Cartilha escolar compara beijo a chocolate
Impresso elaborado pelos ministérios da Saúde e da Educação será distribuído para 400 mil estudantes de 13 a 19 anos
Material inclui espaço para os adolescentes relatarem suas melhores "ficadas", além de sugestões de músicas, filmes e leituras
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo federal elaborou e vai distribuir para estudantes de escolas públicas de 13 a 19 anos uma "agendinha" com dicas sobre beijo, sedução, masturbação e saúde. Polêmica, a cartilha inclui até uma lista a ser preenchida com as melhores "ficadas" -relacionamentos-relâmpago entre jovens.
Na parte sobre beijos, a cartilha orienta que "beijar muitos desconhecidos numa única noite não é tão bom assim", pelo risco de doenças. Mas compara o beijo ao chocolate, por "aguçar todos os sentidos" e "liberar endorfinas", com a vantagem de ainda "queimar calorias", ao contrário do doce.
O material faz parte do programa Saúde e Prevenção nas Escolas - Atitude para Curtir a Vida e aborda temas variados que vão dos efeitos colaterais do aumento de peso (espinha e preguiça) até homenagem ao cantor Cazuza, morto por Aids.
A cartilha foi elaborada pelos ministérios da Saúde e da Educação ao longo de 2006 e testada com alunos do Distrito Federal. A primeira tiragem teve 40 mil exemplares e o governo pretende encomendar 400 mil cópias adicionais.
Um item que pode instigar polêmica entre pais são as duas páginas dedicadas às "ficadas". Em uma delas, há espaço para o aluno preencher os detalhes das mais espetaculares de sua vida -com o esclarecimento de que a "ficada" compreende várias coisas: beijar, namorar, sair e transar.
Nas páginas sobre o uso da camisinha, o caderninho ensina a colocar o preservativo sob o título "O pirata de barba negra e de um olho só encontra o capuz emborrachado".
Entre os cinco motivos para usar camisinha há a "sedução", além da "proteção": "Colocar o preservativo pode ser uma excelente brincadeira a dois. Sexo não é só penetração. Seduza, beije, cheire, experimente!".
Há também os motivos "proteção" (da gravidez, da Aids, de doenças sexualmente transmissíveis e "do frio") e "segurança", para o dia seguinte ser "só boas lembranças".
No final da página, existe uma ponderação sobre resistir a pressões externas e aguardar preparado o "momento certo" de transar. "Ter uma camisinha não é sinal de sem-vergonhice ou de segundas intenções."
Na parte de masturbação masculina, há a desmistificação sobre criar cabelos ou calos ou ficar com esperma "ralo". Sobre a masturbação feminina, considerações higiênicas e dicas para uma exploração "tranqüila e relaxada".
"O foco é o jovem, não a eventual censura que possa vir de um pai", explica a diretora do Programa Nacional DST/Aids, Mariângela Simões.
"A realidade é essa, "ficar" hoje é parte da vida de muitos jovens e o caderno é para anotações pessoais", disse. A cartilha se chama "O caderno das coisas importantes - Confidencial".
Para Mariângela, é inválida a crítica de estimulação precoce da sexualidade, bandeira de setores que se opõem à política de saúde e promoção dos direitos reprodutivos do governo. "Se a gente fosse considerar que uma cartilha ou um caderno fosse influenciar tanto o comportamento sexual das pessoas, não teríamos mais Aids no país."
Segundo ela, é papel do Estado laico facilitar informações. As dicas de livros e filmes, que fogem do escopo técnico, foi, segundo ela, uma escolha subjetiva para explorar os temas. Estão lá "Filadélfia" e "A Gaiola das Loucas", entre outros.
No caso das indicações de "músicas que dão o seu recado" -Cazuza, Legião Urbana, O Rappa, Jota Quest etc.-, a seleção é subjetiva e busca uma mensagem de contestação e esperança, explica ela.
Entre os livros estão indicados guias de sexo e "O Jardineiro Fiel", de John le Carré.
Governo vai ampliar a distribuição de camisinha para jovens de escolas públicas
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Ministério da Saúde anunciou ontem que pretende ampliar a distribuição de camisinhas para jovens nas escolas públicas após uma pesquisa constatar que 45% dos estudantes ouvidos tinham vida sexual ativa e que 30% não haviam usado preservativo na sua mais recente relação.
O governo rejeita que exista uma estimulação sexual precoce com a medida e avalia, com base em pesquisa da Unesco, que é necessária uma política pública sobre o tema que não seja omissa. Hoje, o programa de DST/Aids tem como meta anual a distribuição de 100 milhões de camisinhas para a faixa etária de 13 a 24 anos.
Ainda não há previsão de quando e como será feita a distribuição, mas pelo menos uma das formas será por meio de máquinas eletrônicas -já existe um concurso para o desenho do equipamento nas escolas técnicas federais. "Já existe uma decisão concreta de expansão", disse ontem o ministro da Saúde, Agenor Alvares.
Não há dados precisos sobre quantas escolas já distribuem preservativos. Segundo o Censo Escolar de 2005, das escolas de ensino básico que abordam DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e Aids, 8,7% das escolas do ensino fundamental e 16,9% das de ensino médio oferecem preservativos.
A pesquisa que motivou a decisão do governo foi feita com escolas públicas que já implantaram o programa "Saúde e Prevenção nas Escolas". O estudo mostra que, nesse universo, 70% usaram preservativo na relação mais recente.
O principal motivo para não usar camisinha, declarado por cerca de 43% dos alunos, foi não ter um preservativo disponível "na hora H". A confiança no parceiro (23%) e a redução do prazer (21%) foram as outras justificativas. (LS)
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