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Sunday, July 22, 2007

Redecker é enterrado sob protestos em Novo Hamburgo-globo 22/7


Redecker é enterrado sob protestos em Novo Hamburgo

Publicada em 20/07/2007 às 22h28m

Higino Barros - O GloboClic RBS; Agência Câmara; Agência Brasil; O Globo Online; Caixão do deputado federal Julio Redecker (PSDB-RS), coberto pelas bandeiras de seu partido, do Brasil e do Rio Grande do Sul, no Palácio Piratini, sede do governo gaúcho - EFE

BRASÍLIA, PORTO ALEGRE e WASHINGTON - O corpo do deputado federal Júlio Redecker (PSDB-RS) , uma das vítimas do acidente de terça-feira com o Airbus da TAM , foi enterrado no fim da tarde desta sexta, sob clima de comoção e tristeza, na cidade de Novo Hamburgo, a 40 quilômetros da capital gaúcha. O governo federal foi representado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, que esteve no velório. A cerimônia fúnebre foi realizada no Palácio Piratini, que é a sede do Poder Executivo gaúcho.

O senador Tasso Jereissati (PSDB/CE), o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT/RS), e o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), viajaram à cidade gaúcha para acompanhar a cerimônia.

Um dos filhos do deputado, Júlio Redecker, Lucas, de 26 anos, que é considerado seu herdeiro político, reclamou da TAM e, também, do governo federal. Durante o velório do deputado, Lucas, de 26 anos, disse que a família, até agora, não foi contatada pela empresa aérea:

- Apenas os governos do Rio Grande do Sul e de São Paulo foram solidários com nossa família. E, se não tivéssemos recebido esse apoio, até agora estaríamos sem informações.

Lucas Redecker pediu, ainda, providências ao presidente Lula, no sentido de acelerar as investigações sobre as causas do acidente ocorrido em Congonhas, que vitimou seu pai:

- É o mínimo que o governo federal pode fazer em respeito às vítimas do acidente. Isso tem que ser feito para que outras famílias não chorem perdas de seus entes queridos, como estamos chorando.

Cerca de seis mil pessoas, segundo os cálculos da Brigada Militar, passaram pelo velório do deputado tucano gaúcho. Para o governador mineiro Aécio Neves, Julio Redecker era um dos parlamentares brasileiros mais preocupados com a crise da aviação brasileira. Tornou-se uma vítima dela:

- Sua fibra e sua indignação com os descaminhos por que passa o país servirão como exemplo para jovens como ele, que formavam uma nova geração de políticos brasileiros.

Ainda na opinião de Aécio Neves, o governo federal tem se mostrado incompetente na condução da crise ins$na aviação civil brasileira. Segundo ele, falta um plano estratégico para enfrentar os problemas que vêm ocorrendo desde o acidente com o avião da Gol, em setembro do ano passado:

- Não cabe falar sobre as causas do acidente que vitimou o Júlio Redecker e enlutou dezenas de lares. Mas que a crise não tem sido administrada com inteligência, este é um sentimento que assola, hoje, todos os brasileiros.

Ontem, em Porto Alegre, também foram realizados o velório e o enterro do ex-presidente do Internacional Paulo Rogério Amoretty. Seu corpo foi velado no Estádio Beira-Rio. A cerimônia fúnebre contou com as presenças de dirigentes de clubes do futebol brasileiro, além de centenas de torcedores.

Nesta quinta, a presidente da Câmara de Representantes dos EUA, a democrata Nancy Pelosi, comandou manifestação de um minuto de silêncio em homenagem ao deputado. Redecker faria escala em Congonhas rumo a Washington, onde iria se encontrar com parlamentares americanos. Em São Paulo, o deputado se juntaria ao colega Luiz Sérgio (PT-RJ) e ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que também seguiriam em missão oficial.

Deputados farão a tradicional doação para a família: R$ 564.711

A família do deputado vai receber, no mês que vem, ajuda financeira de R$ 564.711,08 dos outros deputados federais. De acordo com a Diretoria-Geral da Câmara, quando um deputado federal morre no exercício do mandato, são descontados dois dias de salário de cada um dos 513 deputados, no mês seguinte ao falecimento, e esse dinheiro é repassado à família do parlamentar. Segundo a diretoria, a norma é antiga e surgiu de ato da Mesa Diretora da Câmara.

Foto da família do deputado Júlio Redecker na parede do gabinete do deputado em Brasília - Ailton de Freitas / O Globo

Como o salário de um deputado hoje é de R$ 16.512,02, cada um dos 513 parlamentares no exercício do mandato vai deixar de receber no mês de agosto R$ 1.100,80, que serão repassados à família de Redecker.

