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Thursday, April 06, 2006

Joseph Stiglitz - "A guerra é ruim para a economia"



Entrevista com o Prêmio Nobel de economia, Joseph Stiglitz
"A guerra é ruim para a economia"

entrevista realizada por Frank Hornig e Georg Mascolo.

O economista e ganhador do Prêmio Nobel, Joseph Stiglitz, 63, discute o verdadeiro custo de US$ 1 trilhão do conflito no Iraque, o impacto da guerra sobre o mercado de petróleo e a possibilidade de o Ocidente impor sanções contra o Irã.

Spiegel: Professor Stiglitz, no início da guerra o governo dos Estados Unidos esperava cobrir quase inteiramente os custos...

Stiglitz: ...eles realmente acreditavam que o povo iraquiano poderia usar os rendimentos obtidos com o petróleo para pagar pela reconstrução do país.

Spiegel: E agora você calcula que o custa da guerra esteja entre US$ 1 trilhão e US$ 2 trilhões. Como você explica essa diferença?

Stiglitz: Primeiro, a guerra foi muito mais difícil do que o presidente Bush e o seu governo esperavam. Eles acharam que iam entrar no Iraque, que todos iriam agradecê-los, e que depois instalariam um governo democrático e partiriam. Porém, esta guerra está durando tanto tempo mais do que se pensava, que eles precisam adaptar constantemente o seu orçamento, que aumentou de US$ 50 bilhões para US$ 250 bilhões. Atualmente, o Departamento de Orçamento do Congresso fala sobre US$ 500 bilhões ou mais por essa aventura.

Spiegel: Isso é ainda muito menos do que os números dos seus cálculos.

Stiglitz: Os números divulgados não incluem sequer os custos orçamentários integrais para o governo. E os custos orçamentários são apenas uma fração dos custos para a economia como um todo. E comparem isso com a primeira Guerra do Golfo, na qual os Estados Unidos quase obtiveram um lucro econômico!

Spiegel: Isso porque a Alemanha pagou pela guerra?

Stiglitz: Porque os alemães pagaram, porque todos pagaram. Fizemos com que os nossos aliados pagassem o preço integral por equipamentos usados, e renovamos as nossas forças armadas. Desta vez, a maior parte dos outros países não desejou fazer tal coisa novamente.

Spiegel: Bush simplesmente cometeu um erro de cálculo, ou ele estava enganando o povo quanto aos verdadeiros custos da guerra?

Stiglitz: Creio que as duas coisas. Ele queria acreditar que a guerra não seria cara, que ela seria fácil. Mas atualmente há também enormes evidências de que os canais de informação para a Casa Branca foram distorcidos. Bush queria apenas certas informações, e foi isso, na maior parte das vezes, que esses canais forneceram a ele. Larry Lindsey..

Spiegel:...o ex-assessor econômico da Casa Branca...

Stiglitz: ...apresentou - em 2002 - uma estimativa que chegava a US$ 200 bilhões. Creio que essa foi a informação governamental mais acurada à época. Ele foi demitido. O governo não queria ouvir tal coisa.

Spiegel: Nos Estados Unidos, os custos financeiros da guerra raramente são discutidos. A guerra costumava ser considerada um sacrifício para se atingir as metas comuns. Por que a situação é diferente hoje?

Stiglitz: Isso não é algo como uma guerra mundial na qual você é atacado. Fomos atacados em Pearl Harbor, e tivemos que responder. Desta vez, tínhamos uma escolha, precisávamos decidir como e a quem atacaríamos...

Spiegel: ...e se teriam dinheiro para isso.

Stiglitz: Bem, nós temos dinheiro para isso, essa não é a questão. A questão é: US$ 1 trilhão ou US$ 2 trilhões é um bocado de dinheiro. Se o nosso objetivo é contar com estabilidade no Oriente Médio, garantir as reservas de petróleo, ou ampliar a democracia, é possível comprar muita democracia com essa cifra. Para colocar as coisas em contexto: o mundo inteiro gasta US$ 50 bilhões por ano com auxílio externo. Portanto, estamos falando sobre multiplicar por 20 o orçamento para auxílio externo. Vocês não diriam que isso contribuiria mais para a paz, a estabilidade e a segurança?

Spiegel: Bush argumentaria que vale a pena gastar tanto para reduzir a probabilidade de um grande ataque terrorista contra os Estados Unidos.

Stiglitz: Ninguém leva esse argumento a sério. Em vez disso, muita gente acha que a guerra no Iraque aumentou a probabilidade de um ataque. No entanto, é difícil colocar esse fator em termos financeiros.

Spiegel: Como você calculou os custos da guerra?

Stiglitz: Os números oficiais são apenas a ponta de um enorme iceberg. Por exemplo, um dos custos da guerra é que os soldados de hoje são gravemente feridos, mas permanecem vivos, e somos capazes de mantê-los vivos a um custo enorme.

