadas. Não pára de vender livros, arrebatar fãs por todo o mundo (é editado em 150 países, em 59 idiomas) e ganhar dinheiro. Muito dinheiro. Acaba de trocar a editora Rocco pela Planeta por 800 mil -ou R$ 2,4 milhões. O próprio carro em que roda agora pelas estradas francesas carregando José Dirceu é um exemplo.
 

A Audi pediu a ele que fizesse um texto de 6.000 caracteres para ser divulgado exclusivamente no balanço a ser distribuído aos acionistas no começo de 2006. Quanto Paulo queria em troca? "Um Audi", respondeu. A empresa mandou o último modelo. Precinho: 100 mil (R$ 280 mil). Fernando Morais fez os cálculos: cada letra -e cada espaço em branco - de Paulo Coelho custa 16 (R$ 44). "Me disseram que o [Ernest] Hemingway recebia U$ 5 por palavra", informa Coelho, cheio de orgulho. Recentemente ele foi convidado para dar uma palestra. Cachê: 60 mil (R$ 166 mil). "Eu não quis", diz. "Não gosto de falar."
 

Há alguns meses, ele comprou a casa do vizinho para derrubar e poder ter a vista livre para os Pirineus. Coelho fez a proposta de compra sem saber o preço da casa. "J.P Morgan já dizia: quem pergunta o preço é porque não pode comprar", diz o escritor.
 

Por que um homem no auge do sucesso, um ídolo da classe média do Brasil e do mundo, recebe em sua casa, para as festas de fim de ano, um homem que vive hoje o ápice de um fracasso político, que acaba de ser cassado, que virou uma espécie de "demônio" para essa mesma classe média - e que nem seu leitor é? Os dois mal se conhecem, foram aproximados pelo escritor Fernando Morais, biógrafo de ambos. "Já beijei a lona. Sei como é", diz Coelho. "Tenho que ter solidariedade." E arremata, dedo em riste: "Mohamed Ali já dizia: todos os que já estiveram no topo, e beijam a lona, sabem como voltar." Dirceu um dia pode voltar. E Coelho o terá ajudado quando ninguém a ele estendia a mão.
 

O ritual de despedida de 2005 e de saudação do novo ano de Coelho durou três dias e três noites. Na sexta, 30, o escritor recebeu com um jantar, em sua casa de três quartos, sala, copa, cozinha, toda feita de madeira, pedra e vidro, os amigos que chegavam de várias partes do mundo para as festas.
 

Foram 20 pessoas, que vieram da Polônia, da Finlândia, da Croácia, da própria França e do Brasil. Amigos próximos do casal Paulo e Cristina: os editores e os médicos dele, o cabeleireiro dela, vizinhos de ambos -e uma feiticeira, Jaqueline, que vive na floresta dos Pirineus.
 

Na "vitrola", só Roberto Carlos. Ao lado, na mesma sala, o computador onde Paulo escreve. "Falaram no Brasil que o Dirceu viria para a minha mansão. Isso é mansão?", dizia o escritor. O terreno tem 80 mil m2.
 

O último a sair foi o escritor Mario Rosa, com quem Coelho conversou até as 5h. Os dois só se conheciam por e-mail. Coelho é fã do livro de Rosa, "Síndrome de Aquiles", que fala do mito que foi derrotado por um único erro. O mito Paulo Coelho é cuidadoso. "Quero o Mario cada vez mais próximo."
 

No dia 31, o casal levou os amigos ao restaurante Le Petit Gourmand, de Tarbes. Na ceia, ravióli de foie gras, coquilles St. Jacques com trufas e endívias caramelizadas, carne com risoto de aspargos, sobremesas de chocolate. Dirceu sentou-se ao lado do escritor. Lá pelas tantas, no ambiente tomado pela fumaça de cigarros e charutos, Coelho perguntou: "Você tem projeto de voltar ao poder?" E Dirceu: "No governo Lula? Não."
 

Dirceu vai tirar dois anos sabáticos. Diz que tem dinheiro guardado. Foi convidado para ser colunista de um jornal do Rio, "por um bom dinheiro". Pretende ganhar também com o livro que fará sobre o governo Lula. Coelho avalia Lula. "O Hugo Chávez [da Venezuela] se posiciona, o George Bush se posiciona. O Lula ainda está no meio do caminho. O Hugo Chávez tomou o espaço dele. Ele precisa se posicionar", diz. "Tá querendo muito do Lula", brinca Dirceu, baixinho.
 

À meia-noite, todos foram para a gruta de Lourdes. Chovia. Pouco se via, a não ser, ao longe, a própria gruta, e dentro dela, Nossa Senhora. Dirceu quis ficar até o fim da missa. "Deus não existe. Mas vai que existe, né?", brincou.
 

No dia 1º, a ceia foi na casa de um amigo de Coelho, Fréderic Bonomelli, em Hibarete, outra cidadezinha da região, com 138 habitantes. Ele fabrica presunto do porco Le Noir de Bigorre, o porco negro, primo do pata negra espanhol. A noite foi de vinhos, boa comida e cantorias, de músicas francesas da "confraria do porco" a canções brasileiras de Coelho. "Quando caminho pela rua lado a lado com você me deixas louca", cantavam as mulheres. "Eu nasci há dez mil anos atrás...", cantavam os homens.
 

No fim da noite, a pedidos, Paulo Coelho cantou "Gita", dele e de Raul Seixas: "Eu sou o medo do fraco/ A força da imaginação/ O blefe do jogador/ Eu sou, eu fui, eu vou". O escritor pediu um brinde a Raul Seixas. Todos levantaram seus copos. Os rituais de ano novo tinham terminado.

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