Além da ajuda financeira, que é uma espécie de doação obrigatória de cada parlamentar, os familiares (mulher e filhos) de Redecker vão receber da Câmara uma pensão proporcional aos anos em que ele exerceu o mandato. Júlio Redecker estava no quarto mandato como deputado federal. Ainda não se sabe qual será o valor dessa pensão.

Neste ano, a ajuda financeira dos colegas já foi concedida à família dos deputados Enéas Carneiro (PR-SP) e Gerônimo da Adefal (DEM-AL). Carneiro morreu em maio e Gerônimo, em março deste ano.

Na quarta-feira, diversos parlamentares prestaram homenagens ao deputado tucano. O líder do DEM na Câmara, deputado Onyx Lorenzoni (RS), lamentou o falecimento de Redecker. Onyx destacou a amizade que tinha com o deputado, ambos parlamentares gaúchos.

- Neste momento de dor, temos que ser solidários com todas as famílias que perderam pessoas neste acidente. Redecker era um amigo querido e, sem dúvida, um dos grandes nomes da política gaúcha e que cumpria com muito honestidade e responsabilidade seu papel como parlamentar. Sem dúvida é uma grande perda, para o Rio Grande do Sul e para o Brasil - disse o deputado.

O presidente nacional do PSDB, Tasso Jereissati, expressou pesar em comunicado . Na nota, Tasso diz que Redecker era "combatido e destemido".

Luiz Sérgio (RJ), líder do PT na Câmara e que viajaria com Redecker na noite de terça aos EUA em missão oficial da Casa, lamentou o acidente ocorrido em Congonhas. O parlamentar expressou seus "mais sinceros sentimentos de pesar" e fez uma homenagem a seu colega Redecker, em nota:

"Participei, como líder do PT, de alguns debates com o deputado Júlio Redecker, que exercia a liderança da Minoria na Casa. Obviamente nossos pontos de vista eram, quase sempre, distintos, mas o debate sempre foi leal, cordial e honesto como deve ser para o pleno e correto exercício da democracia. Com a morte prematura de Júlio Redecker, a Câmara perde um parlamentar brilhante e o Brasil, uma liderança emergente e promissora".

O deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), autor da proposta de criação da CPI do Apagão, também disse estar muito consternado pela morte de Redecker, seu amigo e companheiro de partido.

"Ele foi um dos parlamentares que, a meu lado, esteve no Aeroporto de Congonhas colhendo assinatura dos cidadãos para abaixo-assinado da sociedade pedindo a instalação da CPI, que enfrentava a resistência dos partidos aliados à situação", afirmou Macris em nota.

O líder do PSDB na Câmara, Antonio Carlos Pannunzio (SP), também lamentou o acidente e homenageou o deputado, dizendo que ele exercia a função com brilhantismo.

Ainda na noite de terça, dia do acidente, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM) e o governador de São Paulo, José Serra lamentaram que o colega de partido estivesse no avião. Virgílio divulgou uma nota em que diz: "Das autoridades, espera a rigorosa apuração das causas. Há meses que o PSDB denuncia os problemas sobejamente conhecidos que afetam o tráfego aéreo e os principais aeroportos do país e reclamando providências das autoridades".

Suplente assume vaga de Redecker na Câmara

Com a morte do deputado, assume a vaga de titular o deputado Cláudio Diaz (PSDB-RS), que estava provisoriamente como parlamentar no lugar de Nelson Proença (PPS-RS), que se afastou para assumir uma secretaria estadual no Rio Grande do Sul. Para a vaga de suplente de Proença, vai o advogado e professor de Direito Matteo Rota Chiarelli (DEM-RS), agora primeiro suplente da coligação formada por PSDB, PPS, DEM e PL (agora PR) nas eleições de 2006

Quem tem medo de Karl Marx?

Quem tem medo de Karl Marx? :: CADERNO 2  Estado
Quem tem medo de Karl Marx?

Um tsunami de livros sobre o filósofo invade as livrarias e traz novas interpretações de sua obra, tida pelo inglês Francis Wheen como o marco zero da mundialização

Antonio Gonçalves Filho

Um tsunami Marx acaba de invadir as prateleiras das livrarias de todo o País. Nada menos que duas biografias do pensador alemão, uma escrita pelo inglês Francis Wheen e outra pelo francês Jacques Attali, um livro de ensaios (Incontornável Marx, 405 págs., R$ 40 ) e o sexto volume da coleção História do Marxismo no Brasil (Unicamp, R$ 60) chegam simultaneamente ao mercado, dando o que pensar sobre as razões de tantos lançamentos numa época em que Marx parece tão deslocado como personagem de Bergman em filme de Fellini. Será? Entrevistado pelo Estado, Francis Wheen concorda com Jacques Attali que o pensamento de Marx é extremamente atual. Attali, na biografia Karl Marx ou O Espírito do Mundo (Editora Record, 450 págs., R$ 60), chega mesmo a defini-lo como o primeiro teórico da mundialização. Wheen, por sua vez, classifica-o como "pioneiro" em seu livro (O Capital de Marx, Jorge Zahar Editor, 136 págs. R$ 29), por tratar, com 150 anos de antecedência, do fetichismo das mercadorias que hoje tanto perturba o mundo, dominado pela hegemonia do mercado.