Spiegel: Esse é o maior fator que você utiliza nesses cálculos?

Stiglitz: É um fator muito importante. O governo Bush tem feito tudo o que é capaz para ocultar o grande número de veteranos que retornam para casa gravemente feridos - até o momento são 17 mil, dos quais cerca de 20% apresentam lesões graves no cérebro e na cabeça. Até mesmo a estimativa de US$ 500 bilhões ignora a incapacitação por toda a vida e os custos com tratamento de saúde que os contribuintes terão que pagar nos próximos anos. E o governo não é sequer generoso com os veteranos, as viúvas e os seus filhos.

Spiegel: Como assim?

Stiglitz: Quem se machuca em um acidente automobilístico, e processa o motorista que causou o desastre, recebe pelo ferimento uma indenização bem maior do que aquela paga a quem está lutando pelo país. Existem duas medidas em jogo. Quem arrisca a vida lutando pelo seu país recebe pouco. Já quem atravessa a rua e sai ferido, recebe bem mais. De forma similar, a indenização por um soldado morto chega a apenas US$ 500 mil, que é bem menos do que a estimativa padrão do prejuízo econômico causado pela morte, com base no período de vida normal da pessoa. Esse valor estatístico de uma vida nos Estados Unidos chega a cerca de US$ 6,5 milhões.

Spiegel: Quanto um soldado com lesões graves no cérebro custa ao governo dos Estados Unidos?

Stiglitz: A minha estimativa moderada é de cerca de US$ 4 milhões. Somente com relação a esse grupo haverá um custo total de US$ 35 bilhões sobre o qual ninguém está comentando. Mas olhemos para o quadro mais amplo: a Administração dos Veteranos originalmente previu que cerca de 23 mil veteranos que retornassem do Iraque procurariam tratamento médico no ano passado. Mas em junho de 2005, a instituição reformulou esse número para cerca de 103 mil. Não é de se admirar que a Administração dos Veteranos tenha tido que apelar ao Congresso para a obtenção de verbas emergenciais no valor de US$ 1,5 bilhão no ano passado.

Spiegel: Se esta é uma guerra de US$ 1 trilhão, por que os Estados Unidos não foram capazes de fornecer aos seus soldados vestimentas a prova de bala mais seguras e veículos mais bem protegidos?

Stiglitz: Obviamente, os Estados Unidos têm dinheiro para comprar tais vestimentas. Rumsfeld, o nosso secretário de Defesa, disse que os soldados precisam lutar com as vestimentas que têm, mas essa é uma afirmação inescrupulosa. As forças armadas estão se concentrando somente nos custos de curto prazo. Se não fornecerem as vestimentas apropriadas a prova de balas, eles economizaram dinheiro hoje, mas o custo com tratamento de saúde será um problema para um futuro presidente. Para mim, isso é uma irresponsabilidade, tanto pela ótica fiscal quanto pela moral.

Spiegel: Esta guerra poderia ser ao mesmo tempo mais segura para os soldados e mais barata para o país?

Stiglitz: Exatamente.

Spiegel: Será que as guerras deixaram de ser viáveis sob o ponto de vista financeiro, até para países tão ricos como os Estados Unidos?

Stiglitz: Você precisa se lembrar de que nós somos uma economia de US$ 13 trilhões anuais. A questão não é determinar se somos capazes de pagar pela guerra, mas sim se esta é a maneira como queremos gastar o nosso dinheiro. Ao utilizarmos os recursos limitados que temos para travarmos esta guerra, contamos com menos recursos para outras coisas. Você viu na televisão o que aconteceu em Nova Orleans após o Furacão Katrina. As forças de reserva ou a Guarda Nacional são geralmente os contingentes que usamos nesse tipo de emergência nacional. Mas eles não estavam aqui. Estavam no Iraque e, portanto, nós contávamos com menos proteção.

Spiegel: Antes da invasão do Iraque, o governo dos Estados Unidos disse que a melhor forma de manter os preços do petróleo sob controle seria uma guerra curta e bem-sucedida. À época, o barril do petróleo custava US$ 25, e atualmente custa quase US$ 60. Que parcela deste aumento se deve à questão do Iraque?

Stiglitz: Na nossa análise sobre o custo da guerra, assumimos apenas um aumento modesto entre US$ 5 e US$ 10 no preço do barril, causado pela guerra. Quisemos manter expectativas conservadoras no decorrer do estudo, de forma que ninguém pudesse contestar os nossos números, e ninguém o fez. Mas acredito que subestimamos enormemente o custo verdadeiro.

Spiegel: Mas, por que? A China e a Índia estão registrando um aumento de demanda por petróleo, e o crescimento global real tem prosseguido. Isso está fazendo com que os preços aumentem.

Stiglitz: Quando a demanda aumenta, a oferta também cresce - é assim que os mercados geralmente funcionam. Atualmente estamos constatando que a demanda por petróleo está aumentando, mas não estamos presenciando um incremento correspondente na oferta. Existe uma resposta simples para isso, e essa resposta é o Iraque. Mas isso não ocorreu apenas devido ao fato de a produção do país ter decrescido.

Spiegel: Qual seria o outro motivo?

Stiglitz: O Oriente Médio é o produtor de petróleo de custo mais baixo do mundo. Os países da região são capazes de produzir petróleo a um custo de US$ 10, US$ 15 ou US$ 20 o barril. Atualmente contamos com a tecnologia para produzir petróleo em outras regiões a um custo que varia entre US$ 35 e US$ 45. Mas quem vai querer explorar novos campos de petróleo ou investir em novas tecnologias em outras regiões se sabemos que dentro de cinco anos o Oriente Médio poderá estar fornecendo petróleo aos preços anteriores?

Spiegel: Em outras palavras, se a paz e a estabilidade fossem reinstituídas no Oriente Médio, o preço do petróleo voltaria ao patamar de talvez US$ 25, apesar da grande demanda global por energia?

Stiglitz: Sim. Podemos afirmar isso baseados na forma como os negociadores do preço do petróleo estavam especulando com preços de vendas futuras antes que a guerra irrompesse.

Spiegel: Deveria haver uma enorme pressão econômica sobre Bush para que ele acabasse com o conflito.

Stiglitz: As únicas pessoas que estão se beneficiando com esta guerra são os amigos de Bush e a indústria do petróleo. Ele prestou um enorme desfavor para as economias americana e global, mas os seus amigos texanos não poderiam estar mais felizes. O preço do petróleo subiu, e eles ganham dinheiro quando o preço do petróleo aumenta. Os seus lucros atingiram níveis recordes.

Spiegel: Você não gosta muito desse presidente.

Stiglitz: Ah, não é nada pessoal. Tudo isto só tem a ver com política.

Spiegel: Existe um velho ditado que diz: a guerra é boa para a economia.

Stiglitz: Ouça, a Segunda Guerra Mundial foi realmente inusual, porque, antes dela, os Estados Unidos estiveram na Grande Depressão. Assim, a guerra ajudou a economia norte-americana a sair de forma segura deste declínio. Mas desta vez a guerra é ruim para a economia tanto no curto quanto no longo prazo. Em vez de gastarmos com a guerra, poderíamos ter investido trilhões de dólares na educação. Isso teria conduzido a futuros aumentos de produtividade.

Spiegel: Sendo assim, a bagunça econômica causada pela guerra no Iraque é ainda maior do que a confusão política?

Stiglitz: Bem, nós somos tão ricos que podemos suportar até este nível de prejuízo. Cancelando outros investimentos, enfraquecendo a economia no futuro. Isto ainda não é uma crise. Mas é uma erosão. É algo que se transforma em uma questão para os parlamentares. E não se esqueça das graves questões relativas à proliferação nuclear no Irã e na Coréia do Norte. Nós desperdiçamos a nossa capacidade de lidar com algo sério com algo menos sério.

Spiegel: Qual é a sua visão econômica com relação ao Irã?

Stiglitz: Estamos ajudando as pessoas que Bush diz serem malignas. Teerã não poderia estar mais feliz com os altos preços resultantes da guerra no Iraque.

Spiegel: Se o Conselho de Segurança da ONU votar favoravelmente à aplicação de sanções ao Irã e às suas exportações de petróleo, o que isso significaria para a economia mundial?

Stiglitz: Significaria um enorme distúrbio, já que o preço do barril de petróleo poderia ultrapassar os US$ 100. É possível aumentar o preço de US$ 25 para US$ 40. As pessoas absorvem tal aumento. Se os preços ultrapassam os US$ 60, os indivíduos ficam insatisfeitos. Eles começam a se ajustar, a usar carros menores, a dirigir um pouco menos. Mas quanto o preço do barril de petróleo chega a US$ 100 ou US$ 120, ocorrem grandes mudanças de estilo de vida. As vendas de carros despencam. Os pobres enfrentarão problemas reais no sentido de escolher entre aquecimento e comida.

Spiegel: Desta vez o mundo não é capaz de suportar a aplicação de sanções?

Stiglitz: Estamos falando de não permitir que as autoridades iranianas obtenham vistos para visitarem os nossos países.

Spiegel: Essa não é uma medida dura.

Stiglitz: Não é uma sanção. Portanto, a resposta é sim, nós não contamos com sanções efetivas.

Spiegel: Professor Stiglitz, obrigado por esta entrevista.

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