Marx, diz Attali, profetizou que o mercado pode ser mais poderoso que a democracia. Sua teoria sobre a mundialização do capitalismo faz, hoje, mais sentido que na própria época em que foi concebida, conclui o francês. Por isso, justifica, é preciso voltar a estudar o filósofo sem preconceitos, tentando não confundir Marx com marxismo. Attali, que foi conselheiro de Miterrand e criador de um banco (Banque européenne pour la reconstruction et le développement), afirma categoricamente que Marx defendia um socialismo mundial e que ele viria depois do capitalismo, e não em substituição a ele. Wheen explica o 'revival' Marx lembrando que a época atual, dominada pelo mercado, conserva muitas semelhanças com a primeira Revolução Industrial. Há, segundo Wheen, muita alienação no mundo contemporâneo. Os trabalhadores não mais se envolvem com o que produzem e são descartados pelas rápidas mudanças tecnológicas e pelo avanço da economia virtual.

O livro de Francis Wheen integra uma coleção inglesa de dez volumes, Livros Que Mudaram o Mundo, dos quais dois já foram publicados no Brasil: A Origem das Espécies, biografia de Darwin assinada por Jeanette Broun, e Direitos Humanos, a vida de Thomas Paine vista por Christopher Hitchens. Até setembro do próximo ano estão prometidos os seguintes títulos: uma interpretação da Bíblia por Karen Armstrong, uma introdução ao Alcorão por Bruce Lawrence, uma apresentação dos clássicos Ilíada e Odisséia de Homero por Alberto Manguel, O Príncipe de Maquiavel por Philip Bobbitt, A República de Platão por Simon Blackburn, A Riqueza das Nações de Adam Smith por P.J. O'Rourke e Sobre a Guerra de Clausewitz por Hew Strachan.

Todos esses livros tentam responder a uma pergunta inquietante: podem as idéias mudar o mundo? Marx achava que os filósofos podiam até interpretá-lo, mas mudar o estado das coisas é uma outra história. De qualquer modo, ele chegou a ser apontado como o filósofo mais influente de todos os tempos, segundo uma pesquisa da BBC. Seu legado é discutido nos 15 ensaios reunidos pelo historiador e cientista social Jorge Nóvoa em Incontornável Marx, que agrupa ensaístas de tendências diversas, do cientista social brasileiro Michael Löwy, radicado na França, ao professor de sociologia francês Jean-Marie Bröhm. O livro discute desde as teorias econômicas de Marx até sua dívida com Hegel para a compreensão da relação arte e sociedade, passando por uma discussão sobre o seu pretenso desprezo pela natureza, obcecado que era pela produção.

 
Biógrafo inglês de Marx diz que ele previu crise atual :: TXT Estado
Biógrafo inglês de Marx diz que ele previu crise atual

A mundialização, o fetiche das commodities e a hegemonia do mercado foram previstos por filósofo, diz Francis Wheen

Antonio Gonçalves Filho

O jornalista inglês Francis Wheen, autor de O Capital - Uma Biografia, já havia lançado, antes dessa, uma premiada biografia de Marx (Karl Marx, 2001, Editora Record). É assumidamente um homem de esquerda, signatário do Manifesto Easton, que no ano passado provocou discussões intermináveis na Inglaterra por rejeitar o relativismo cultural e propor a defesa intransigente da Declaração dos Direitos do Homem contra o ideal fundamentalista das verdades eternas. Wheen prega o triunfo dos valores iluministas e o socialismo, para raiva de sua família de industriais, fabricantes de sopa. Bem-humorado, ele não liga quando alguém brinca com sua ascendência ou sua aparência, a de um típico representante Tory, o partido conservador inglês. Por telefone, de Londres, ele concedeu uma entrevista ao Estado, publicada a seguir.

Em Como a Picaretagem Conquistou o Mundo, você observa que a razão está em baixa e que valores do Iluminismo, como a resistência à autoridade e a autonomia intelectual, foram trocados por bolas de cristal, fundamentalismo religioso, misticismo e irracionalismo, Há ainda espaço para a filosofia materialista de Marx num mundo como esse?

Sim, não tenho a menor dúvida, especialmente neste momento em que o mundo globalizado deixa de demonizar Marx para reencontrar nele sérias reflexões sobre a substituição de valores humanos pelo poder das mercadorias. Há 17 anos, quando a União Soviética e os países do Leste Europeu entraram em colapso e o Muro de Berlim desabou, havia um consenso de que o capitalismo vencera e Marx não teria mais lugar no mundo contemporâneo. Hoje esses mesmos profetas que o enterraram são obrigados a desenterrá-lo para refletir sobre fenômenos então pouco discutidos como o fetichismo das mercadorias. Marx já tratava disso em sua época. Aliás, não só sobre isso. Poucos lembram, mas ele já falava de globalização, corrupção política e declínio da alta cultura há 150 anos. É só ler O Capital. Está tudo lá nesse livro que precisa ser relido sem a paixão dos ideólogos da guerra fria, que viram em Marx a figura do demônio. Em Como a Picaretagem Conquistou o Mundo, tento descrever como vejo o mundo atual, dominado pela superstição, pela pseudofilosofia e pelo individualismo, uma verdadeira traição aos ideais iluministas. Em O Capital de Marx - Uma Biografia, meu tema é a vida de um homem que tratou da exploração humana, de como os valores humanos seriam transformados em objetos inanimados, antevendo ainda a interdependência das nações, palavra que ele preferia à globalização.

Seu livro apresenta Marx como um literato, um intelectual que recorre a diferentes fontes e gêneros, misturando economia com novela gótica, melodrama vitoriano com tragédia grega. Seria possível acrescentar a isso tudo uma pitada metafórica, no estilo bíblico, lembrando as parábolas cristãs sobre como tratar o semelhante. Como essa obra híbrida, que trata dos efeitos da primeira Revolução Industrial, pode ser lida num século dominado pela economia virtual e que rejeita a cultura humanista?

A Bíblia é só uma das fontes de Marx, um ateu, claro, mas é possível ouvir ecos de Shakespeare, Dante, Goethe e principalmente Charles Dickens em O Capital, que também precisa ser lido como obra literária de um erudito, e não apenas como um tratado econômico sobre mercadorias tiranizando os trabalhadores que a produzem. Como digo no livro, é preciso ler O Capital como uma obra da imaginação, em que os heróis são consumidos pelo monstro que criaram, exatamente como nas melhores novelas góticas. Um aspecto pouco observado pelos especialistas é a veia satírica de Marx, próxima à de Swift, em particular quando ele fala, de modo sarcástico, da lógica interna do capitalismo. Claro, é uma obra literária típica do século 19, uma espécie de versão dickensiana para o idioma econômico. Se as pessoas ainda se comovem com Dickens, por que não com Marx, que fala dos mesmos despossuídos? Veja, a globalização empurrou para as ruas um contingente de profissionais que hoje não têm função num mundo cada vez mais veloz, tecnológico e desumano. São os miseráveis de Dickens que se vêem sem trabalho e obrigados a descobrir novas maneiras de viver. Aliás, bem mais miseráveis e vivendo em condições mais precárias do que poderia supor a imaginação de Dickens.

Você falou em ironia e noto que, além de Edmund Wilson, você foi um dos poucos a observar esse lado de Marx. Por que o mundo acadêmico tem tanta resistência em reconhecer a veia satírica do filósofo?

Não sei. Talvez pelo fato de que poucos reconheçam os valores literários de O Capital e apontem Marx como o mestre de genocidas como Stalin e Mao. Fukuyama queria acabar com a história, mas Marx voltou para se vingar. Os literatos ficariam surpresos se tentassem ler O Capital com um olhar menos sociológico e mais compenetrado no escritor, que adorava Dickens. O próprio Marx sabia que seria incompreendido por seus contemporâneos, a ponto de recomendar a leitura de A Obra-Prima Ignorada de Balzac a seu parceiro Engels. Não sei se você lembra do livro, mas Balzac fala de um pintor que se julga revolucionário e pretende pintar o mais realista dos quadros, acabando por produzir uma antecipação da pintura abstrata para surpresa de seu amigo Poussin, que talvez não tenha reconhecido um retrato sob aqueles traços à deriva, após tantos retoques. Marx também foi vítima de más interpretações . Ele foi seccionado, dividido entre o jovem filósofo e economista maduro, quando deveria ser lido como um todo. Fragmentado, ele vira o retrato do pintor de Balzac.

Sua opinião sobre Marx, contudo, não é totalmente favorável a ele. De fato, você o descreve como um tremendo ego, um intelectual sádico que não apenas manipulava e subvertia dados a favor de suas teses como um explorador do amigo Engels, a quem não teria dado a mínima quando a mulher deste morreu. Além disso, a considerar suas observações, ele tinha pouco apreço pela classe trabalhadora, tratando-a por vezes com desprezo.

É preciso considerar as condições em que Marx viveu, a extrema miséria que enfrentou, o exílio de um homem brilhante perseguido pela polícia e a tragédia familiar que matou seus filhos, por fome ou suicídio. Um homem vivendo assim tão miseravelmente e produzindo uma obra de tal relevância tem de ser desculpado por um ou outro deslize. Era, sim, um tremendo ego, mas, em O Capital, ele se mostra solidário com os trabalhadores ao descrever o cotidiano das vítimas da Revolução Industrial como se estivesse produzindo um romance de Dickens. Eu não o demonizei nem pretendi escrever uma hagiografia, como fizeram outros biógrafos. Quis mostrar o Marx humano. E, também por isso, não podia ocultar informações que não são assim tão obscuras, especialmente o suporte intelectual, e não apenas financeiro, que Engels deu a Marx, ou a polêmica sobre Ferdinand Lassale (que valeu ao pensador acusações de racismo). Marx se acreditava um artista criativo, um poeta, e ficava triste por não ser reconhecido como tal. Isso explica muitas das tiradas rompantes contra seus detratores.

O Capital - Uma Biografia, Francis Wheen, Jorge Zahar, 136 págs., R$ 29

 
O pensador que ainda desafia :: TXT Estado
O pensador que ainda desafia

MARX INCONTORNÁVEL: O título do livro de ensaios organizado pelo historiador Jorge Nóvoa (parceria da Editora da Universidade Federal da Bahia com a Editora da Unesp) foi pensado para provocar aqueles que defendem a superação das idéias do filósofo alemão. Em textos inéditos (alguns ao menos no Brasil), autores que se autoproclamam marxistas fazem oposição à hegemonia do pensamento neoliberal e defendem que a democracia não rima com os interesses do capital no mundo contemporâneo. Nóvoa, na introdução, reitera a observação de Francis Wheen, de que é preciso ler Marx sem os vícios das leituras economicistas e politicistas. É o que tentam fazer os 15 autores desses ensaios, que tratam desde a noção de imperialismo e da análise do capitalismo por Marx até a história imediata (a guerra dos EUA contra o terrorismo) e assuntos pouco explorados, entre eles a problemática relação do filósofo com o meio ambiente, tema de um ensaio de Renán Vega Cantor. Ou, ainda, com a arte, relação explorada por Antônio da Silva Câmara. Neste último ensaio, Câmara diz que, em que pese a crítica de Marx a Hegel, o filósofo não se afastou dele, assumindo a concepção hegeliana de que a arte é a apropriação do espírito por si mesmo. O francês Jean-Marie Bröm faz uma crítica aos "clássicos" do marxismo que expurgaram a morte, oculta no materialismo histórico, que esbarrou num dos seus maiores pontos cegos: a finitude. O Marx do século 21, diz Jacque Videt, não é o mesmo dos anos 1950, antes da leitura renovada de Habermas. Ele precisa ser relido sem preconceitos.

 
Mergulho sereno em uma vida complexa :: TXT Estado
Mergulho sereno em uma vida complexa

Em Karl Marx ou o Espírito do Mundo, Jacques Attali consegue cumplicicidade envolvente do leitor com o personagem

Elias Thomé Saliba

Em 1887, quatro anos depois da morte de Marx, a nova edição inglesa de O Capital, emplacou, em apenas um ano, a marca de 5 mil exemplares vendidos nos Estados Unidos. Mas o efêmero sucesso foi devido à penetrante propaganda do editor junto aos profissionais das finanças, que anunciou o livro como um "fabuloso método de fazer fortuna no sistema bancário!". Entre inúmeros, este foi apenas um pitoresco exemplo da mais formidável trajetória de equívocos associados a uma obra que talvez tenha sido a mais calamitosamente mal interpretada de todos os tempos. Jamais um pensador arregimentou um tão amplo e variado sortimento de incompreensões, manipulações e ambigüidades. Os usos e apropriações de sua obra por credos bastardos só perde para a maneira como as centenas de seitas cristãs maltratam o Antigo Testamento. Com a biografia de Marx aconteceu o mesmo: de um lado, narraram sua vida igualando-o a um quase-Messias, um santo laico que iria salvar o mundo das injustiças; de outro, satanizaram-no de tal forma que, se ele tivesse vivido mais alguns anos, certamente seria apontado como o principal suspeito dos crimes de Jack, o estripador.

Em anos recentes, a voga das biografias fartamente pesquisadas veio alterar de vez este panorama, revelando uma história bem mais interessante que a idolatria ou o menosprezo apressado de tantos biógrafos. É o caso de Karl Marx ou o Espírito do Mundo de Jacques Attali que chega às mãos do leitor brasileiro. Attali sempre se saiu bem, escrevendo sobre os mais diversos assuntos. Da vida de Marx ele nos dá detalhada narrativa, conectando as vicissitudes privadas e frustrações públicas em seis magníficos capítulos, que resumem as diversas facetas do homem, do filósofo, do revolucionário, do economista, do pensador e do líder da Internacional. E se mostra lúcido e sensível para delinear um retrato forte e comovente de Marx: um apátrida de relacionamentos planetários, um pessimista com extrema confiança na humanidade, um homem sozinho - perseguido pelas polícias de todas as nações, desterrado até em seu campo - e cuja obra se encontrava ainda em estado de esboços desordenados no momento de sua morte.

Attali não deixa de lado a explanação concisa de alguns conceitos e cria uma cumplicidade envolvente do leitor com o personagem Marx: a precisão do seu pensamento, o poder de seu raciocínio, a clareza de suas análises, a ferocidade de suas críticas, o humor de suas tiradas, a clareza de seus conceitos. "Imagine Rousseau, Voltaire, d'Holbach, Lessing, Heine e Hegel reunidos numa mesma e única pessoa - e estou dizendo reunidos e não justapostos - e tereis o doutor Marx." Esta frase, de Rudof Hess, talvez seja a mais definidora da personalidade intelectual de um pesquisador incansável - capaz de descobrir - no lixo de um sebo - preciosos relatórios de inspetores de fábrica ingleses, que ajudarão a fundamentar argumentos da sua teoria da mais-valia. Mas Attali nos revela também uma vida que se desenvolve numa espiral cada vez mais pungente e que ele acompanha com os acontecimentos da época. Marx nunca teve um emprego ou renda fixa por mais do que dois anos, sua vida familiar foi de crônica miséria e tristeza: perdeu três filhos ainda jovens, sofreu dores horríveis dos furúnculos, da doença hepática e dos pulmões - e ainda, constrangeu-se por longos anos com o amigo Engels - que não somente bancava suas dívidas, como também assumiu como seu o filho que Marx teve com a empregada.

De qualquer forma, passando bem longe do trivial, a biografia é um mergulho sereno na complexidade de uma vida. Há momentos envolventes nos quais os conceitos se relacionam intensamente com eventos e emoções da própria vida de Marx, transmutando-se em lúcidas observações autobiográficas: todo trabalho é sofrimento, pois ele sempre cria algo que está fadado a separar-se do seu autor. Marx também sentiu, toda a sua vida, imensa dificuldade de separar-se de qualquer texto e dá-lo por concluído. Sua irônica observação - "Não tenho tempo para escrever livros curtos" - pode ser vista como um clarão autoderrisório das suas próprias dificuldades de escrever. Para escrever, Marx também sempre precisava de um alvo, de um adversário que lhe permitia avançar teoricamente ao longo das frases; necessitava também, ardentemente, escorar-se em fatos e acontecimentos da história imediata.

Attali justifica toda esta ebulição com a observação de que Marx tinha a alma de repórter. Lembre-se que Marx chegou a visitar a Exposição Universal de Londres, em 1862, como jornalista credenciado e, em certa época, sonhou em fundar uma agência de imprensa - o que, afinal, acabou se realizando, alguns anos depois, só que por um outro judeu-alemão radicado em Londres, Julius Reuter. Seja como for, é assim que Attali explica sua crônica incapacidade de concluir: cada vez que Marx está para encerrar um escrito acabava interrompendo-o para mergulhar num novo oceano de livros. Qualquer pretexto serve para ele não escrever a palavra "fim". Parece que tem que surgir um obstáculo toda vez que ele está para entregar um texto, como se o medo de publicar o deixasse doente. É que Marx permanecia tão obsessivamente conectado à realidade imediata que não queria perder nada. Acabar seus escritos seria como concordar que a realidade tinha acabado e admitir que a história chegara ao fim. O que nos faz lembrar daquele incrível Michel Carra, engajado e apaixonado jornalista da época da revolução francesa - a quem se refere Victor Hugo em Noventa e Três - o qual, a poucos minutos de ser guilhotinado, resmungou ao impassível carrasco: "Aborrece-me morrer, gostaria de ver o resto!"

Elias Thomé Saliba é historiador, professor da USP e autor, entre outros livros, de Raízes do Riso

 
Trecho :: TXT Estado
  Trecho

"A extraordinária trajetória deste proscrito, fundador da única religião nova dos últimos séculos, permite-nos compreender como o nosso presente foi construído com base nesses homens raros, que optaram por viver como marginais desapossados para preservar o direito de sonhar com um mundo melhor, embora os caminhos do poder lhes estivessem abertos. Temos para com eles dever de gratidão. (...) Com freqüência cada vez maior, ao longo das minhas pesquisas, fui sentindo necessidade de saber o que ele pensava do mercado, preços, produção, troca, poder, injustiça, alienação, mercadoria, música, tempo, medicina, física, propriedade, judaísmo e da história. Hoje, sempre consciente de suas ambigüidades, sem compartilhar quase nunca as conclusões dos seus epígonos, não há um tema com que eu venha a me envolver sem que me pergunte o que ele pensou a respeito."

Karl Marx ou o Espírito do Mundo, Jacques Attali, Record, 446 págs., R$ 60

Sunday, July 15, 2007

OSCAR NIEMEYER Entrevistas


Entrevistas

OSCAR NIEMEYER


Cansado de repetições, tento mudar de assunto. Passei a vida sobre a prancheta, mas, para mim, a política importa mais que a arquitetura

A arquitetura serve apenas aos mais poderosos; os mais pobres dela nada usufruem, vendo, revoltados, de seus barracos, o mundo dos ricos




ULTIMAMENTE , minhas manhãs são ocupadas por entrevistas e encontros. Jornais e revistas nacionais e estrangeiros, pessoas interessadas em saber o que penso da arquitetura e da própria vida.
Sobre a arquitetura, me restrinjo a explicar que, hoje, o concreto armado tudo permite aos arquitetos, que arquitetura é invenção e que a minha preocupação principal é utilizar a técnica em toda a sua plenitude, buscando dar aos meus projetos a surpresa, o espanto que uma obra de arte requer.
E esclareço aos que me entrevistam que, quando o tema permite, começo reduzindo os apoios, e a arquitetura se faz mais audaciosa, e as coberturas, maiores, se adaptando às formas diferentes que a imaginação vai criar.
A entrevista prossegue, eu procurando encurtar os assuntos da arquitetura, mas não raro surge uma pergunta que requer uma explicação. Numa das entrevistas recentes, indagaram: "Que relação tem Le Corbusier com o projeto do edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde?". Um projeto feito por uma equipe chefiada por Lucio Costa, tendo por base um projeto do velho mestre.
E, como de costume, me limitei a dizer que se tratava de um projeto de Le Corbusier. Uma preocupação permanente que temos em preservar a autoria de qualquer projeto arquitetônico -coisa antiga que, já no passado, Michelangelo revelava, ao se recusar a interferir no projeto original de Bramante para a basílica de São Pedro em Roma.
Mas, no caso do projeto elaborado pela comissão chefiada por Lucio Costa, é diferente, tantas foram as modificações feitas no segundo estudo apresentado por Le Corbusier.
A própria localização do prédio no terreno foi alterada: em vez de mantê-lo, como constava do projeto do velho mestre, grudado à rua, defronte do Ministério do Trabalho, com a fachada norte prejudicada (praticamente escondida), resolvemos colocar o edifício no meio do terreno, dividindo em duas a praça existente. Em razão dessa solução, surgiram os pilotis e a ligação tão bonita entre eles.
E nos ocorreu a solução diferente dada ao bloco destinado a exposições e auditório, solto, independente do edifício, como antes não ocorria.
Depois, a simplificação das fachadas do edifício. A fachada sul construída toda de vidro, sem as interrupções nas áreas correspondentes aos sanitários, antes previstas. Na outra, foi adotado o sistema de brise-soleil por Le Corbusier preconizado, com a diferença de que as placas horizontais não são fixas, em concreto, como o velho mestre usava, mas móveis, regulando a proteção solar -um sistema de placas móveis antes empregado pelos irmãos Roberto. Um detalhe que evoluiu naturalmente ao passar do tempo. Podia ter lembrado que, na mesma época, no Rio, outros edifícios de igual espírito arquitetônico estavam sendo criados, como o prédio da ABI, o aeroporto Santos Dumont etc.
Essa era a explicação que, como membro daquela comissão, eu deveria ter fornecido ao meu entrevistador. Afinal, é generosidade demais considerar o prédio do Ministério da Educação e Saúde uma simples variação de um projeto já elaborado diante da explicação que acabo de dar.
Nessas entrevistas, procuro limitar um pouco os assuntos da arquitetura -um trabalho, a meu ver, muito pessoal, em que o arquiteto deve fazer o que gosta, e não aquilo que os outros gostariam que ele fizesse.
E a conversa prossegue, os jornalistas perguntando sobre meus últimos trabalhos, o que estou fazendo no exterior, qual o projeto que mais me agrada entre os já realizados.
Para atendê-los, lembro às vezes o projeto da sede da editora Mondadori, em Milão (Itália), em que a surpresa arquitetural surge logo ao visitante que chega -a grande colunata com espaços diferentes, num ritmo musical que até hoje não se viu em outro edifício-, ou a Universidade de Constantine, na Argélia, em que, estando com o nosso amigo Darcy Ribeiro, que lá nos acompanhava, preocupado com que o projeto em elaboração garantisse o contato mais íntimo entre os estudantes, adotei a sua idéia, criando uma universidade completamente diferente. Lembro do entusiasmo com que Darcy, Luís Hildebrando Pereira da Silva, Heron de Alencar e Ubirajara Brito, exilados na Europa, vieram à Argélia para comigo colaborar.
Ah, como até no exterior a arquitetura muitas vezes sofre alterações! É a notícia que recebo de Constantine, surpreso ao saber que uma grande placa de vidro foi colocada, fechando o recreio em pilotis que desenhei -o que contrasta com o que se verificou com a sede do Partido Comunista Francês.
Convocado por seu secretário-geral, ele me disse: "Oscar, a sede está pronta, está muito bonita; tenho uma escrivaninha velha, que me acompanhou a vida inteira; eu gostaria de saber se você me permite colocá-la no meu gabinete". Em toda a minha trajetória de arquiteto, foi a única vez que me falaram assim.
Um pouco cansado das repetições inevitáveis, tento quase sempre mudar de assunto, buscando levar a entrevista para o lado político, que mais me interessa: "Vocês sabem, passei a vida debruçado na prancheta, mas, para mim, ela é mais importante do que a arquitetura". E, como para espantar os jornalistas mais um pouco, continuo: "Quando vejo um jovem protestando nas ruas, sinto que o que ele faz é mais importante do que o meu trabalho de arquiteto".
E mais ainda os surpreendo quando falo dos problemas da vida, deste mundo injusto que devemos modificar, da insignificância do ser humano diante deste universo fantástico que tanto o atrai e humilha. E enveredo, como comunista que sou, pela crítica deste sistema capitalista responsável pela injustiça e pela violência que se multiplicam por toda a parte, com o império de Bush a invadir os países mais desprotegidos.
Sinto que, de um modo geral, essa minha conversa começa a interessá-los, acostumados que estão a ouvir sempre dos arquitetos mais importantes o entusiasmo incontido pelas obras que realizam, a mostra do talento com que as projetaram, certos de que ficarão na história da arquitetura por sua contribuição irrefutável.
Como para contestá-los, lembro que a arquitetura serve apenas aos mais poderosos; os mais pobres dela nada usufruem, vendo, revoltados, de seus barracos, o mundo dos ricos, fútil e ignorante (mas eles bem instalados em seus palácios junto ao mar).
Raramente algum deles resolve contestar-me: "E no mundo socialista que vocês propõem, o que vai acontecer?". É claro -respondo- que a vida será mais justa, as habitações serão mais modestas, mas as escolas, as universidades, os grandes empreendimentos humanos -os hospitais, os estádios, os cinemas, os teatros, os museus, os centros culturais- serão mais importantes, porque deles todos participarão. E o homem será mais simples, mais humano, curioso à procura da verdade de sua própria existência, de sua origem tão longínqua que até uma ameba poderá explicá-la.
Perplexo diante do futuro, que nada de bom oferece, mas a sonhar com o progresso da ciência, com as viagens interplanetárias, que enfrentam as distâncias mais fantásticas.
Não raro, depois de as entrevistas serem publicadas, os equívocos aparecem, e por vezes tão lamentáveis que sou obrigado a me manifestar. E, quando o assunto é político, um engano que possa ocorrer me preocupa ainda mais.
Aproveito este texto para esclarecer que a presença de Lula no atual governo é, a meu ver, da maior importância. Operário, voltado para o povo, hábil na política externa, embora, como comunistas, nos seja muitas vezes difícil aceitar o seu espírito conciliador.
Vivemos um momento difícil no campo internacional, o império de Bush a ameaçar o mundo inteiro. Internamente, um ambiente estranho começa a nos inquietar: é uma onda irrefreável de denúncias, gravações de conversas telefônicas, gente sendo presa sem provas; cria-se o terror, como nos velhos tempos de Beria na antiga União Soviética ou no período do macartismo nos Estados Unidos.
Além disso, é o fantasma do inesperado, que, para o bem ou para o mal, um dia pode surgir.


OSCAR NIEMEYER , 99, arquiteto, é um dos criadores de Brasília (DF). Suas obras estão edificadas em diversos países, entre os quais Alemanha, Argélia, EUA, França, Israel, Itália, Líbano e Portugal.